Um bouquet floral em um frasco minimalista. Parece comum, mas quando nasceu, em 1921, o perfume Chanel N° 5 traduziu o espírito revolucionário de sua criadora, a estilista francesa Gabrielle Bonheur Chanel (1883-1971), ou Coco Chanel: uma fragrância complexa em um fasco tão simples que transcenderia a moda, a cultura e o tempo. Um século após seu lançamento, é o perfume mais vendido de que se tem notícia: a cada 30 segundos, um frasco é comercializado no planeta. Cerca de meio milhão de vidros a cada 12 meses, que movimentam U$ 100 milhões anuais.

O centenário de uma fragrância de popularidade incomparável pede muitas comemorações. A maior delas, o lançamento de uma coleção de joias composta por 123 peças, encabeçada por um colar impressionante, cuja pedra central é um diamante D (incolor) com lapidação octogonal que remete ao frasco do perfume, com exatos – e propositais – 55,55 quilates. Dedicado exclusivamente a exaltar a efeméride, é um item que o dinheiro não pode comprar: a grife vai preservá-lo como parte de sua história, no acervo do Patrimoine CHANEL, em Paris.

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DE MULHER PARA MULHER Coco Chanel sempre agiu na vanguarda. Desde que lançou a marca com seu nome, em 1910, derrubou padrões e desconstruiu conceitos sociais, com ternos inspirados em roupas masculinas e vestidos pretos elegantes. A introdução do N° 5 representou muitas inovações: foi o primeiro perfume produzido por um costureiro, a ser identificado por um número e apresentado em um frasco simples de laboratório.

A fragrância foi encomendada ao perfumista franco-russo Ernest Beaux (1881- 1961). Chanel desejava que fosse “artificial como um vestido, algo feito à mão”. O aroma deveria ser composto, que equilibrasse perfeitamente os perfumes florais — porém sem personalidade — das moças da sociedade parisiense e o das prostitutas dos cabarés franceses, sensuais e marcantes. Foi a primeira vez que uma fragrância foi idealizada por uma mulher para outras mulheres. Beaux partiu, então para experiências que resultaram em dez fragrâncias. Ao provar todas, Coco escolheu a de número 5, uma combinação de notas de rosas de maio, vetiver haitiano, ylang-ylang, sândalo, flor de laranjeira e linalol natural – componente do óleo extraído do pau-rosa amazônico –, entre muitas outras, um buquê inédito com mais de 80 aromas. Beaux também adicionou aldeídos, com grande potência e poder de difusão, para, segundo ele, “iluminar, borrar e misturar” as fragrâncias.

A ousadia não ficou restrita ao olfato. Inspirado pelas linhas dos frascos de toilete Charvet — a camisaria mais antiga do mundo, fundada em 1838 —, o vidro representava uma versão minimalista das embalagens rebuscadas da década de 1920. Transparente, com bordas chanfradas, tornou-se símbolo da elegância simples mas rica em referências. O arremate: a tampa, facetada como um diamante. “Foi inspirada no formato da Place Vendôme em Paris”, disse à DINHEIRO a especialista em perfumes Helen Augusto. A versão original trazia um C no selo de cera preta no gargalo, que seria substituído pelo brasão com as duas letras C entrelaçadas da grife, inspirado nos vitrais da capela do Mosteiro de Aubazine, cidade francesa onde Chanel passou a infância.


FORA DO COMUM As campanhas publicitárias do Chanel Nº5 são criadas para fascinar. Como a que teve Estella Warren, em 1999, fotografada por Jean-Paul Goude. (Crédito:Divulgação)

A peça desconstruiu os padrões exagerados da época em prol de uma versão atemporal e sóbria. Tanto que seu design sofreu mínimas intervenções ao longo de um século. Chegou a ganhar reinterpretações de Andy Warhol (1928-1987) em uma série de quadros que retrataram o perfume em 1985 como ícone da Pop Art. “Em 1986, Jacques Polge, então perfumista da Chanel desde 1978, reinterpretou a composição olfativa de seu predecessor para criar uma nova versão ainda mais generosa de Chanel N°5 Eau de Parfum”, afirmou Helen Augusto.

A história do perfume se alinha às tendências do século 20, com status de fenômeno cultural global endossado por personalidades. A primeira a estrelar uma campanha publicitária da fragrância foi a própria Mademoiselle, em 1937, na revista Harper’s Bazzar USA. Depois foi a vez de Marilyn Monroe declarar, no auge da fama, que, para dormir, usava apenas duas gotas de Chanel Nº 5.

ATEMPORAL Da aquarela ao cinema e às passarelas: musas e embaixadoras como Marilyn Monroe, na metade do século passado, a Gisele Bündchen, no nosso tempo, representaram
o perfume.

A sequência reuniria 14 embaixadoras em anúncios históricos da marca: de Catherine Deneuve a Nicole Kidman, de Ali MacGraw a Gisele Bündchen. O único rosto masculino a estampar as campanhas foi o do ator Brad Pitt, em 2012. A atual estrela do perfume é a atriz francesa Marion Cotillard, vencedora do Oscar em 2008 por sua interpretação da cantora Edith Piaf. No no filme publicitário, ela dança sobre a Lua e deixa impressa em sua superfície a silhueta do frasco.