Seria prudente que alguém indicado para ocupar o cargo de ministro do Trabalho não tivesse problemas e pendências com a Justiça do Trabalho. Esse não parece ser o caso da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ), escolhida pelo presidente Michel Temer para suceder a seu correligionário gaúcho, o também deputado Ronaldo Nogueira, na pasta. Tão logo foi indicada, soube-se que a filha de Roberto Jefferson, preso no Mensalão, foi condenada a pagar R$ 60,5 mil a um motorista que alegou não ter carteira assinada e obrigado a cumprir longas jornadas diárias, sem o recebimento de horas extras.

Em outro caso, ela fez acordo para pagar R$ 14 mil em parcelas a outro motorista, que a acusou das mesmas irregularidades. Com base nesse currículo, um juiz federal do Rio de Janeiro decidiu impedir a posse de Cristiane com o argumento da moralidade administrativa, um princípio constitucional da administração pública. O problema é que a Constituição exige, para a indicação de um ministro, apenas a idade mínima de 21 anos e o pleno exercício dos direitos políticos. Algo que a deputada federal, condenada pela Justiça do Trabalho em primeira e segunda instância, cumpre integralmente.

Eu sei. Não parece eticamente aceitável que alguém tão enrolada assim com a Justiça do Trabalho assuma o cargo de ministra do Trabalho. Mas não há, no entanto, do ponto de vista legal, nenhum impedimento para que ela exerça a função. Não sou eu que estou dizendo. São inúmeros os juristas que se manifestaram publicamente sobre a questão. É claro que o direito não é uma ciência exata e há uma ala entre eles que concorda com a liminar do Judiciário. Mas a decisão de quem nomear para o ministério é um ato político e uma prerrogativa exclusiva do presidente da República. É assim em todos os países do mundo. Boa ou ruim, esse é um problema de Michel Temer, que tem lá as suas razões para querer Cristiane no seu ministério.

A questão é que o episódio Cristiane Brasil não é um caso isolado. Nos últimos anos, o Judiciário tem agido como um verdadeiro Partido da Justiça, tentando impor a sua própria agenda à revelia da lei. Não são poucos os casos em que os nobres magistrados, das diferentes instâncias, tomam decisões com vieses políticos, aplicando uma visão particular da legislação. A professora da FGV Direito, Eloísa Machado de Almeida, enumerou diversos casos, em artigo à Folha de S. Paulo, que ilustram esse comportamento. Segundo ela, foi assim quando o “STF julgou o financiamento privado; quando aprovou a restrição a fusão de partidos na minirreforma eleitoral de 2015; quando implantou a execução da pena sem trânsito em julgado da condenação; quando afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados ou quando acenou que réus não poderiam ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República, sem esquecer o veto à posse de Lula”.

A “judicialização” da política ou a politização do Judiciário são sintomas da crise institucional do País. Com os poderes Executivo e Legislativo enfraquecidos e envolvidos em uma série de denúncias de corrupção, o Judiciário está assumindo o protagonismo, impulsionado pela operação Lava Jato. Ela tem, é certo, o mérito de demonstrar de forma crua as relações incestuosas entre políticos e empresários. Mas não deveria servir de manto para esconder os abusos dos encarregados de fazer Justiça. Hoje, ser contra ou meramente criticar a Lava Jato é considerado uma heresia mais grave do que ter cometido um crime hediondo. Não há saída para a enrascada que o Brasil se meteu sem a política, assim como não há alternativa, sem o respeito às leis. Como costuma dizer o comentarista de arbitragem de TV Globo e ex-árbitro de futebol, Arnaldo Cezar Coelho: a regra é clara. Nesse caso, juízes que querem fazer política deveriam filiar-se a um partido e disputar eleições.