Fundador e CEO da grife Reserva, Rony Meisler defende iniciativas empresariais que visam, além de receita, retorno socioambiental e ético para a sociedade.

No início dos anos 2000, Rony Meisler era praticamente um vendedor autônomo. Fabricava camisetas, colocava tudo no porta-malas do carro e saía oferecendo para os amigos. Apesar das dificuldades, sabia que sua vocação era empreender. Criou a marca Reserva, com Fernando Sigal, e abriu sua primeira loja na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Eram 30m2, com trabalho focado em dois pilares. O primeiro, treinamento dos vendedores. Tudo foi sendo anotado em um caderno. Virou um manual de boas práticas de atendimento, hoje chamado de Experiência Reserva, com 8 mil verbetes. O segundo pilar foi inovação tecnológica, com a criação de um canal de relacionamento com o cliente, chamado NOW, e um software próprio de gestão e logística. O negócio cresceu e se espalhou pelo País por meio de revendedores multimarcas. O apresentador Luciano Huck entrou como sócio, em 2009. Hoje, são 71 lojas próprias, 36 fraqueadas e 1,5 mil revendedoras multimarcas. Em 2019, o Grupo Reserva – formado por Reserva (casual jovem), Oficina Reserva (workware jovem), Reserva míni (até 12 anos), Eva (moda feminina) e Reserva.Ink (B2B) – faturou R$ 400 milhões. E agora aposta em parcerias com empreendedores designers e em brechó digital, ação que considera fatores socioambientais e propósitos de valores à sociedade. “Temos de bater palma para o oportunismo do bem”, disse Meisler, 39 anos.

DINHEIRO – A Reserva estava em um bom ritmo de crescimento e veio a pandemia…
RONY MEISLER – Chegamos em 2019 com 75% do faturamento em loja física. O digital era de 25%, alto diante da média geral do mercado, de 5% a 7%. No meio de março fechamos todas as lojas. Mantivemos o centro de distribuição, nosso oxigênio. Decidimos pousar no Rio Hudson, como fez o comandante Sully [o piloto Chesley Sullenberger fez um pouso de emergência com um A320 nas águas do Rio Hudson, em Nova York, em 2009, após colidir com aves e ficar sem potência nos motores – todos os 150 passageiros e cinco tripulantes foram salvos]. Estávamos crescendo, voando, e de repente colidimos. O play book de mercado é descontar mercadoria, espetar a venda para cima, sentar em cima do caixa, protelar ao máximo os pagamentos. E isso não tem nada a ver com nosso propósito e nossa cultura. Nossa decisão foi contra isso. Nós decidimos conversar com todas as franquias, demos o máximo de desconto, prolongamos a dívida, tiramos todos os problemas financeiros para elas focarem em vendas. E usamos as nossas duas ferramentas digitais – software de gestão e logística e o NOW – para nos salvar. Os estoques estão integrados. Com a plataforma de atendimento pela internet, todos começaram a trabalhar plugados nisso. Era usado pelos vendedores próprios (entre 600 e 700) e disponibilizamos para todos os nossos parceiros, inclusive as multimarcas.

“Chegamos em 2019 com 75% do faturamento em loja física. O digital era 25%, alto diante da média geral do mercado. Com a pandemia, fechamos todas as lojas. Estávamos voando, e de repente colidimos” (Crédito:Divulgação)

Deu certo de cara?
Teve um tempo de maturação. Vínhamos crescendo 16% no ano até o meio de março. Veio a pandemia. Fechamos abril com apenas 35% do total das vendas do mesmo mês em 2019. Maio foi 53%. Junho, 65%. Julho, 95%. Agosto, 97%. Setembro, 120%. Só retomamos o patamar de vendas do ano passado a partir de julho. E voltamos a crescer em setembro. Pousamos o avião no Hudson e agora é a máxima: foguete não dá ré.

No início do ano, antes da pandemia, vocês compraram a startup Touts, voltada para designers que podem personalizar roupas. Como tem sido o desempenho?
Bombou. É um modelo print on demand. Temos um parque gráfico têxtil, com várias impressoras para camisetas. Eu estoco a camiseta lisa, básica, estampo e entrego. Criamos esse parque gráfico para atender um negócio chamado Faça Você. Foi crescendo muito. A Touts era um negócio de print on demand também e permitia que o designer montasse sua lojinha. O que fizemos foi associar nosso parque gráfico com eles e juntamos tudo. Nasceu dessa união a Reserva.Ink. Não é marca, é serviço. Todo empreendedor pode montar uma loja de camisetas sem necessidade de capital de giro. Paga-se um mensal de R$ 99 a R$ 129 e um percentual do faturamento da venda da camiseta. Lançamos em fevereiro. Tínhamos 16 lojinhas. Agora são quase 2 mil. Essa projeção era para um ano e meio. Se Por um lado tem aumento do desemprego, que é uma coisa horrorosa, por outro tem essas pessoas que estão começando a empreender. O futuro do País, com bases morais e éticas mais corretas, podemos ir muito longe. Esse propósito é muito motivador.

