Ali pela página 135 de Fighting for Britain (A luta pela Grã-Bretanha), terceiro e último volume da monumental biografia de John Maynard Keynes, o leitor há de se perguntar por que, afinal, está perdendo tempo com a história de um economista morto no longínquo ano de 1946, antes, portanto, da explosão do rock-and-roll, da popularização dos antibióticos e do surgimento da Nova Economia. A resposta, ou pelo menos uma parte dela, é que a leitura dessa obra de 580 páginas, ainda não traduzida para o português, tem qualquer coisa de compulsiva. Seu objeto é o ocaso de um personagem fascinante, misto de gênio, economista, homem público, investidor e mecenas. E seu autor, o historiador britânico Robert Skidelsky, faz jus à verve legendária do próprio Keynes: seu texto, luminoso, vai do dramático ao corriqueiro sem espantar o leitor. Não é pouco, por exemplo, explicar a situação do balanço de pagamentos da Grã-Bretanha ao final da Segunda Guerra e, no mesmo volume, detalhar os estragos feito na carteira de investimento de Keynes pela crise das Bolsas de 1937. Para registro: ele perdeu, em valores da época, US$ 1,08 milhão, dois terços de tudo que tinha. Perdeu porque se recusou a correr quando o mercado veio abaixo. E explicou. ?Eu iria ainda mais longe, se fosse preciso. Acredito que é dever do investidor sério aceitar a depreciação dos seus ativos. Qualquer outro comportamento é anti-social, prejudicial à confiança e incompatível com o funcionamento do sistema econômico.? Já se vê que algo mudou na ética do mundo financeiro desde os anos 30.

Para quem aprecia história, e sobretudo história econômica, há dois atrativos enormes no livro. O primeiro é a cruzada teórico-ideológica que Keynes empreendeu, no final dos anos 30, para sustentar as idéias revolucionárias da Teoria Geral, seu trabalho mais ambicioso. Já atacado pela doença cardíaca que viria a matá-lo, Keynes escreveu da cama os artigos de combate e esclarecimento que iriam, gradualmente, firmá-lo como o economista mais influente do seu tempo. Em 1937, suas idéias sobre pleno emprego e financiamento das despesas públicas provocavam um misto de admiração e repulsa. Menos de dez anos depois, haviam se tornado hegemônicas e baseavam a política econômica em todo o mundo industrializado. Skidelsky afirma que foi o próprio Keynes, com sua inteligência selvagem e sua incansável disposição para o debate, quem garantiu que isso ocorresse. Outro assunto de interesse universal desse livro é a apresentação dos bastidores de Breton Woods, a conferência internacional de julho de 1944 que definiu as principais instituições e os conceitos fundadores da economia do pós-guerra. Ali, um Keynes diminuído pela decadência britânica enfrentou, apenas com a força da sua eloqüência, o poder cada vez mais palpável dos Estados Unidos. Perdeu no curto prazo, como não poderia deixar de ser, mas prevaleceu no longo curso e fechou com brilho a última página da sua própria história.