Até o fim deste ano, atingiremos uma marca incrível. Seremos 8 bilhões de pessoas na Terra (a redonda). Atingir um fato incrível, no entanto, não significa que isso seja positivo. Há uma bomba por trás desse crescimento. Basta pensar que a expectativa média de vida global subirá de mais ou menos 73 anos hoje para cerca de 77 anos em 2050. A população dará um salto para 9,7 bilhões. Um mundaréu de 1,7 bilhão de novas pessoas. E todos vivendo em média quase 1,5 mil dias extras como consumores e dependentes. A equação exigirá esforços globais em tratamento médico, previdência, geração de empregos, mobilidade e abastecimento alimentar. Suponha que cada um desses humanos a mais signifique US$ 10 por semana em cuidados de saúde pública, mais US$ 10 de educação, outros US$ 10 em alimentação, US$ 10 de mobilidade e US$ 10 em termos previdenciários. Será preciso arranjar anualmente quase US$ 18 trilhões extras. Só para o contingente novo, os que chegarão além dos 8 bilhões de 2022.

A contabilidade demográfica é uma ciência pouco comentada na mídia, mas decisiva para a estratégia dos países. Ela é fascinante porque nos obriga a olhar o futuro. Mas igualmente faz com que olhemos para o que passou. A demógrafa Toshiko Kaneda e seu colega Carl Haub se debruçam há quase três décadas sobre a pergunta “quantas pessoas já viveram na Terra?”. Com a ajuda do também demógrafo Dudley Poston Jr, chegaram a um recorte: de 192 mil anos para cá 117 bilhões de membros da espécie já rodaram por aí. Parece muito, e é muito. Mas outros layers nesses dados nos fazem descobrir diferentes leituras. Quando Cristo nasceu, havia apenas 300 milhões de pessoas no planeta. A barreira do primeiro bilhão só se rompeu perto da Revolução Francesa, ali no fim do século 18. Façamos outra conta: com 117 bilhões de pessoas tendo passado por aqui e praticamente 8 bilhões vivas hoje, isso dá quase 7%. Se considerarmos arbitrariamente que cada geração dura em torno de 25 anos, a resultante é que no espaço de tempo de 0,01% de toda a história da humanidade vivem 7% das pessoas.

Esse crescimento também é acompanhado exponencialmente pelo uso de dados. A era em que todos nós, nossas ações, nossos hábitos e nossas atitudes não apenas são metrificadas. São armazenadas e analisadas. Por terem as melhores soluções algorítmicas para isso, supercorporações como Alphabet/Google e Meta/Facebook valem, respectivamente, US$ 1,8 trilhão e US$ 620 bilhões. Seus softwares transformam bigdata em bigmoney.

Não existe certo ou errado a priori. O que existe nesse cenário está mais para uma questão mal formulada, inclusive por formadores de opinião e gente da academia, que pode ser resumida no “papel da tecnologia em nossas vidas”. A conjectura está invertida. Não se trata do que a tecnologia faz. Trata-se de como nos comportamos e o que fazemos em relação a isso.

É nesse sentido que alguns nomes se destacam. Martin Hilbert, professor da Universidade da Califórnia, é um deles. À frente do departamento de Ciências Sociais Computacionais, ele estuda ferramentas matemáticas para analisar a sociedade da informação. Mistura os campos de exatas e de humanas. E já declarou em entrevistas que “algoritmos conhecem você melhor que sua mãe e você mesmo”, “as redes sociais estão mudando nossas personalidades e quem somos”, “você deve ter o direito de perguntar o que um algoritmo decide por você”, “algoritmos podem ser tão tóxicos quanto alimentos e remédios, por isso devem ser regulados” e “despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída”. Concordo com todas as afirmações.

Mas há mais peças no tabuleiro. É fato que os estudos de Hilbert mostram que algoritmos podem ser usados para o consumo de tudo — inclusive candidaturas. Só que isso vale tanto para o mal quanto para o bem. Em um de seus artigos, ele diz que “recomendações algorítmicas comunicam quantidade estatisticamente significativa de afeto positivo e negativo aos humanos” e que essas descobertas ”podem ajudar a projetar algoritmos mais socialmente responsáveis”. Significa que estabelecer parâmetros mais transparentes em soluções de inteligência artificial lastreadas na análise maciça de dados e nos algoritmos pode ser, sim, caminho para estratégias e decisões de política pública.

Ou seja, já que temos os algoritmos decidindo o que compramos e quem elegemos, que ele seja usado para nos proteger dessas escolhas. Pode ser um paradoxo, mas o algoritmo que traz o problema será o mesmo que trará a solução. Que o veneno vire o antídoto. Até porque, mesmo sem ainda vivermos o estágio dos algoritmos “socialmente responsáveis”, prefiro as decisões deles do que a de qualquer parlamentar brasileiro, qualquer juiz brasileiro ou qualquer dirigente público brasileiro.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.