No próximo dia 16 de novembro começam a ser realizadas as transações via Pix, o novo sistema de remessas e pagamentos que foi idealizado e será operado pelo Banco Central (BC). A melhor maneira de explicar a relevância desse fato é traçando um paralelo e retornar a 2007, ano em que a Apple lançou o iPhone, o primeiro smartphone (ou telefone inteligente) a ter sucesso comercial. O iPhone (e os modelos concorrentes) faziam tudo o que telefones e computadores já faziam. Realizavam ligações telefônicas, enviavam e-mails e mensagens de texto. Aos poucos foram incorporando funções como operações bancárias e aplicativos para pedir comida. A rigor, os smartphones não trouxeram nada “novo” quando surgiram. Mas, ao dar mobilidade, rapidez e facilidade a funções realizadas apenas por computadores, eles revolucionaram a vida cotidiana e integraram milhões de pessoas ao mundo digital. Por isso foram disruptivos.

O Pix promete ter o mesmo efeito sobre os pagamentos no Brasil. A princípio, será apenas um meio mais rápido e barato de transferir dinheiro de uma pessoa para outra, ou entre pessoas e empresas. No entanto, nem mesmo os mais arrojados futurólogos se arriscam a prever seus impactos. No limite, o novo sistema poderá garantir inclusão bancária e cidadania econômica aos cerca de 45 milhões de brasileiras e brasileiros que não possuem um relacionamento formal com um banco, estimular o empreendedorismo e combater a sonegação fiscal. Segundo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o Pix vai reduzir os custos para as empresas. “A gente vê o número de pagamentos digitais crescendo. Há um movimento de inovação que se acelerou em várias áreas”, afirmou. Segundo ele, as empresas terão mais facilidade no recebimento de pagamentos e redução de gastos com transporte de dinheiro. “O Pix fará com que a gestão de fluxo de caixa das empresas atinja um novo patamar de eficiência. Menos custos significa mais lucro para quem está de um lado e menos preço para quem está no outro.” Para facilitar a compreensão do Pix e de suas consequências, DINHEIRO responde as principais dúvidas sobre esse novo sistema.

1. O que é o Pix?
É um sistema de pagamentos e transferências de dinheiro por meio digital. O nome Pix vem de pixel, nome dado aos pontos de luz que são usados pelos monitores de computador e televisores para formar imagens. Esse sistema vem sendo desenvolvido pelo BC há mais de um ano. O cadastramento das chaves (leia a seguir) começou no dia 5 de outubro, e as primeiras transações poderão ser realizadas no dia 16 de novembro.

2. Como o Pix vai funcionar?
Por meio de uma central operada pelo BC. A melhor maneira de entender essa dinâmica é comparando as transações via Pix com as remessas bancárias hoje existentes. Suponha que um cliente do banco A precise enviar R$ 1 mil para um cliente do banco B. Nos dias úteis, das 6:30 às 16:59, ele poderá fazer uma Transferência Eletrônica Disponível (TED), com crédito no mesmo dia. Das 0:00 às 21:29, também em dias úteis, é possível fazer um Documento de Ordem de Crédito (DOC), com crédito no próximo dia útil. Em fins de semana e feriados é possível apenas agendar essa transação para o próximo dia útil. O procedimento é o mesmo tanto para a TED quanto para o DOC. O cliente do Banco A terá de acessar os sistemas de seu banco, identificar o cliente do banco B com várias informações – número do banco B, número da agência e conta que receberão o dinheiro, nome e CPF do receptor dos recursos e finalidade da transação – e autorizar a remessa, que será processada pela Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), uma associação sem fins lucrativos mantida e controladas pelos principais bancos brasileiros.

No caso do Pix, se João quiser mandar dinheiro para José, ele terá de acessar um aplicativo do Pix em seu celular ou computador, se identificar no sistema mediante sua chave, informar a chave de José e fazer a remessa, que será processada pelo Banco Central. Será possível fazer remessas 24 horas por dia, 365 dias por ano, e a compensação deve demorar até dez segundos.

