O são-carlense Dijalma Francisco Boa Sorte é o que se pode chamar de “prata da casa” do Grande Hotel São Pedro, um dos mais completos empreendimentos hoteleiros do interior paulista e sede de uma das unidades do Centro Universitário Senac que se dedicam a formar profissionais de hotelaria. Foi ali que Dijalma obteve seu diploma de tecnólogo em gastronomia, o primeiro passo para chegar ao atual posto de gerente de Alimentos e Bebidas do Grande Hotel.

Hoje ele é responsável por liderar uma equipe de 110 funcionários, boa parte formada também no Senac, e ainda mantém acesa sua paixão pelo calor da cozinha. Depois de uma extensão universitária em viennoiserie (a delicada massa folhada francesa), feita na École Lenôtre, de Paris, e de uma especialização em sous-vide (cozimento a vácuo), pelo The Culinary Institute of America, Dijalma trocou a pacata Águas de São Pedro pela badalada Campos do Jordão, onde o Senac mantém outro Grande Hotel com Centro Universitário. Por um ano e meio, ele foi o chef de cozinha executivo em Campos. De volta a São Pedro, não quis fazer mais do mesmo. Reformulou o cardápio dos restaurantes do hotel e criou atrativos capazes de tornar inesquecíveis as experiências de cada hóspede — em especial dos que apreciam os prazeres da boa mesa.

 

“Vocês vão sair do chão”, antecipou o confiante Dijalma, ao anunciar o que nos aguardaria no jantar da noite seguinte. Criado por ele, com o apoio do assistente Anderson Cristian da Silva, o jantar que recebeu o nome de “Winemade” é preparado a partir da escolha dos vinhos que serão servidos. O hóspede pode levar suas garrafas (já houve quem desafiasse chef e sommelier a criar uma refeição em torno de um raríssimo Barca Velha 1954), mas a adega do hotel é capaz de atender aos mais exigentes enófilos. É nessa saleta envidraçada, com temperatura controlada e onde repousam preciosidades como um Château Filhot 1939, Gruaud Larose 1964, Cheval Blanc 1976, além de Petrus, Lafite Rothschild e tantos outros que o entusiasmado Cristian (como prefere) inicia uma conversa sobre as preferências dos comensais. “Não vamos falar de uvas, regiões ou produtores, mas daquilo que vocês apreciam em um vinho”, diz o sommelier formado pelo Senac Campos de Jordão com especialização no Wine & Spirit Education Trust (WSET). Embora sem fazer nenhuma anotação, Cristian aproveita o tom descontraído da conversa para captar o “enogosto” dos clientes. É a partir de suas constatações que ele escolherá os vinhos. Em menos de 24 horas, ele estará no salão do Restaurante Engenho das Águas acompanhando todo o serviço do jantar “Winemade”. O menu e as surpreendentes harmonizações são decididos a quatro mãos por Cristian e Dijalma. Ao longo das seis etapas, as taças serão enchidas com garrafas recobertas de uma capa de tecido para tornar tudo ainda mais intrigante.

Ocupando um elegante salão de grandes janelas de vidro no Grande Hotel São Pedro, o Engenho das Águas abre apenas para o jantar, às sextas e aos sábados. É preciso fazer reserva e não há cardápio fixo. As opções são o “Menu Confiance” (R$ 250 por pessoa, sem bebidas), “Winemade” (R$ 350, vinhos à parte) e, em datas pré-agendadas, “Encontro com o chef”, quando o jantar se transforma em workshop, com Dijalma e Cristian comentando os ingredientes e as técnicas envolvidas no preparo de cada prato e contando histórias acumuladas em décadas de profissão. Além da vivência na cozinha, no salão e no bar, ambos desenvolveram atividades acadêmicas, o que se reflete não só no elevado nível do conteúdo como na maneira didática como discorrem sobre aspectos de seus ofícios. “O Cristian é muito estudioso. Passa o tempo lendo sobre vinhos”, afirma Felipe Riemma, gerente geral do Grande Hotel São Pedro.

A busca por conhecimento fica clara no vasto repertório que o sommelier demonstra ao longo do jantar — e também na seleção de rótulos. Era um sábado de lua cheia e temperatura agradável. O menu teve início com um amuse bouche (aperitivo) inusitado: camarão ao chocolate com alho frito. O que poderia ser uma combinação de gosto duvidoso revelou sensações impensáveis ao palato. “O alho é que faz a ligação entre o camarão e o chocolate”, afirma Cristian.

