Em discurso durante a Windows 2000 Deployment Conference, Michael Dell norteava o que seria a relação das empresas com a capacidade de conexão proporcionada por redes globais de computadores interligadas. “A flexibilidade do negócio na adaptação à mudança e à dinâmica do mercado vai marcar os vencedores e perdedores nesta era da Internet”, disse, mais de duas décadas atrás, o fundador e CEO da Dell, uma das maiores empresas de hardware do mundo. Uma dessas adaptações é o trabalho remoto, que não é necessariamente algo novo para o setor de tecnologia. Mas ganhou escala nessa área e foi implementado com sucesso em outros segmentos a partir da pandemia de Covid-19. Mais do que o home office, o anywhere office se expandiu. O conceito de ‘escritório em qualquer lugar’ também não é novidade. Novo mesmo é que o escritório em casa ou onde o colaborador estiver veio para ficar. Levantamento feito em setembro pela Revelo, startup de recrutamento e seleção em tecnologia, aponta que 72,7% dos profissionais de TI consideram trocar de emprego caso seja obrigatória a volta ao trabalho presencial.

“A grande surpresa é que os colaboradores estão dispostos a pedir demissão caso sejam forçados a retornar ao modelo presencial. É uma mudança bruta”, disse Lucas Mendes, fundador da Revelo. O executivo observa que esse movimento ocorre quando há desequilíbrio entre oferta e demanda ou gap salarial grande. De acordo com projeção da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), 420 mil vagas no setor estarão abertas até 2024 sem serem preenchidas. O estudo da Revelo mostra ainda que o trabalho remoto é o melhor formato para 79,1% dos funcionários. Hoje, 73,4% atuam nesse modelo, contra 13,3% antes da pandemia. A maioria (77,4%) fazia o sistema presencial. O restante, de forma híbrida.

Foi isto que fez Patrícia Carvalho, 34 anos, diretora de Marketing. Ela perdia mais de três horas no trânsito paulistano, para ir e voltar do trabalho, de Pinheiros onde morava para a Avenida Paulista, onde ficava o escritório da empresa, a própria Revelo. Em 2020, com o home office estabelecido, foi para Cozumel, ilha mexicana no Mar do Caribe. “A flexibilidade é fundamental”, disse ela, que escolhe um local com boa conexão de internet e leva em sua mala um “fundamental” cabo de internet. Lá foi contratada pela Bitso, bolsa de criptomoedas do México que está abrindo operação no Brasil. Após seis meses morando na ilha paradisíaca, agora está em Salvador (BA) para se casar ­— o noivo, que trabalha no jurídico da Uber a acompanha na jornada. Nos próximos dias parte para a Croácia, para ficar, no mínimo, um mês. Talvez mais. Vai decidir depois. Mais uma vantagem do anywhere office. “O remoto te dá a oportunidade de equilibrar a vida e o trabalho.” Indagada se voltaria ao trabalho presencial, é taxativa: “Não!”, afirmou, para em seguida cair na gargalhada.

Douglas Niemeyer, 36 anos, não tem mais endereço fixo. O último foi na cidade de Vinhedo, a 45 minutos de São Paulo. Há quatro meses, o engenheiro de software da Oracle devolveu a casa alugada, vendeu alguns pertences, doou outros e resolveu viver como nômade. “O trabalho é feito da mesma forma, de onde eu estiver. É possível ser produtivo e ter uma vida útil, no mais amplo sentido da expressão.” Ele encheu a pickup S10 com algumas roupas, alguns apetrechos tecnológicos para garantir a conexão e começou a trabalhar de onde estivesse. Ao lado da esposa, Ana, e dos filhos, José (3 anos) e Emma (1 ano), Niemeyer ficou alguns dias em Arraial do Cabo e Búzios, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, Guarapari (ES), e agora está na Fazenda Almada, em Ilhéus, na Bahia. Vai subir até o Maranhão de carro, sempre com paradas estratégicas, e depois descer pela região central do Brasil. A expedição deve durar dois anos. Depois disso, vai pensar no local onde vai ficar, para iniciar os estudos dos filhos. O retorno à cidade de Três Coroas, no Rio Grande do Sul, onde nasceu, é uma das possibilidades. A Oracle, empresa de Douglas, apoia o colaborador. Inclusive, devolveu a área de 4,2 mil m² que estava alugada no edifício Morumbi Corporate, na zona sul de São Paulo, onde funcionava parte de seus escritórios presenciais. É a adaptação à mudança e à dinâmica do mercado, como suscitou Michael Dell.