No final de novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu um pedido de homologação de sentença internacional contra a Chevron, terceira maior petroleira dos Estados Unidos, dona de um faturamento de US$ 110 bilhões no ano passado. A empresa foi condenada, no Equador, a pagar indenização de US$ 9,5 bilhões, o equivalente a R$ 31,4 bilhões, por ter, supostamente, poluído rios e florestas na região de Lago Agrio, na Amazônia. Os juízes brasileiros, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, consideraram que o Brasil não tem jurisdição sobre o caso.

Foi uma vitória importante da Chevron, que tenta, a todo custo, reverter a decisão da Justiça do Equador, proferida em 2011. A ação contra a petroleira, movida por um grupo de indígenas, já dura mais de duas décadas. Ela acabou se tornando um dos maiores e mais enrolados casos de compensação ambiental da história. Seu enredo envolve uma trama de mentiras e trapaças, com acusações de fraudes de ambos os lados, e estratégias jurídicas, no mínimo, duvidosas. O fato é que, apesar do êxito, a Chevron tem pouco motivo para celebrar. O pior de tudo: o processo está longe de acabar.

A novela começou, em 1993, quando um grupo de equatorianos entrou com um processo, em Nova York, contra a Texaco, que posteriormente seria comprada pela Chevron. Eles alegavam que a companhia, ao explorar petróleo na região entre as décadas de 1960 e 1980, deixou um legado de destruição e sujeira, antes de abandonar o país, em 1992, após fazer um acordo de mitigação dos impactos ambientais com o governo – a empresa afirma ter cumprido. Imediatamente, a petroleira contestou a jurisdição. Em 2002, uma Corte americana deu razão à Texaco, que na época já pertencia à Chevron. As partes concordaram, então, em levar o caso ao Equador.

De início, tudo parecia correr de acordo com os devidos trâmites legais. Peritos independentes foram chamados para avaliar os danos e apurar responsabilidades. No começo de 2008, um desses especialistas recomendou à Corte que a Chevron deveria pagar entre US$ 7 bilhões e US$ 16 bilhões em compensações. Na mesma época, a petroleira foi acusada de fazer lobby junto ao governo americano, para pressionar o Equador a abandonar o caso. Em 2010, a Chevron, por sua vez, solicitou o encerramento do processo, alegando fraude na coleta de evidências. Para isso, utilizou vídeos que teriam sido gravados pelos próprios advogados dos indígenas, nos quais haveria indícios de que testemunhas teriam sido orientadas a dar declarações falsas. Naquele momento, os equatorianos calculavam os danos em US$ 113 bilhões.

Em fevereiro de 2011, saiu a sentença: a Chevron deveria pagar US$ 8,6 bilhões por danos causados pela Texaco – mais tarde, o valor seria atualizado para US$ 9,5 bilhões. A empresa, no entanto, não tinha mais ativos no país. Para fazer valer seus direitos, os equatorianos buscaram, novamente, a Justiça americana. Só que o caso deu mais uma virada. Com base na lei conhecida como RICO, que trata de atividades criminosas ligadas à corrupção, a Chevron obteve uma sentença favorável a ela, dizendo que o processo equatoriano foi baseado em provas fraudulentas e no pagamento de propinas. Portanto, não sendo passível de homologação nos EUA. Os equatorianos apelaram, mas perderam novamente. A solução encontrada foi tentar homologar a sentença em outros países, especificamente no Brasil, na Argentina e no Canadá. Hoje, apenas os canadenses seguem com o processo.

Segundo um executivo da petroleira que trabalha no caso, um acordo está totalmente descartado. A Chevron alega ser vítima de uma extorsão, cometida não pelos indígenas, mas por advogados americanos. “Cortes ao redor do mundo rejeitaram tentativas de se lucrar com essa sentença fraudulenta”, afirma R. Hewitt Pate, vice-presidente jurídico da Chevron. O principal nome por trás do processo nos EUA é Steven Donziger, advogado, formado em Harvard, especialista nas áreas ambiental e de direitos humanos. Ele não poupa palavras ao se referir à Chevron. “Estamos diante da mais perversa e bem financiada campanha de retaliação feita por uma grande corporação na história”, diz Donziger. “A Texaco tratou a floresta como lixo e as pessoas como objetos.”

Passado tanto tempo, fica difícil estabelecer a real responsabilidade e a extensão do impacto causado pela Texaco na região. A Chevron afirma que o governo equatoriano, por meio da estatal Petroecuador, continuou a explorar a área. Donziger, por sua vez, diz que, apesar de ter feito um acordo de limpeza com o governo, a Texaco fez um trabalho inadequado. O fato é que a briga deve continuar, inclusive no Brasil. “O que a Justiça disse é que a Chevron Corporation não tem ativos no País, por isso não há jurisdição”, afirma Sergio Bermudes, advogado que representou os equatorianos no Brasil. “Mas vamos entrar com o processo novamente.” A Chevron atua no Brasil por meio de três subsidiárias. Ela detém participação em três campos do pré-sal, em parceria com a Petrobras e com a Ecopetrol, da Colômbia. A Justiça brasileira considera que esses ativos não pertencem diretamente à Chevron Corporation. Os equatorianos entendem que essa é uma visão simplista da situação.

A julgar pelo seu currículo, Bermudes está pronto para a briga. Ele ganhou notoriedade ao defender o ex-bilionário Eike Batista e tem entre seus clientes grandes bancos e empresas como Ambev, Vale e Odebrecht, entre outras. Já a petroleira foi representada, no Brasil, pelo escritório Pinheiro Neto. Pode até parecer um caso de Davi contra Golias. Mas, no campo do direito, é um duelo de pesos pesados. Infelizmente, os indígenas, verdadeiros afetados pela exploração do petróleo, que por mais bem feita que seja sempre gera algum impacto, provavelmente ficarão a ver navios.