A invenção foi acompanhada pelo espumante provençal Rivarose Brut Rosé (rótulo relevado apenas após a última taça ter sido degustada). A mesma bebida escoltou o couvert e a entrada: lula, polvo, vieira e mariscos grelhados com limão siciliano. Cristian explica o truque para caramelizar os frutos do mar: espremer o limão na última salteada à frigideira. Além da acidez, o caldo cítrico confere tons acobreados aos moluscos. O jantar poderia ser encerrado ali, mas ainda viram dois pratos, a sobremesa – e mais vinhos surpreendentes. Antes de descrevê-los, vale ressaltar o serviço: da disposição das taças e talheres à sofisticação das louças (incluindo pratos que parecem retorcidos ou de cabeça para baixo), tudo corre de forma impecável, como convém a um hotel-escola

Também mascarado por uma capa, o tinto eleito para os passos seguintes não escondia a origem do corte: as uvas eram seguramente de Bordeaux, mas, segundo Cristian, não se tratava de um rótulo francês. Onde ele fora produzido? Enquanto a dúvida pairava à mesa, seguiram-se o prato “intermediário” (confit de pato ao molho de cassis com mousseline trufada e cogumelos) e o principal (medalhão de filet com risoto de alho-poró e foie gras com espuma de funghi). Enfim, a garrafa é revelada: Sangue di Miura, elaborado na Toscana pela família proprietária da fábrica de supercarros Lamborghini com as uvas merlot e cabernet sauvignon. Um verdadeiro campeão, a um preço nada exuberante: R$ 215 no próprio hotel.

HEALTH CLUB: As águas medicinais que motivaram a criação do hotel, na década de 1940, ainda são parte da atração, com um bem montado spa exclusivo para os hóspedes.

CADEADO Haveria espaço para sobremesa? Sim, e também para mais um cálice de vinho. Para harmonizar com a mousse de chocolate belga Callebaut coberta de caramelo francês, a escolha óbvia seria um Porto. Foi quase isso. Ele era escuro, tão doce que lembrava melado e rapadura, e ao mesmo tempo potente o bastante para não sucumbir ao chocolate com caramelo. Desvendada a garrafa, o Jerez Pedro Ximenez El Candado é uma lenda. Seu nome faz alusão ao cadeado que vem na garrafa para proteger seu preciso líquido. Um fecho tão espetacular quanto o restante da experiência que faz do Grande Hotel São Pedro um destino a ser considerado por qualquer gourmet em busca de prazeres em torno do vinho.

Workshop ensina a preparar versões de gin tônica

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O gin se tornou a bebida da moda e ajudou a ampliar a carta de drinques de muitos bares. Não é diferente no Grande Hotel São Pedro, que tem três deles: um em frente ao restaurante, outro sob a imensa figueira ao lado da piscina e o terceiro em meio a um jardim contemplativo, onde antes era o campo de golfe. Além de oferecer aos hóspedes drinques de criação própria (como o da foto, preparado pelo barman Thiago), um workshop ensina a preparar variações de gin tônica, enquanto mixologistas formados pelo Centro Universitário Senac ensinam um pouco da história e das características da bebida. De origem holandesa, o gin se tornou sucesso na Inglaterra (e também um caso de saúde pública até ser devidamente regulamentado pela coroa britânica). Uma curiosa receita leva café e licor Tia Maria. Não é tão refrescante quanto se espera de um gin tônica, mas vale para demonstrar sua versatilidade. “Alimentos e bebidas fazem parte do nosso DNA, uma vez que o hotel forma profissionais da área”, afirma o gerente Dijalma Boa Sorte, enquanto caminha pelos jardins do hotel. “Por isso criamos atividades em que nossa vocação fica evidente”. Da equipe de 240 funcionários, 110 são do setor de A&B. Com 117 acomodações, incluindo cinco residências (três delas com dois quartos) o hotel nasceu em torno das águas medicinais que jorram em fontes da estância hidromineral e já abrigou um cassino. Ainda que as águas não sejam mais o principal motivo para atrair visitantes, seu belíssimo spa continua valendo a visita. Especialmente para uma massagem relaxante no dia seguinte a um jantar como o “winemade”.