Quem diz que os bancos estatais não são competitivos não acompanha a briga que eles travam nos corredores do judiciário, em todo o País, por uma bolada de R$ 24 bilhões em recursos. No Tribunal de Justiça de São Paulo, três instituições públicas ? Nossa Caixa, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal ? lutam como tubarões pelo direito de alojar R$ 2,8 bilhões em depósitos judiciais. Por lei, as quantias depositadas como garantia de processos têm de permanecer em bancos do governo, e cada órgão decide com que banco irá operar. No TJ-SP era o Banespa, mas com a privatização o Conselho Superior da Magistratura (CSM) definiu que o dinheiro ficará na Nossa Caixa. ?Ela é o único parceiro do tribunal, até decisão em contrário?, explica o juiz Vito José Guglielmi, chefe de gabinete da presidência do TJ. Mas ele próprio admite que, no futuro, outras instituições também poderiam prestar esse serviço.

No dia 16 de fevereiro as agências do Banespa nos fóruns serão fechadas e os depósitos, transferidos gradualmente para a Nossa Caixa. O processo levará seis meses. Nesse período, CEF e BB vão insistir em propostas para dividir o dinheiro ? seguindo a lógica de ?não manter todos os ovos na mesma cesta?. Os adversários federais alegam que a Nossa Caixa não tem estrutura para atender a demanda da Justiça paulista. Hoje, 53 comarcas do Interior não têm agências da instituição. O banco paulista anunciou que pretende instalar postos de atendimento em 24 comarcas. Sobra uma brecha para os concorrentes. ?Vai ser uma briga de foice?, diz o diretor de um banco federal.

Em todo o País, os depósitos judiciais são dinheiro gordo e fácil para os bancos. Segundo o diretor de uma instituição governamental, são R$ 24 bilhões ? mais que o volume de ativos do banco Safra, mais que o total que o BNDES tem para emprestar em um ano. Eles ficam em caixa durante muitos anos e, nesse período, o fiel depositário da quantia tem de pagar uma remuneração baixíssima, TR mais 6% ao ano. Isso transforma os depósitos numa forma de captação entre as mais baratas do mercado. Tão boa que, desde 1998, os depósitos referentes a processos contra o INSS e a Receita Federal vão diretamente para a conta do Tesouro, onde ajudam a formar a receita da União. No primeiro semestre de 2000, o dado mais recente, foram R$ 3,2 bilhões.

Há um emaranhado de leis e resoluções sobre o assunto, e os bancos brigam por causa delas. A CEF, por exemplo, entende que os depósitos dos processos que correm na Justiça Federal têm de ser destinados obrigatoriamente a ela. Mas funcionários do próprio governo admitem que há um volume não conhecido destes depósitos em poder do BB. Quando o Banerj foi privatizado, para aumentar o interesse dos compradores, o edital de venda previu que os depósitos judiciais ficariam lá mesmo após o leilão.

Para convencer os órgãos do Judiciário a lhes entregar seu dinheiro, os bancos tentam agradá-los da mesma maneira que fazem com grandes clientes privados. A CEF assinou contrato com a Justiça Trabalhista de São Paulo para concluir o prédio do TRT da 2ª Região (aquele que, por causa do escândalo do juiz Nicolau, está inacabado), obra orçada em R$ 38 milhões. Em troca, ficará com R$ 650 milhões em depósitos. Na 15ª Região, que inclui Campinas e Interior, a CEF banca o aluguel dos prédios da Justiça Trabalhista, em troca dos depósitos da região. No Rio de Janeiro, o Banco do Brasil bancou a informatização do Tribunal de Justiça. Em troca, recebe os depósitos judiciais dos processos que ali correm. Em outubro do ano passado, o BB também se apresentou como patrocinador para um congresso de 145 desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio no resort Hotel do Frade, em Angra dos Reis.