3. O que são as chaves do Pix?
A chave servirá para o BC identificar o usuário, pessoa ou empresa. A chave pode ser de quatro tipos: CPF ou CNPJ, número do telefone celular, e-mail ou um código gerado pelo próprio sistema do BC, que terá de ser memorizado pelos usuários. A chave pode estar ligada a uma conta-corrente ou de pagamentos, mas isso não é obrigatório. Essa é a grande diferença entre o Pix e a estrutura de remessas existente atualmente. Para fazer uma TED ou um DOC, tanto a pessoa ou a empresa que envia o dinheiro quanto quem vai recebê-lo precisam ter conta em uma instituição financeira. Com as chaves, será possível enviar dinheiro usando uma carteira digital. Esses aplicativos são corriqueiros, gratuitos e acessíveis a quem não tem renda para ter conta em banco, ou está com seu nome negativado.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central “O Pix fará com que a gestão de fluxo de caixa das empresas atinja um novo patamar de eficiência”. (Crédito:Leonardo Rodrigues)

4. Quanto vai custar para mandar dinheiro pelo Pix?
O Pix será barato. Já está definido que pessoas físicas e Microempreendedores Individuais (MEIs) não vão pagar nada para transferir dinheiro. Considerando-se que uma remessa eletrônica bancária pode custar até R$ 18, uma MEI que faz duas remessas por semana pode economizar mais de R$ 1,8 mil por ano. O procedimento para as empresas de maior porte ainda não está definido, mas os especialistas acreditam que o custo também será baixo. Atualmente, para processar transações por meio de cartões de débito, as empresas pagam aos bancos de 0,7% a 1,2% do valor recebido. No caso das empresas que cobram seus clientes por meio da emissão de boletos, o custo unitário pode chegar a R$ 5. A perspectiva é que todos esses custos caiam significativamente. “A redução no custo pode chegar a 1% do faturamento mensal, e já há participantes do mercado estudando oferecer gratuidade nas transações para as empresas”, disse o coordenador da Subcomissão de Pagamentos Instantâneos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ivo Mósca.

5. Quais as principais mudanças tecnológicas do Pix?
As chaves e os pagamentos por meio de códigos QR. A rigor, nenhuma dessas tecnologias é inédita. Transferências por meio de código QR são comuns no exterior, e já estão se tornando populares no Brasil. O Pix se apropria dessas tecnologias e permitirá, por exemplo, que um vendedor ambulante em um estádio de futebol seja pago rapidamente por meio de transações visuais. O usuário aponta seu celular para o código QR do vendedor, autoriza o pagamento e a transação está realizada. Além da praticidade e da rapidez, ambos evitam ter de lidar com numerário, o que reduz o risco de assaltos. Os códigos QR poderão ser estáticos ou dinâmicos – gerados para serem usados uma vez e descartados, o que deverá ser a regra em transações de maior valor.

6. Quem será mais beneficiado pelo Pix?
Pessoas e empresas na base da pirâmide. Segundo Mósca, da Febraban, a economia nas transações será proporcionalmente maior para valores pequenos. “O Pix elimina a necessidade de que todos os membros de uma família mantenham contas na mesma instituição financeira, para economizar os gastos com envio de dinheiro”, disse ele.

7. Por que o Pix vai facilitar a inclusão bancária?
Por ser independente dos bancos. Segundo um levantamento do Instituto Locomotiva de setembro de 2019, há 45 milhões de brasileiros sem acesso a uma conta bancária, por renda baixa ou problemas de cadastro, o famoso “nome sujo”. Apesar de serem majoritariamente de baixa renda, esse grupo movimenta R$ 800 bilhões por ano, ainda segundo o Instituto Locomotiva. Porém – e essa é a principal vantagem do Pix – mesmo não tendo conta em banco, esse exército de pessoas tem celulares. As consequências são tão amplas que é difícil prevê-las. O Pix permitirá que um grupo de brasileiras e brasileiros equivalente à população da Espanha tenha acesso pleno à economia formal, podendo enviar dinheiro, pagar as contas do dia a dia e fazer compras pela internet, por exemplo. A inclusão do Pix também pode reduzir a sonegação fiscal. Ao tornar as transações rastreáveis, ficará mais fácil perceber se há atividade econômica que não está aparecendo nas contas oficiais.

