A trajetória do paulistano Pérsio Arida não pode ser descrita como monótona. De guerrilheiro de esquerda a um dos pais do Plano Real, o economista ocupou diversos cargos no governo e no setor privado, em momentos de grande tensão. Foi presidente do Banco Central (BC) e do BNDES, sócio-diretor do Opportunity, conselheiro da Vale, vice-presidente do Unibanco e sócio-fundador e presidente do BTG Pactual. Em 1970, aos 18 anos, foi preso e torturado por participar da Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares), grupo de extrema esquerda que se opunha ao regime militar, do qual participou a ex-presidente Dilma Rousseff. Cinco anos depois se formou em economia na Universidade de São Paulo (USP), lecionou e fez doutorado nos Estados Unidos, até participar do impopular governo de José Sarney.

Ajudou a elaborar o Plano Cruzado, que fracassou no combate à inflação pelo congelamento de preços – Arida era contra a medida, mas foi voto vencido. Nos anos 1990, participou da criação do Real, cujo sucesso lhe conferiu prestígio e poder. Agora, aos 66 anos, Arida volta à cena política como assessor econômico do pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin. Sua missão é estruturar e divulgar a agenda econômica do tucano, que oscila entre 5% e 9% das intenções de votos nas pesquisas. “A obrigação básica de quem pensa um programa de governo é ser realista”, afirma Arida. “Privilegiar os amigos do rei [no governo Dilma] gerou um desastre econômico.”

Em um evento na quinta-feira 17, em São Paulo, Arida esteve ao lado de dois economistas tucanos de destaque, indicados para a equipe de Alckmin. Edmar Bacha, outro pai do Real, que vai elaborar os planos de comércio exterior do candidato, e José Roberto Mendonça de Barros, secretário-executivo do Ministério da Fazenda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC). “A ideia é reunir uma agenda para termos uma expansão econômica mais vigorosa”, disse Bacha. As experiências mais relevantes de Arida no setor público começaram no governo Itamar Franco, quando assumiu a presidência do BNDES a convite de FHC, então ministro da Fazenda. Em seguida, fez parte da equipe do Plano Real.

Estabilidade econômica: em 1995, no BC, Pérsio Arida (ao centro) atuou ao lado de Pedro Malan (Fazenda) e José Serra (Planejamento) (Crédito:Sergio Lima/Folhapress)

Eleito presidente da República no fim de 1994, FHC o nomeou comandante do BC no primeiro ano do seu mandato, período em que enfrentou a crise mexicana. Arida ficou apenas cinco meses no cargo, saindo por causa de divergências com o economista Gustavo Franco sobre a política cambial. Arida defendia o câmbio flutuante enquanto Franco não abria mão do câmbio fixo com mini-bandas. Naquela época, Arida foi alvo de um inquérito interno do Ministério Público Federal sobre suposto favorecimento cambial ao banco BBA. O inquérito foi arquivado por falta de elementos. Para Arida, essas notícias nunca deixaram de ser “fofocas”. Outro episódio envolvendo o seu nome ocorreu em 1998, em meio à privatização da Telebrás. O BNDES teria favorecido o Opportunity, do controverso banqueiro Daniel Dantas. Arida, que se tornou réu em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal relativa à formação do Opportunity Fund, deixou a direção da gestora do banco. Posteriormente, a ação foi julgada improcedente pela 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Em 2011, a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou inválidas as provas obtidas ilegalmente através de quebra de sigilo telefônico. A decisão foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quatro anos depois.

Em 2008, promoveu o seu principal negócio no setor privado. Fundou o BTG em conjunto com André Esteves e alguns sócios do Banco Pactual e de diretores do suíço UBS AG. No ano seguinte, o BTG recomprou o Pactual do UBS, dando origem ao atual nome BTG Pactual. Nesta instituição financeira, Arida viveu o seu maior desafio fora de Brasília. Assumiu o comando do banco após a prisão de Esteves, alvo da Operação Lava Jato, em 2015. Sócios e investidores garantem que a credibilidade do economista foi fundamental para evitar uma fuga de recursos, que poderia ter quebrado a instituição. No ano passado, Arida deixou o BTG Pactual e vendeu suas ações, com a intenção de se dedicar à vida acadêmica em Oxford, na Inglaterra. Porém, o economista, que é filiado ao PSDB, aceitou o convite do ex-governador Alckmin para encarar a campanha eleitoral deste ano. Aos amigos mais próximos, ele salienta que está motivado a tentar consertar o estrago feito pelo governo Dilma Rousseff, sem fórmulas mágicas.

