Na entrada principal da fábrica da Renault, no município paranaense de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, um pequeno carro laranja, com a pintura rabiscada de autógrafos dos mais de seis mil funcionários da empresa, chama a atenção de quem passa por lá. Trata-se do primeiro modelo do subcompacto Kwid a sair da linha de montagem, no segundo semestre do ano passado, época em que o setor automobilístico, depois de um longo período de queda livre, começou a dar sinais de recuperação. Mais do que um objeto de decoração, aquele carro simboliza uma virada de página para a subsidiária brasileira.

Entre 2014 e 2016, as vendas da marca no Brasil despencaram 34,5%, passando de 203,2 mil para 132,9 mil unidades, segundo cálculos da associação nacional dos fabricantes, a Anfavea. O resultado, embora menos ruim do que a retração de 41,3% do mercado, representou a queda mais aguda dos 20 anos de atuação da Renault no mercado brasileiro. “Foram períodos difíceis não só para nós, mas também para todas as montadoras instaladas no País”, diz Luiz Pedrucci, presidente da Renault do Brasil. “Tivemos de fazer a lição de casa para nos colocar em condições de voltar a crescer quando a crise passasse.”

A lição de casa, a julgar pelos números, deu resultado. Em 2017, a Renault cresceu 16,2% em vendas, acima dos 10,1% da média do mercado. A marca espera aumentar sua fatia dos atuais 7,7% para 10%, em 2022 (confira gráfico abaixo). “O crescimento veio para ficar e as montadoras, cada uma em seu próprio ritmo, deverão recuperar parte das perdas da crise”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea. Embora toda a indústria automobilística tenha reagido na carona da melhora da economia, o bom desempenho da marca é atribuído a dois grandes lançamentos: o SUV compacto Captur, que custa a partir de R$ 78 mil, e o Kwid, com preço inferior a R$ 30 mil e que teve uma grande campanha publicitária, protagonizada pelos atores globais Marina Ruy Barbosa e Bruno Gagliasso. O sucesso de vendas do Kwid, que alcançou a vice-liderança no ranking do País em setembro de 2017, seu mês de estreia, deu uma injeção de ânimo na empresa. “O Kwid nasceu com a proposta de ser imbatível na relação custo-benefício e com um conceito de pequeno grande carro”, afirma o presidente.

O Kwid, no entanto, derrapou na curva de largada. O modelo caiu da vice-liderança em setembro para o 17º lugar de outubro a dezembro, devido à suspensão das vendas. Foram identificados problemas no sistema de freios. Todos os veículos em estoque no pátio voltaram para a fábrica e os proprietários dos veículos em circulação foram convocados para um recall nas concessionárias. Mas o susto passou. “A Renault agiu rápido e conseguiu preservar a reputação daquele que se apresentou como a grande aposta da marca no Brasil”, diz Ricardo Araújo, especialista em indústria automobilística da Fundação Getulio Vargas (FGV). No acumulado de janeiro e fevereiro deste ano, o Kwid é o quinto mais vendido do País, com 7.235 unidades emplacadas. Já o Captur, que disputa mercado com rivais de peso, como Jeep Compass, Nissan Kicks, Honda HR-V e Hyundai Creta, fechou 2017 na nona colocação da categoria, com 13,7 mil unidades vendidas. “Os dois lançamentos apresentaram desempenho de vendas acima do esperado”, diz Pedrucci.

Essa conjuntura favorável motivou a Renault a fazer planos ambiciosos para os próximos anos. Segundo Pedrucci, a matriz colocou à disposição do operação brasileira todos os produtos globais da companhia, incluindo carros elétricos, híbridos e autônomos. “Temos todos esses veículos para trazer ao Brasil, mas precisamos saber qual será a diretriz do programa Rota 2030, ainda sem definição, para saber qual melhor caminho a tomar”, afirma o presidente. No ano passado, a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi superou a Volkswagen e se tornou o maior grupo automobilístico do mundo, com 10,6 milhões de unidades vendidas.

Por ter esse cardápio de alternativas para o Brasil, a Renault garante que não cultiva a “Kwid dependência”, como define o próprio presidente da montadora. Na terça-feira 6, uma fábrica de blocos e cabeçotes de alumínio foi inaugurada no complexo Ayrton Senna, onde funciona a linha de montagem da empresa, voltada à diversificação das exportações e à redução de custos de importação de peças. Como parte de um ciclo de investimento de R$ 3 bilhões, a unidade abastecerá a demanda local e exportará componentes para fábricas do grupo na América Latina. Na segunda metade de 2017, a empresa já havia implementado o terceiro turno na linha de montagem, contratando 700 novos funcionários. “Ainda não voltamos aos patamares pré-crise, mas retomamos a trajetória de crescimento com novos produtos e investimentos”, afirma Pedrucci. “Assim que tivermos mais clareza das regras do jogo no Brasil, vamos acelerar ainda mais nossas operações.”