Três dias depois de participar do sepultamento da rainha Elizabeth II, a nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, lançou um megapacote para tentar recuperar a saúde e o vigor da combalida economia britânica. A injeção de ânimo virá, principalmente, pelo maior corte de impostos do país desde os anos 1970 e subsídios para a população bancar a conta de luz. O pacotaço deve atingir 150 bilhões de libras esterlinas (quase R$ 900 bilhões) em três anos. Com a guerra na Ucrânia e a alta na inflação, desde outubro de 2021 a energia ficou 80% mais cara para as famílias. Cada residência inglesa está pagando, em média, R$ 1.780 por mês com eletricidade. A iniciativa também inclui congelamento de impostos para empresas, fim do teto para bônus bancários e corte de tributos sobre a folha de pagamentos.

A alíquota máxima de imposto de renda para pessoas que ganham mais de 150 mil libras por ano será de 40%, menor que os atuais 45%. O imposto de renda básico será reduzido em um centavo por libra para 19% a partir de 2023. O governo também anunciou corte de 50% sobre transações imobiliárias para famílias que estiverem comprando a primeira casa.

A ofensiva do novo governo britânico é vista como mais do que necessária para evitar uma tragédia econômica. Desde o Brexit, quando o país desembarcou da União Europeia, a economia enfrenta escassez de produtos no varejo, alta generalizada dos preços e um êxodo sem precedentes de empresas e investimentos. Muitos negócios que antes tinham Londres como base de exportação para todo o continente tiveram de mudar para cidades como Paris e Frankfurt. Segundo Liz Truss, o Reino Unido tem um dos níveis de endividamento mais baixos do G7, mas um dos mais altos níveis de impostos. “Vamos incentivar as empresas a investir e também ajudar as pessoas comuns com seus impostos.”

COM PREÇOS NAS ALTURAS Inflação tem sido agravada pela escassez de produtos depois do Brexit e pela disparada no custo da energia. (Crédito: REUTERS/Neil Hall)

Para o economista Claudio de Moraes, professor de macroeconomia e finanças do Coppead/UFRJ, o maior desafio da nova primeira-ministra é lançar um plano de estímulo sem comprometer os esforços do Bank of England (BOE), o banco central britânico, no combate à inflação. “Esse megaplano de exoneração como foi colocado dificilmente vai conseguir reativar a economia inglesa por conta da contradição da política monetária”, afirmou Moraes. Para ele, haverá uma política fiscal expansionista junto de uma política monetária retracionista, em função dos juros ainda elevados, o que “vai colocar a economia inglesa em mais problemas.” O economista considera que “o Brexit foi um tremendo erro” e colocou a ilha em um certo isolamento econômico. “O primeiro aspecto de qualquer estabilidade macroeconômica é ter coerência nas políticas, caminhar no mesmo sentido.” Com esse caminho que a economia está seguindo, ele diz que os ingleses não terão muito sucesso. “Eles precisam sentar e buscar o mesmo momento. O momento é de controle fiscal.”

A ex-poderosa moeda britânica vem, de fato, perdendo força. A libra, vendida a US$ 1,11 atualmente, está na mais baixa cotação em 37 anos. Com seu dinheiro valendo menos, os custos dos empréstimos do Reino Unido vêm aumentando vertiginosamente e os rendimentos dos títulos de curto e longo prazo do governo, subindo. O título de dez anos do governo do Reino Unido rendeu 3,8%, superando seu equivalente nos Estados Unidos pela primeira vez em duas décadas.

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“O Reino Unido tem um dos níveis de endividamento mais baixos do G7, mas temos um dos mais altos níveis de impostos. Vamos incentivar as empresas a investir e também ajudar as pessoas comuns com seus impostos” Liz Truss primeira-ministra do Reino Unido.

Para Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais da ESPM, a missão de Liz Truss, mais do que injetar dinheiro na economia, será reduzir o isolamento do Reino Unido no contexto econômico global, já que os efeitos negativos do Brexit estão apenas no começo. “A Liz chegou com uma proposta muito combativa em relação à União Europeia e com dificuldades em firmar acordos que compensem os impactos causados pela retirada do bloco”, afirmou.

FINANÇAS Seja bem ou mal sucedida em seu plano, a preocupação é com a sustentabilidade das finanças públicas do Reino Unido. Sozinho, o subsídio de energia vai custar cerca de 60 bilhões de libras nos próximos seis meses. O custo dos cortes de impostos será de 26,7 bilhões de libras no próximo ano, 31,4 bilhões de libras em 2024 e 44,8 bilhões de libras até 2026, segundo o Ministério das Finanças.

Apesar de o subsídio de energia ter prazo para terminar, em dois anos, os cortes de impostos reduzirão permanentemente as receitas do governo e arriscarão colocar a dívida do Reino Unido em um caminho insustentável, de acordo com relatório do Instituto de Estudos Fiscais do país. “As perspectivas econômicas não foram transformadas por esses cortes de impostos”, disse a Pantheon Macroeconomics. “Os cortes estão focados nos mais ricos da sociedade, cujos gastos não respondem às mudanças em seus rendimentos.”