Quanto fatura a Reserva.Ink?
Em fevereiro, não girou R$ 20 mil. Hoje, faz R$ 800 mil por mês em negócios gerados. É um ganha-ganha-ganha. Nós queremos ser a Amazon das camisetas. O que eles fazem com os sellers, é a mesma coisa que fazemos com a Reserva.Ink.

Diante de todas essas mudanças, de altos e baixos durante a pandemia, como fica o faturamento deste ano?
Tivemos três meses de faturamento comprometido. Mas, se conseguirmos seguir a tendência de receita obtida a partir de julho, chegaremos perto de empatar com o ano passado. O último trimestre do ano é sempre o melhor para o varejo.

O consumidor já vinha mudando, antes da Covid-19. Estava mais exigente, mais ligado em sustentabilidade. Isso se acentuou?
Essa pandemia acelerou. Eu era o presidente e sou membro do conselho emérito do Capitalismo Consciente Brasil. O Grupo Reserva é a maior empresa de moda da América Latina do Sistema B (comunidade global de empresas certificadas que operam com um modelo de governança baseado no impacto positivo). A questão da sustentabilidade socioambiental é realidade para nós há muitos anos. Recentemente, o Capitalismo Consciente se juntou com a B Corporation para lançar um manifesto, o Imperative 21. Não é mais opção. É obrigação. É imperativo. Temos a obrigação de boas práticas socioambientais por um motivo óbvio: se não houver planeta daqui a alguns anos, não adiantou nada ter tido lucro agora.

A compra de uma parte do Troc, o maior brechó on-line do País, foi nesse sentido?
Muitos mais do que o business, gostamos de nos associar a pessoas admiráveis, que acreditamos ter uma grande capacidade de transformação. Fazemos parte de grupos de inovação, e a Troc apareceu lá. Achei inteligente. A pessoa que quer se desfazer das roupas aciona a Troc, recebe uma caixa com um cupom postal para mandar as peças, a Troc faz a curadoria, essas peças são recuperadas como novas e vendidas pela internet. O link de venda das peças é enviado para a pessoa fazer a divulgação da peça. Tem uma missão de vender a experiência do usado como novo. É muito sensível. Muitas roupas usadas vão para o lixo. Agora as pessoas podem vendê-las e gerar renda.

Os movimentos por direitos sociais estão crescendo. Parte da iniciativa privada tem incorporado isso. Recentemente, vimos o programa de trainee da Magazine Luiza voltado exclusivamente para negros.
É um caminho sem volta. Bato palmas para a Magalu. É brilhante. Quando se faz isso, é uma semente plantada para corrigir um erro histórico. É só o começo de uma revolução e tem grande impacto. Outras companhias se inspiram.

“Há 11 anos, Luciano (Huck) se tornou nosso sócio. Criou um fundo de investimentos, com compliance. Tenho certeza de que vai continuar assim” (Crédito:Sandra Blaser)

Quem mais é inspirador para vocês?
Em documentário, o Warren Buffett fala não sobre raça, mas sobre gênero – é um exemplo paralelo –, que a questão do machismo é óbvia. Enxergando assim, podemos ter uma visão mais otimista do mundo. Ele diz que se os Estados Unidos conseguiram chegar aonde chegaram usando apenas 50% da sua capacidade intelectual, imagina onde chegariam se usassem 100%. Warren teve duas irmãs. A opção dada para elas foi cuidar dos seus lares. Ele foi estudar em Harvard.

O problema é que uma grande massa ainda tem o preconceito enraizado.
O Brasil é um país de base populista. A questão do empreendedorismo é nova aqui. Crescemos e fomos formados com a percepção de que o Estado é vaca leiteira e só ele tem de ter responsabilidade social. A iniciativa privada querendo resolver as imperfeições e os problemas sociais históricos de um país é uma coisa muito nova no Brasil.

O que precisa ser mudado?
Temos de bater palma para o oportunismo do bem. O País não aguenta mais o oportunista do mal, a corrupção, a sacanagem. Se a pessoa quiser fazer o bem ambiental e social para vender mais, que mal tem? A maior parte de nós é boa.

A possível entrada na política de Luciano Huck, sócio da Reserva, pode atrapalhar os negócios?
Não sei se ele entrará na política. Há 11 anos, Luciano se tornou nosso sócio. Criou um fundo de investimentos, com compliance, muito sério. Todos os negócios dele seguem um nível de governança e transparência gigantesco, com gestores profissionais. Tenho certeza de que vai continuar assim. A pessoa física é genial, que respeita a sociedade, os valores da companhia. Tem toque de Midas. Sou fã dele.

Você acha que, para a opinião pública, isso fica bem separado?
Se as pessoas não souberem separar, é falta de maturidade. Ninguém tem a chave de opinião e de valor com a qual todos vão concordar. Temos de seguir na nossa estrada, com nossos propósitos.