Médico respeitado. Ministro influente. Alvo da Lava-Jato. Preso. Delator. Endividado. A saga de Antônio Palocci Filho, 60 anos, resume uma parte da história recente do Brasil. Em mais um capítulo de sua jornada de ascensão e queda, aquele que foi um dos nomes mais prestigiados do Partido dos Trabalhadores atravessa um momento desolador. Hoje sem emprego, obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica, com contas e bens bloqueados por decisão judicial e rejeitado por parte dos antigos companheiros, Palocci vive dias de penúria. Uma realidade que contrasta com o tempo em que ele fazia parte do mais alto círculo de poder em Brasília.

A atual rotina de isolamento de Palocci destoa também de seu período bem-sucedido como consultor. Segundo dados da Receita Federal, a Projeto Consultoria Empresarial e Financeira, fundada pelo ex-ministro em agosto de 2006, faturou R$ 107.641.399,64 até o final de 2015. Entre as empresas atendidas pela consultoria, cujo quadro de funcionários jamais passou de oito pessoas, estão os bancos Bradesco, Itaú BBA, Safra e Original, o frigorífico JBS, a incorporadora Cyrela, a empresa de tabaco Souza Cruz e muitas outras. A Receita Federal listou 47 clientes cujo valor dos contratos ultrapassou R$ 300 mil. Hoje, a Projeto é alvo de uma ação trabalhista de R$ 280 mil, movida pela ex-sócia Rita de Cássia dos Santos, que se desligou da empresa em 2018.

Uma reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico no dia 4 de janeiro trouxe à tona o ocaso do ex-ministro e as dificuldades financeiras que ele enfrenta. Além de contas atrasadas (IPTU, condomínio e celular) foram revelados títulos protestados em dois cartórios. DINHEIRO ouviu o advogado que defendeu Palocci no acordo de delação firmado com a Polícia Federal e que resultou na redução da pena inicialmente decretada pelo então juiz Sergio Moro, em junho de 2017. Segundo seu defensor, o bloqueio judicial está em discussão. “Entramos com um recurso para tentar reduzir esse valor, que prejudica até sua sobrevivência”, afirmou Tracy Reinaldet, advogado do ex-ministro. Segundo ele, os contratos firmados pela Projeto, de forma lícita, correspondem a serviços efetivamente prestados.

47 clientes firmaram contratos com a projeto consultoria por valores acima de R$ 300 mil, segundo a receita federal. Em dez anos, a receita da empresa foi de r$ 107 milhões.

Assim como outros envolvidos na Lava Jato, Palocci enfrenta rejeição para se recolocar profissionalmente. A situação do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, contudo, é mais delicada pelo fato de ele ter feito acusações a dois ex-presidentes. Entre os trechos de sua delação tornados públicos, Palocci afirmou que a campanha para a reeleição de Dilma Rousseff à presidência em 2014 teve um custo total de R$ 800 milhões — a maior parte, segundo Palocci, obtida de forma ilícita. Na prestação de contas da campanha de Dilma à Justiça Eleitoral, o valor informado foi menos da metade. Sobre Lula, Palocci disse que o ex-presidente havia interferido em fundos de pensão de estatais e que parte do dinheiro fora para campanhas eleitorais do PT. Ele declarou ainda que Lula sabia do esquema de corrupção na Petrobras, mas que preferiu não afastar os diretores envolvidos. Ao saber do teor das denúncias, a assessoria da ex-presidente divulgou uma nota afirmando que Palocci havia feito acusações sem provas. “As declarações do senhor Palocci tentam incriminar Lula, Dilma e outros dirigentes do PT para obter o prêmio da liberdade, da redução da pena e da posse de recursos os quais é acusado de ter acumulado ilegalmente”, afirmou.

Se a estratégia de Palocci era se livrar da cadeia, ela funcionou. Dos 12 anos, dois meses e 20 dias fixados na sentença original de Moro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) determinou o cumprimento de 9 anos e 10 meses em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Responsável pela execução da pena de Palocci, o juiz Danilo Pereira Júnior determinou que o ex-ministro arcaria com os custos da tornozeleira, à época no valor de R$ 149 por mês. O regime aberto não impede o ex-ministro de trabalhar. Mesmo assim, seu advogado continua tentando obter mais benefícios que possam tornar a vida de Palocci um pouco mais confortável, ao menos financeiramente.

PINOT NOIR A falta de caixa obrigou o ex-ministro a abdicar de um de seus prazeres: o vinho. Até recentemente, ele gostava de comprar rótulos chilenos da variedade pinot noir, em garrafas de até R$ 70. Gastava entre R$ 500 e R$ 800 por mês, sem jamais ter problemas de inadimplência. As compras cessaram há cerca de três meses, provavelmente devido aos problemas financeiros. Mas ele não deixou contas a pagar junto a seu fornecedor favorito.