Há uma revolução em sua fase final na Multibrás, a maior empresa de eletrodomésticos do Brasil. Numa gigantesca operação de revisão da carteira de produtos, a Brastemp, marca top do grupo, está concluindo um processo de troca de nada menos que 80% do portfólio de produtos, formado por cerca de 200 modelos. Tudo de uma vez só. A plataforma da linha de fogões ? o coração da fábrica ? foi aposentada. Uma nova saiu do zero. Nos refrigeradores, todos os 25 tipos à venda foram para uma espécie de quarentena determinada pelo grupo. Sofreram mudanças em sua concepção e a nova linha completa deve voltar às lojas daqui a um mês e meio. Como se não bastasse, a Consul, outra marca do grupo, também virou quase de ponta cabeça. A principal mudança acaba de acontecer na linha de oito fogões da marca. Na quarta-feira 19, saiu da fábrica o primeiro lote com a nova cara dos fogões Consul ? a produção começou há cerca de 20 dias. Em sua maioria, não se trata da velha jogada da maquiagem cosmética, com algumas novas firulas, como uma mudancinha no tom de azul do painel. A reestruturação das linhas envolveu diversas reuniões com fornecedores e varejistas, um esquema profissional para manter os protótipos sob sigilo e uma habilidade de fazer a troca sem deixar buraco nas lojas.

Para que nada desse errado, a ação foi milimetricamente arquitetada no último um ano e meio pelo alto comando do grupo e mudou todo o dia-a-dia da empresa. A turma da área de marketing e de produtos passou a

trabalhar de 12 a 14 horas diariamente nos últimos meses. Foi montada uma operação de guerra para operacionalizar um esquema de análise e pesquisas junto ao consumidor. Só a quantidade de projetos com esse foco passou de uma média de 50 para 80 consultas de dois anos para cá. Nas unidades fabris, foi preciso mudar até os equipamentos e maquinários de cidade. O projeto de reformulação de produtos estava ligado diretamente a um movimento de redução de custos de fabricação. Por isso, a unidade de fogões da Brastemp, localizada no bairro de Santa Emília, zona sul de São Paulo, saiu de lá. Foi, literalmente, transportada para Rio Claro, interior paulista, onde se produzem lavadoras de roupas das duas marcas e fogões da Consul. Em janeiro, a unidade foi fechada e renasceu em março a 170 quilômetros de distância, com 900 novos empregados, 9.400 metros quadrados, e alguma dor de cabeça. Não havia, por exemplo, moradia para todo mundo e foi preciso colocar gente em hotéis em cidades vizinhas. Para a nova planta, um equipamento de esmaltação teve de ser transportado de caminhão numa viagem de horas. Com a linha de produção preparada, era hora de falar com o varejo. No início de setembro, 250 varejistas passaram um dia todo na sede do grupo, controlado pela americana Whirlpool, entendendo quais foram as mudanças feitas nos produtos da Consul e Brastemp. Não era possível fazer isso antes, pois nada poderia vazar e ir parar no ouvido da concorrência.

RECEITA
R$ 5 BILHÕES
foi o tamanho das vendas no País da Whirlpool, controladora da Multibrás

Se algo vazasse, não seria pouca coisa. A reformulação na carteira de

produtos do grupo Multibrás é a maior na história recente da empresa. Na Consul, foi trocada toda a linha de lavadoras de roupas, composta por três modelos, e incluídos outros dois, em abril. Em fogões, os oito modelos saíram do mercado e foram redesenhados ? foi criado um novo ?pé? de 11 centímetros para o produto só porque as consumidoras reclamavam que não dava para lavar a cozinha com uma base de apoio baixa. Já na Brastemp, houve mudança em 85% da linha de microondas, 60% do portfólio de fogões e 100% dos refrigeradores. Dessa forma, vai tentar fazer o consumidor se sentir tentado a encostar o velho produto e levar o novo para casa. ?A indústria não sabe fazer o seu produto ficar obsoleto. O cara olha a loja, olha a sua casa e acha que ainda tem um produto novo na cozinha. A gente precisa mudar isso?, polemiza Jerome Cadier, diretor de marketing da Brastemp. As marcas não falam quanto gastaram nos investimentos. Tanta mudança tem, obviamente, motivos econômicos. A Consul é marca presente em 53% dos lares brasileiros, mas é fraca no segmento de fogões e precisa se mexer. Ela ocupa hoje a quarta colocação geral no ranking liderado pela Dako, com 35% das vendas. Já na sua marca de primeira linha, a Brastemp, a briga é para tentar defender mercado nos diferentes segmentos. A questão aí é que a venda de alguns produtos de linha branca vai bater recorde em 2007, e a Multibrás precisa pegar a sua parte desse bolo. Segundo a DINHEIRO, 40% das vendas atuais do setor são lançamentos de produtos. Dados de consultorias e da própria empresa mostraram uma Multibrás com queda na participação de mercado. Em março de 2003, o grupo detinha 45% das vendas do setor. Hoje, está com 40%, segundo dados fornecidos pela própria empresa. A Multibrás nega essa queda e diz que essas taxas não são comparáveis. Isso porque a metodologia da pesquisa, que tem como fonte a Eletros, a associação do setor, mudou no período. ?Nós somos líderes e mantemos o mesmo ?share? nos últimos anos. Não vamos ceder espaço e, para 2008, vamos colher os resultados das mudanças?, afirma Ana Caldeiron, diretora de marketing da Consul. O mercado dirá.