Historicamente conciliador, o papel pacífico do Brasil na condução de suas relações internacionais é datado de 1902, quando José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, colocou o País no roteiro mundial. Considerado o patrono da diplomacia brasileira, a amistosa aproximação com nações das Américas e da Europa deu o tom do direcionamento político internacional no atravessar dos anos, superando dois períodos autoritários internos, duas grandes guerras mundiais e uma porção de tensões mundo afora. Foi na semente plantada no início do século 20 que o Brasil conseguiu se manter relevante para a comunidade internacional, ganhando destaque em instituições importantes, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS) com a construção de políticas públicas de redução da miséria e vacinação em massa justificando tal prestígio. Pelo menos até agora.

Desde 2019, a falta de diplomacia tomou de assalto o Itamaraty. Sob comando do chanceler Ernesto Araújo e endossado por Jair Bolsonaro e seus filhos, frases que colocam em dúvida a seriedade de organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Mercosul se tornaram panfletos políticos e o resultado não tardou: a centenária imagem mediadora do Brasil deu lugar para sinais de alerta sobre o que acontece dentro da maior economia da América Latina. Para Francisco Vecchi, professor de relações internacionais e diplomata brasileiro até 2010, a falta de comprometimento do governo nas relações exteriores mancha toda a história construída. “Sem dúvida esse é o pior momento para a imagem brasileira no mundo”, disse. Não bastasse o vexame internacional, sanções e isolamento econômico são um risco real, deixando o País mais perto do que nunca do período que antecedeu o Barão de Rio Branco.

ONU
Um dos estados fundadores da Organização, o Brasil sempre teve um lugar de prestígio na ONU – depois do Japão, foi o que mais vezes fez parte do seu Conselho de Segurança, além de ser a primeira nação a discursar em todas as assembléias gerais desde 1955. A relação com a entidade está abalada após ataques constantes de Bolsonaro e um calote de US$ 390 milhões junto à entidade, valor que deveria ter sido pago ao final de 2020.

BRICS
Sem conseguir pagar uma dívida de R$ 350 milhões com o banco do Brics em 3 de janeiro, o Brasil também coleciona com a entidade uma série de outras indisposições recentes. Falas de xenofobia da cúpula do governo Bolsonaro, incluindo os filhos do presidente, desencadearam um problema diplomático com a China que resultou em um estremecimento dos dois membros do grupo. Apesar das relações fragilizadas e do calote, o banco prevê emprestar R$ 3 bilhões ao Brasil neste ano.

MERCOSUL
Com a relação mais fragilizada desde sua criação, em 1991, o grupo que prometia integrar os países da América do Sul hoje não possui qualquer relevância para o governo brasileiro, e isso tem refletido no pouco comprometimento que o País demonstra na construção de alianças com Argentina, Paraguai e Uruguai. Por parte dos outros membros, a visão geral é que a falta de capacidade em conduzir uma política ambiental responsável é o principal impeditivo para que o acordo Mercosul e União Europeia possa avançar.

OMS
Com críticas diretas sobre a condução do controle à pandemia no Brasil, diretores da Organização Mundial da Saúde já repudiaram publicamente o discurso contrário à vacina e anti-isolamento social de Bolsonaro. Em sua mais recente nota (de 8 de janeiro) a entidade garantiu que o Brasil (até agora sem vacina e sem controle da doença) se tornou o maior risco sistêmico na segunda onda da Covid-19, já que Estados Unidos, China e Índia já começaram seus respectivos programas de imunização.

BID
O banco de fomento das Américas também está com laços estremecidos. Pela primeira vez nos últimos 50 anos não há um brasileiro no comando ou diretoria do banco, ainda que o País seja um dos maiores clientes da instituição. No começo deste ano o governo também anunciou não ter condições de pagar uma dívida de R$ 32 milhões ao banco, valor que se soma aos R$ 2,4 bilhões de inadimplência com outras quatro instituições de fomento internacional.

OCDE
De longe a organização mais respeitada pelo Itamaraty neste momento, o clube dos países ricos tem dado sinais de que o Brasil poderá integrar sua cúpula, mas desde que melhore indicadores de desenvolvimento humano e demonstre mais controle fiscal por meio de reformas para um equilíbrio financeiro no médio e longo prazo. Para o governo brasileiro, a promessa de entrada ganhou força com o apoio virtual de Trump, mas que nunca foi feito formalmente.