Não há maneira de saber quanto o Nubank estará valendo quando você ler este texto. A instituição financeira abriu seu capital na manhã da quinta-feira (9) na Bolsa de Nova York (Nyse). A avaliação inicial do Initial Public Offering (IPO) foi de US$ 9 por ação. Com isso, a fintech fundada em 2013 pela trinca David Vélez, Cristina Junqueira e Edward Wible estreou nos pregões americano e brasileiro valendo US$ 41,5 bilhões. Pode ser que, no momento em que seus olhos percorram estas linhas, esse valor tenha variado alguns bilhões de dólares para mais ou para menos. Um bilhão de dólares é uma quantia importante. Mesmo assim, essa variação será irrelevante.

Você leu certo. Mesmo que as cotações tenham recuado nos dias subsequentes à estreia, como esperavam alguns analistas nos dias anteriores ao IPO, o Nubank fez história. Pela primeira vez uma empresa de um novo setor abre seu capital com um valor de mercado parecido com o dos líderes da indústria, décadas mais antigos e muito maiores em tamanho, faturamento e estrutura física. O Nubank deixou o Itaú em segundo lugar como o banco brasileiro de maior valor, valendo US$ 37,7 bilhões. Em terceiro lugar está o Bradesco, com US$ 33,3 bilhões. Mesmo que as ações do banco roxo recuem 10%, a instituição ainda estará empatada em valor com o Itaú, sem dúvida o campeão de rentabilidade do setor.

Por que isso ocorreu? No caso do Nubank, a palavra disruptivo é pertinente. O terremoto que vem trincando as estruturas dos bancos tradicionais ao redor do mundo chegou ao Brasil. Legalmente, o Nubank é um banco. Isso não é um acidente. “Não temos a palavra bank em nosso nome por acaso”, disse Vélez há tempos, quando o único produto ainda era um cartão de crédito sem tarifas. Porém, além de sua classificação legal, ele é o que se convencionou chamar de “neobanco”.

Quando se pensa em banco é inevitável lembrar dos lucros enormes, da estrutura pesada e de uma maneira pouco flexível de fazer negócios. Isso vale para outros países. A diferença é que a situação está mudando lá fora. Até agora, as alteraçõesº por aqui vinham sendo mais lentas, mas é bastante provável que o som da campainha em Wall Street na manhã da quinta-feira acorde o setor para a necessidade de se reinventar.

Os neobancos, também chamados de “bancos desafiantes”, surgiram no início da década passada. A rigor, a ideia de prestar serviços bancários sem depender de uma estrutura física não é nova. Nem mesmo no Brasil. Em 1994, o então Unibanco lançou o Banco Um, que propunha oferecer tarifas e juros menores e remunerar melhor os investimentos por não depender de agências. A iniciativa durou pouco e não deu certo devido à falta de tecnologia.

Os neobancos foram capazes de superar esses obstáculos, pois encontraram um ambiente que permite realizar operações a distância e oferecer serviços bancários por meio de aplicativos. A competitividade vem da ausência de agências com portas giratórias e de caixas automáticos que possam ser assaltados, além do exército de bancários. Sem isso, os custos desabam. No exterior, os neobancos geralmente se especializam em um único produto financeiro, como contas correntes, poupança, pagamentos ou distribuição de investimentos. Por aqui, eles tendem a ser mais parecidos com os gigantes de varejo, oferecendo vários serviços. O principal atrativo são as tarifas, menores do que as da concorrência tradicional, ou mesmo inexistentes.

O apelido de “desafiante” é adequado. Essas fintechs são revolucionários digitais. Podem transformar o setor bancário de maneira semelhante às mudanças que o Airbnb provocou na indústria hoteleira, ou na forma como o Uber mudou a mobilidade urbana. Nos Estados Unidos, alguns deles estão atraindo clientes em massa. Por exemplo, em outubro de 2021, estimou-se que o neobanco americano Chime tinha 13 milhões de clientes, contra 8 milhões um ano antes. Desse total, cerca da metade usava a instituição financeira nascida em San Francisco como seu primeiro banco. Ainda não houve um IPO, mas a primeira avaliação de mercado era de US$ 40 bilhões, número parecido com o do Nubank, mesmo tendo 25% dos clientes.

