O início da pandemia provocada pelo coronavírus, em 2020, trouxe duas certezas. A primeira é que o governo prefere o negacionismo à ciência, a segunda é que também optou por não saber exatamente quantas famílias em situação de extrema vulnerabilidade há no Brasil. As trapalhadas no pagamento do auxílio emergencial, que dependeu de um precário Cadastro Único, evidenciaram a fragilidade das estatísticas de um País que repudia pesquisa de todos os tipos, mas ainda assim revelou um tenebroso aumento no número de famílias sem condições de subsistência. Atualmente, estima-se que 14,7 milhões de famílias vivam mensalmente com menos de R$ 89 per capita, marca que define a situação de extrema pobreza. Esse número, quando comparado ao verificado no último ano da gestão Michel Temer, em 2018, representa um aumento de 2 milhões de famílias passando fome.

Quando analisadas as divisões dentro da baixa renda (caracterizado por famílias que ganham até um salário mínimo) 49% delas estão em extrema vulnerabilidade, um aumento de cinco pontos percentuais na comparação com 2018. No recorte envolvendo famílias de todas as classes sociais é possível mensurar que 22,7% dos os lares hoje passam fome. Um dado alarmante que remonta o começo deste século, quando o Brasil ainda figurava no Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).

Mas o problema não para por aí. Em um país continental em que as políticas de assistência social nem sempre estão integradas à base de dados do Ministério da Economia, é muito provável que subnotificação esconda outro milhão de brasileiros deixados de lado pela sociedade. São moradores de rua, populações ribeirinhas, quilombolas, sertanejos e até indígenas que, muitas vezes, não têm acesso aos programas de transferência de renda e não entram como “vulneráveis” no termômetro do poder público. Esse problema, segundo Norton Vilas Catanhê, professor de Economia Solidária e ex-diretor do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutrição (extinto no primeiro dia da gestão Bolsonaro) o problema com certeza é maior que o oficial.

“O próprio governo sabe que o número supera as 14,7 milhões de famílias”. Segundo ele, em meio a crise sanitária, deveria ter sido ampliado os cuidados e amparos à população, principalmente para o que está por vir. “A vacina chega, a renda não. Ano que vem ainda será difícil. Alta inflação e baixa renda. O número vai aumentar”, disse. Essa piora também foi sinalizada de modo global pela ONU. Em 2020, países como Venezuela, México, Índia, Afeganistão e quase todo continente africano voltaram a figurar no mapa da fome e o estrago só não foi maior por ações de organizações civis e repasses de empresas.

Nicola Tingas, economista chefe da Acrefi, entende que repensar maneiras eficientes de transferência de recursos, seja com auxílio ou por meio de uma estruturação da renda básica, é imperativo. “Olhando o histórico, essa deterioração da situação de pobreza mostra que as políticas de renda, e de inserção social estão muito aquém do necessário”, disse. Para ele, os programas precisam ser acompanhados de amparo com moradia, capacitação e outros suportes para manter essa significativa fatia de brasileiros menos vulneráveis a qualquer “gripezinha” que se apresente pela frente.