Há mais vantagens em potencial. O Pix é um sistema de pagamentos, não de crédito. No entanto, ao formalizar e tornar rastreáveis as transações financeiras, o Pix tornará possível que um banco ou uma fintech identifiquem pessoas ou empresas com capacidade de pagamento para contrair empréstimos. Assim, parte dos 45 milhões de brasileiros ainda desbancarizados poderão, também, ter acesso a financiamentos para a compra de bens e consumo e de imóveis, por exemplo.

 

8. Quais os riscos do Pix?
Os mesmos dos DOCs e das TEDs. Há um temor de que a vinda do Pix vai aumentar substancialmente os riscos para o usuário. A hipótese mais comum é a do roubo do aparelho celular. De posse do aparelho, o ladrão tem acesso às chaves do usuário e pode, rapidamente, drenar todos os recursos da vítima. Segundo o fundador e CEO da fintech especializada em pagamentos Quanto, Ricardo Taveira, apesar de haver riscos no Pix, eles não são radicalmente diferentes dos existentes atualmente. “Tecnicamente, fazer uma transação por Pix não é muito diferente de fazer uma TED ou uma transferência entre contas de um mesmo banco, e o cliente tem de tomar os mesmos cuidados”, disse ele. Segundo Taveira, é preciso prestar atenção às chaves e preferir aquelas de mais difícil falsificação, como os números de CPF, por exemplo. “É mais difícil enganar uma pessoa com um número de CPF do que fornecendo um e-mail parecido com o de quem vai receber o dinheiro”, disse ele. No entanto, Taveira reconhece que a principal linha de defesa contra fraudes permanece a cargo dos sistemas de segurança dos bancos. “Por enquanto, a maior proteção é a capacidade dos bancos de bloquear transações atípicas, como transferências de valor maior que a média e as realizadas em horários incomuns, de madrugada, por exemplo”, disse ele. Mósca, da Febraban, avalia que o principal risco é o da engenharia social, em que fraudadores se passam por representantes dos bancos para obter informações dos clientes e poder aplicar golpes. “Cerca de 70% das fraudes decorrem de técnicas de engenharia social”, disse ele.

9. Se eu for lesado, o banco vai me ressarcir?
Por enquanto, não. Nos casos tradicionais de clonagem de cartão de crédito e de débito, há uma jurisprudência estabelecida que funciona quase sempre a favor do usuário lesado. No caso do Pix, o BC ainda não definiu regras para a reversão de transações. Como as transferências são rastreáveis, há algumas propostas para retirar o dinheiro da conta do fraudador se sua culpa for comprovada, mas nada disso está definido.

10. Como evitar ser lesado ao usar o Pix?
A principal ameaça do Pix é sua novidade, pois ele é desconhecido para os usuários. “Haverá transferências por meio de chave e uso de código QR, são muitas experiências novas para o usuário”, disse Mósca. Por isso, uma das principais recomendações é que o usuário procure reduzir os riscos mesmo antes de fazer sua primeira transação. Por exemplo, nunca realizar o cadastramento de uma chave em um link enviado por e-mail ou WhatsApp, ou em uma página de internet ou aplicativo diferente do que você usa para fazer suas transações financeiras. O BC determinou que o procedimento de cadastramento do Pix seja uniforme para os bancos, assim a recomendação é usar sempre os aplicativos dos bancos. E tomar os cuidados habituais, para não deixar de aproveitar as vantagens dessa revolução tecnológica.