Pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 2016, o presidente americano Donald Trump e sua família foram levados, na última semana, para um bunker sob a Casa Branca. O local, capaz de suportar até um ataque nuclear, foi habitado pela família Trump durante algumas horas, enquanto a residência oficial ficou às escuras, iluminada apenas pelo fogo que tomava conta das ruas. As violentas manifestações, que tomam os principais centros urbanos do país, como Washington, Boston, Chicago, Los Angeles e Nova York, tiveram como estopim o assassinato de George Floyd, 46, um homem negro asfixiado até a morte por um policial branco.

Mais do que isso, acendeu o primeiro grande sinal de alerta sobre a possibilidade do atual mandatário norte-americano perder o assento oficial na eleição de novembro, abrindo espaço para que o democrata Joe Biden enfrente o magnata.

O esconderijo de Trump simboliza seu crescente confinamento político. A cada nova pesquisa de intenção de voto, ele perde admiradores pelo modo como tem lidado com a pandemia do novo coronavírus. Na mais recente sondagem, feita pelo Washington Post e pela emissora ABC News, o ex-vice-presidente Joe Biden, aparece na liderança nacional: 53% contra 43%. Dois meses atrás, Biden estava com 49% e Trump com 47%. Outra pesquisa de opinião, Reuters/Ipsos, mostra que 44% dos eleitores registrados disseram que apoiariam Biden, com 40% deles dizendo que votariam em Trump. “A forma negacionista como Trump reagiu ao avanço da pandemia e o discurso que minimiza o assassinato de um cidadão negro fizeram milhares de eleitores americanos mudar de lado”, afirmou o professor de ciência política na Universidade Harvard, Steven Levitsky. “Há uma conjunção de fatores que questionam a capacidade de Trump de lidar com assuntos sensíveis à opinião pública.”

A estratégia de Biden de atacar os pontos fracos de Trump está dando resultados. Na terça-feira (2) em uma das mais duras falas vindas do meio político sobre os protestos nos EUA, Biden acusou o presidente de alimentar o discurso de ódio. “Donald Trump transformou este país em um campo de batalha”, afirmou Biden. “É isso o que queremos ser? É isso que queremos passar para nossos filhos e netos? Medo, raiva, acusações, ao invés da busca pela felicidade?”.

Aos 77 anos, Biden flexibilizou seu isolamento na quarentena para retomar sua participação em eventos públicos. Na terça-feira, em um salão da prefeitura da Filadélfia, ele subiu ao palco para atacar a violência policial contra os manifestantes e declarar que o país está clamando por liderança. “Não vou trafegar pelo medo e pela divisão. Não alimentarei as chamas do ódio”, disse. Ao falar da morte de George Floyd, relembrou as últimas palavras dele, “não consigo respirar”. O democrata diz que elas falam a uma nação onde muitas vezes a cor da pele pode colocar a vida em risco. “A uma nação onde mais de 100 mil pessoas morreram por causa de um vírus e onde 40 milhões de americanos estão desempregados, com um número desproporcional de mortes e de desemprego concentrado na comunidade negra.”

JOE BIDEN O democrata pega carona nas mortes provocadas pelo coronavírus e nos protestos pela morte de George Floyd (à dir.) para atacar o presidente Donald Trump como um líder divisionista. Vantagem nas pesquisas chega a 10 pontos porcentuais. (Crédito: Jim Watson)

CONTRA-ATAQUE Em resposta ao derretimento de seu nome nas eleições de novembro, Trump afirmou que não acredita nas pesquisas de opinião que mostram Biden na liderança pela Casa Branca. Em entrevista à Reuters, no Salão Oval, o presidente republicano disse que não espera que as eleições sejam uma avaliação de sua condução da crise e se disse surpreso sobre o sucesso do ex-vice-presidente na sondagem. “Eu não acredito nas pesquisas. Acredito que as pessoas deste país são inteligentes e que não vão escolher um homem incompetente.”

O presidente também criticou o histórico de Biden de décadas como senador dos Estados Unidos e como vice do ex-presidente Barack Obama. Biden deve vencer a indicação de seu partido para disputar as eleições do dia 3 de novembro na convenção da agremiação em agosto. “Não digo incompetente por causa da condição que ele tem agora. Eu quero dizer que ele é incompetente há 30 anos. Tudo que ele já fez foi ruim. Sua política externa era um desastre”, disse Trump. No fogo cruzado, o atual presidente americano precisará de mais do que provocações nas redes sociais e acusações para parar duas tempestades em curso: uma de saúde pública, a outra de direitos civis.