NO RITMO DO LUCRO Anitta, a cantora carioca que passou a integrar o Conselho do banco em junho de 2021: ampliação da visibilidade junto ao público-alvo. (Crédito:Divulgação)

SOBRESSALTOS Apesar de tantas promessas, a abertura de capital não foi das mais tranquilas. Segundo o sócio da gestora de recursos focada em tecnologia Catarina Capital, Thiago Lobão, os investidores brasileiros tiveram dificuldade para estabelecer um preço justo para o Nubank. Nas primeiras conversas, a ideia dos fundadores era lançar as ações considerando um valor de mercado de até US$ 100 bilhões. À medida que as reuniões se sucediam, a importância caiu à metade e foi reduzida em mais 20% na hora de tocar o sino. A causa foram dificuldades de empresas do mesmo setor listadas em Wall Street, como a processadora de pagamentos Stone, que viu suas ações perderem 71,5% de seu valor desde o início do ano. Mesmo assim, pela primeira vez uma abertura de capital tem a participação estimada de 7,5 milhões de pessoas, que compraram pelo menos 1/6 de um Brazilian Depositary Receipt (BDR), títulos brasileiros do Nubank que representam as ações listadas em Wall Street e que serão negociados na B3. As negociações estavam previstas para começar na sexta-feira (10) e os BRD ficaram precificados em R$ 8,36 reais.

Como resultado, surgiu mais uma bilionária brasileira. Filha de dentistas de Ribeirão Preto, a ex-executiva da área de cartões do banco Itaú Unibanco Cristina Junqueira estudou engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Obteve um MBA pela Kellogg School of Management e depois trabalhou no Boston Consulting Group. Ela se uniu ao colombiano Vélez, executivo de private equity e ex-sócio da Sequoia Capital e ao americano Edward Wible, especializado em tecnologia, para oferecer “algo que as pessoas realmente queriam”, sem a burocracia e as tarifas do sistema financeiro.

Aos 39 anos e dona de 2,6% do Nubank, Cristina entrou no seleto grupo de bilionárias que construíram suas fortunas sozinhas. Mãe de duas filhas e com a terceira a caminho, ela costuma discutir abertamente nas redes sociais os desafios do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Ser mãe e trabalhar em tempo integral é uma habilidade real que deve ser valorizada mais do que é. No meu caso trata-se de fazer escolhas difíceis e ter prioridades claras”. Ela também provocou algumas polêmicas. Em uma participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em outubro de 2020, causou constrangimento ao dizer que contrataria mais negros, desde que fossem competentes. “Não dá pra gente nivelar por baixo” para aumentar o número de negros na gestão disse ela. A reação negativa levou os fundadores do Nubank a pedirem desculpas e a se comprometerem com o aumento da representação de negros em cargos chave. Para contrabalançar o mal-estar, em junho de 2021 o banco anunciou uma associação com cantora popular Anitta para mostrar que estava apostando mais na diversidade. E, de quebra, pegar uma carona na carismática artista carioca para expandir suas atividades pela América Latina , pois o Nubank já tem atividades no México e na Colômbia.

PORTAS DO MERCADO ABERTAS Fachada da Bolsa de Nova York no dia do IPO do Nubank: mercado americano é mais receptivo do que o brasileiro aos neobancos. (Crédito:REUTERS/Brendan McDermid )

BILHÕES EM JOGO Polêmicas à parte, o Nubank promete ser uma das ações mais acompanhadas pelos investidores e analistas de agora em diante. Seu comportamento vai estabelecer um parâmetro para avaliar esses potenciais destruidores do sistema financeiro tradicional. “Neobancos são um dos setores mais promissores do capital empreendedor”, disse Lobão. Não por acaso, eles seduzem até entusiastas da velha economia. A Berkshire Hathaway, gestora do megainvestidor Warren Buffett, que já fazia parte do Conselho do Nubank, aumentou sua aposta na empresa e comprou o equivalente a US$ 260 milhões em ações.

