O IPO do Nubank deu o que falar por aqui. ‘The Buffet backed Brazilian fintech’ (“A fintech brasileira apoiada por Buffet”, em tradução livre) foi notícia em todos os meios de comunicação, subindo 14% no dia em que os mercados brasileiros sofreram com o tom mais contracionista adotado pelo COPOM na noite anterior.

No entanto, o que não deixou de surpreender, novamente, foi o ‘valuation’: com o IPO precificado no topo da faixa indicativa, o mercado avaliou que o Nubank vale mais do que o Banco Itaú, instituição com milhões de clientes, bilhões em carteira de crédito, décadas de atuação no mercado e histórico consistente de lucros. Será? Uma coisa é certa: sem gente abraçada na bandeira do Brasil, a festa do “roxinho” (apelido da empresa graças a cor do logotipo) em Nova York foi o IPO de empresa brasileira que mais chamou a atenção dos investidores estrangeiros nos últimos tempos. Um time extremamente talentoso conseguiu colocar de pé o que muita gente tentou, e ainda tenta, sem sucesso.

+ A inflação não vai embora sozinha

Apesar de ter entrado no radar dos investidores americanos, dúvidas ainda persistem: afinal, quem compra ações do Nubank está comprando o quê? É um banco ou uma fintech? É uma aposta no Brasil ou o modelo é ‘plug and play’ e funciona em qualquer lugar? Como vai se comportar em um ambiente de alta de juros? Vai tomar mercado dos incumbentes ou vai bancarizar os desbancarizados? Ou os dois? Como fica a governança, considerando que David Velez tem 75% do poder de voto? Ah, e o que faz a Anitta no conselho, mesmo?
Apesar de serem negócios rudimentares, bancos operam em um ambiente de alto risco. Pense que o modelo de negócios envolve tomar emprestado dinheiro de quem tem recursos disponíveis para investir, e emprestar para quem precisa de dinheiro tomando o risco do calote no meio do caminho. São negócios naturalmente alavancados, que mexem com o dinheiro do público e, portanto, extremamente regulados. O “roxinho”, apesar de andar como banco, se vestir como banco, falar como banco e ter banco no nome, ainda não é um banco: é uma financeira combinada com uma instituição de pagamentos. Isso significa que tem atuação restrita no mercado e, por isso, o órgão regulador lhe é menos punitivo. Para entregar o que está embutido no preço, o Nubank inevitavelmente terá que obter uma carta patente de banco – e aí essa situação regulatória vai mudar. E muito.

Ainda não é banco, mas é definitivamente uma fintech. O modelo é totalmente digital, a experiência do cliente é extremamente positiva e, de fato, o Nubank provocou uma evolução tecnológica em um modelo de negócios antiquado e ineficiente. Acontece que os “bancões” não estão dormindo no ponto: o Itaú já tem mais de 10 milhões de clientes no seu banco digital e, desse total, 85% não possuíam conta ativa no banco tradicional. O “roxinho” andou primeiro, mas acabou empurrando os incumbentes para o mesmo caminho. E, além dos bancões, há outros, como o Inter e o C6, que são fortes no jogo. A disputa de mercado daqui para a frente vai ficar cada mais difícil.

Se é ‘plug and play’, não sei dizer. Entretanto, em outra vida, já tentei instalar sistemas produzidos com as especificações do Jaboticabal brasileiro em outros países da América Latina e até mesmo aqui nos EUA, sem nenhum sucesso. Mas, como disse, isso foi em outra vida e muita coisa mudou. Sou cético, mas não sou teimoso.
Os temas de governança, por enquanto, ficam no banco de trás enquanto o carro vai andando em velocidade acelerada. Na hora em que a velocidade diminuir, essa discussão ganha mais força. Em resumo, gosto do ‘case’ como um todo, e tiro o chapéu para o que conquistaram até aqui. Porém, como ‘value investor’, tenho que ter disciplina e esperar chegar em um preço mais condizente com o risco. Poderei ser chamado de arrogante (ou coisa bem pior), considerando que o patriarca geral dos ‘value investors’ investiu dinheiro aí. Não serei o único, mas ainda não é para mim. No cenário atual, o modelo manda comprar Itaú.
Se estou errado ou não, o tempo vai dizer. Uma coisa, porém, é certa: o Nubank, além de dar um show, veio a mercado na hora certa. Com o FED preocupado com a inflação e as taxas de juros na iminência de subirem por aqui, seu IPO teria sido muito mais difícil se tivesse sido agendado para o ano que vem. Tem fintech grande por aí que, a olhos de hoje, vale menos de 70% do que valia há poucos meses. A decisão de reduzir o intervalo de preço e viabilizar o IPO foi extremamente acertada. Mais um gol do “roxinho”. Parabéns.