Com uma rotina totalmente dedicada à eleição, o principal assessor econômico de Alckmin tem feito palestras pelo País. A DINHEIRO acompanhou uma delas, em São Paulo, em evento promovido pela Câmara de Comércio França-Brasil, no dia 10 de maio. Com uma fala mansa, sem desvarios, ele mostrou aos empresários suas propostas para acelerar o PIB. Na sua avaliação, o próximo presidente – qualquer que seja – terá de lidar com um quadro de fragmentação partidária que dificulta a formação de uma maioria no Congresso. Portanto, as poucas oportunidades de executar reformas estarão concentradas no primeiro ano do mandato, quando o presidente ainda gozará da “legitimidade das urnas”. “Presidente que governa contra o Congresso ou ignorando o Congresso não termina o mandato”, afirma Arida.

Na lista de desafios, o assessor econômico de Alckmin prioriza o fiscal com o argumento de que arrumar as contas públicas é pré-requisito para evitar que o País piore. Nesse contexto, a cúpula do PSDB pretende mostrar que o governo paulista fez a lição de casa, o que possibilitou uma blindagem do maior Estado do País no auge da crise. “Cortar gasto é difícil, doloroso, complicado, mas o governador Alckmin cortou gastos o tempo todo”, diz Arida. Além de melhorar a eficiência da máquina pública, sua proposta é mexer nas renúncias tributárias, que saltaram de 1,5% do PIB para 5,4% do PIB nos últimos anos. O economista garante que o partido não terá receio de defender a impopular da reforma da Previdência, com adoção da idade mínima e da regra de transição. “Só pode ser contra a reforma da Previdência o sujeito desavisado ou de má-fé”, diz Arida.

Time da economia: o candidato a presidente pelo PSDB, Geraldo Alckmin (à dir.), apresenta sua equipe econômica ao lado de Pérsio Arida (Crédito:Tiago Queiroz/Estadão)

De sua experiência no setor privado, Arida pretende utilizar o sistema de metas em diversas áreas do governo. No fiscal, se Alckmin for eleito, o objetivo estabelecido será o de zerar o déficit público num prazo de dois anos. Embora o modelo de câmbio fixo tenha sido adotado no início do Plano Real, do qual Arida foi um dos formuladores, o economista defende a livre flutuação do dólar. Ele elogia a atual administração do BC pelo “excelente trabalho”, aplaudindo o compromisso do presidenciável tucano de manter Ilan Goldfajn no comando do BC. Nada disso, no entanto, resolverá os problemas do País se o crescimento econômico não for robusto, com geração de emprego e renda. O segredo, avalia, é atrair o setor privado para as obras de infraestrutura. “Dinheiro público para investimento não tem e não terá. Esqueça!”, diz. Para ele, “faltam segurança jurídica, um bom marco regulatório e menos burocracia” para atrair investidores.

O ponto fulcral da agenda Arida é elevar a produtividade, um dos três pilares do crescimento econômico, ao lado de capital físico e capital humano. Ele defende mais abertura para a imigração de trabalhadores estrangeiros e um foco em educação básica e fundamental, incluindo a primeira infância, ao contrário da ênfase que foi dada ao ensino universitário nos últimos governos. “É aí que se dá um grande salto para diminuir a desigualdade”, afirma. “Não é um problema de dinheiro, é um problema de gestão.”

Para acelerar o crescimento, Arida defende uma abertura comercial, que eleve em 50% o volume de importações e exportações, num prazo de seis anos. Isso renderia, segundo ele, um ponto percentual a mais de PIB de forma permanente. “Nossa meta é duplicar a renda nacional, mas isso não será possível em dois mandatos”, diz. Outro ponto que não deve deixar os tucanos ruborizados nos debates eleitorais é a privatização. “O Estado precisa deixar de ser empresário para cuidar do que interessa para a população: saúde, educação, segurança pública e defesa nacional”, afirma Arida. O difícil, na sua avaliação, é vencer uma “tríplice aliança” contrária às privatizações, formada por parte do funcionalismo público, pelos políticos com influência nas estatais e pelo próprio setor privado, que vende e compra das estatais. “O Alckmin já falou que não vai mexer na Petrobras nem no BB”, diz Arida.

Para empresários e investidores, a agenda Arida é correta. No setor privado, é unânime a avaliação de que a vitória de um candidato que defenda um Estado gastador seria uma catástrofe. O mais difícil, no entanto, é “vender” essa agenda para a grande parte da população que não tem conhecimento sobre economia. “O melhor caminho é dizer qual será o resultado prático das medidas”, diz José Cláudio Securato, presidente da Saint Paul Escola de Negócios. “Tem de mostrar que o resultado é mais empregos ou um salário maior.” Arida ressalta que “a comunicação é uma arte” e reconhece que lhe “falta competência” neste quesito. A tarefa principal será de Alckmin que, segundo o economista, “não vai falar em termos populistas”. E arremata com um alerta: “eleger alguém que reinvente o País do zero, quase que um Messias, é um erro”. Na hipótese de o tucano ser eleito, o seu assessor será o ministro da Fazenda? Ninguém fala sobre o assunto. Nem Alckmin, nem Arida.