Por que tanta atratividade? A resposta simples é que os neobancos são muito mais eficientes e usam melhor os recursos disponíveis, prometendo retornos maiores para o investidor. Um bom exemplo é ela, a tecnologia. Segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os bancos brasileiros investiram R$ 25,7 bilhões em tecnologia em 2020, 8% mais que em 2019. Historicamente, os banqueiros são os maiores compradores privados do País de softwares e equipamentos. Apesar disso, as instituições financeiras ainda estão engatinhando em assuntos como computação em nuvem e conectividade com dispositivos móveis. “Os bancos tradicionais demoram até seis meses para atualizar um sistema, mas nós fazemos até duas atualizações por dia”, disse à DINHEIRO o presidente do Banco XP, José Berenguer, quando a empresa inaugurou a Villa XP.

No entanto, Lobão, da Catarina Capital, afirmou que a comparação entre o banco roxo e a processadora verde não é totalmente correta. “A Stone atua de maneira nova em um segmento tradicional, que é o processamento de pagamentos, ao passo que o Nubank é uma empresa disruptiva no setor”, disse ele. Para o gestor, seria mais correto comparar o Nubank com uma empresa como PayPal, e não com um banco. Ou mesmo como a Meta, reencarnação do Facebook. Assim como a rede social de Mark Zuckerberg vale US$ 927 bilhões por conectar 2,7 bilhões de usuários ao redor do mundo, empresas como o Nubank podem valer bilhões de dólares mesmo que seus clientes, individualmente, não paguem tarifas. “O Nubank criou um ecossistema que une milhões de pessoas e empresas”, disse Lobão. Nos anos 1970, ao analisar os meios de comunicação de massa, o pensador canadense Marshal McLuhan disse que “o meio é a mensagem”. Parafraseando McLuhan, o ecossistema do Nubank e dos demais neobancos é o negócio.

FORÇA DA MARCA TAMBÉM SUPERA A CONCORRÊNCIA

Pesquisa realizada com exclusividade para a DINHEIRO comprova que Nubank é hoje a marca mais forte entre as instituições financeiras do País.

Em maio de 2022, uma edição especial da DINHEIRO trará de volta a publicação do ranking “As mais valiosas do Brasil”, realizado pela TM20 Branding e Brazil Pannels. O primeiro segmento pesquisado para a elaboração do estudo foi o de instituições financeiras. Com base em 200 entrevistas de abrangência nacional, realizadas nas capitais e no interior do País durante a primeira semana de dezembro de 2021, a marca Nubank aparece como a mais forte do Brasil em seu segmento. Segundo o responsável técnico pela pesquisa desde 2003, Eduardo Tomiya, a posição de liderança do Nubank é reflexo de um vínculo muito forte com seus públicos estratégicos. “Este pode ser também um dos motivos pelos quais a empresa obteve sucesso em seu recente IPO”. Ainda que sem os dados relativos às marcas dos demais setores, Tomiya antecipou que o Nubank “provavelmente será uma das sérias candidatas a marca mais valiosa do Brasil”.

O indicador de força de marca da TM20 é composto por nove variáveis. No caso das instituições financeiras, elas são as seguintes: conhecimento, consideração, confiança, preferência, recomendação, experiência, banco atual, banco principal, e não rejeição. Cada marca avaliada é comparando às concorrentes do mercado brasileiro, caso de Bradesco, Caixa, Itaú, BB, Santander, Safra, Inter e Original, entre outras.

O ranking completo das marcas mais fortes do Brasil do segmento instituições financeiras será divulgado na próxima edição da DINHEIRO.