A expressão “novo normal” vem sendo exaustivamente usada, nos últimos meses, quando se percebeu que o Coronavírus havia impactado de forma indefectível a sociedade global. A origem do termo não é recente e há muito debate em torno de quem a cunhou. É certo, contudo, que sempre foi vinculada ao período de readequação da sociedade, após uma grande crise, como a primeira grande guerra mundial.

Vários estudos e artigos vêm apontando as principais tendências sociais para o nosso novo normal. Dentre elas, a tão proclamada democratização do digital e a consequente hiperconectividade – que acabou sendo impulsionada por uma doença, não por um gigante da tecnologia.

Categorias demográficas que, antes, por limitação econômica ou temporal, resistiam à virtualização de seu cotidiano, foram ineludivelmente convertidas. Recentemente, presenciei uma centenária exultante no aniversário do bisneto, por Zoom, afirmando que a primeira coisa que fará após a quarentena é trocar o computador e o celular. Ela percebeu que essa é a forma mais fácil de acompanhar a vida dos seus familiares. O que nos leva à outra tendência – as reconexões afetivas.

A privação de contatos com o mundo externo nos mostrou o quanto somos seres sociais. Como já disse um conhecido antropólogo brasileiro, é a rede de relações sociais que dá realidade aos membros da sociedade. Em nome dos laços de amizade e parentesco, dos amores, somos impelidos à rua, a frequentar locais e encontrar pessoas. Ao sermos impedidos de fazermos isso, por determinação legal ou medo, percebemos o valor das conexões que, por hora, são contornadas pela conectividade tecnológica ou pela intensificação das poucas relações presenciais possíveis no momento. Estamos nos conectando com pessoas que não falamos há anos, mas que eram afetivamente significativas – telefone, e-mail, Whatsapp… – tudo vale a pena, quando o afeto não é pequeno.

Outro aspecto que vem sendo muito destacado é a valorização do “local”. Quanto mais vizinho e mais conhecido melhor, tirando preço do eterno topo da lista das prioridades dos compradores – não que este ainda não seja importante. Pelo risco de contaminação, quanto menos deslocamento para as poucas coisas inevitáveis à sobrevivência, melhor. E, de quebra, ajudamos o comércio próximo a passar por uma das maiores crises econômicas do pais, sem fechar suas portas (consumo consciente).

São muitas tendências projetadas ao “novo normal”, mas gostaria de me dirigir, agora, a uma das que me chama atenção: a ressignificação da casa. A casa vem assumindo um papel diferente na vida das pessoas e impactando nossos rituais e consumos. Recentemente, por exemplo, numa “live”, uma consultoria apontou o crescimento na venda de ingredientes para fazer o pão – fermentos, farinhas, etc. – e imediatamente me lembrei que realmente não havia encontrado trigo integral para comprar, justamente, para fazer uma receita de pão.

Ou seja, não é teoria, é prática. E isso é uma nova aventura, um novo patamar culinário, sem precedentes na família. Sem empregados domésticos – também em quarentena – relembramos o caminho do fogão e da lavanderia. Num primeiro momento forçados, mas, aos poucos, começamos a tirar aprendizados e prazeres dessas experiências. O ritual culinário, agora, se mistura com o gastronômico, que para muitos, antes, se restringia aos restaurantes.

O consumo de conteúdos também assumiu outro patamar. De repente, percebemos que aquela televisão, que andava meio esquecida, estava com seu prazo de validade vencido; e uma smart TV se transformou num artigo de primeira necessidade. O Netflix é o rei, com todas suas séries e filmes a um clique, mas também satura. E novos hábitos são adquiridos e, provavelmente, não serão esquecidos após a quarentena. O entretenimento doméstico e familiar ganhou uma importância que, há tempos, inexistia. Eu, que tenho o privilégio de morar em casa numa metrópole, redescobri o jardim, a mesa de ping-pong e o colchonete empoeirado, agora, namorando com os halteres e o Nike Training.

Os rituais de beleza também surpreenderam. Com cabeleireiros fechados, só nos restou aprender a pintar o cabelo em casa – descobrindo que se compra todo o necessário, mesmo importados, por comércio eletrônico, com entrega em poucos dias. Cortar o cabelo também virou diversão para as crianças. E o que parecia complicadíssimo, provou-se relativamente fácil. Novas práticas, novos consumos.
O trabalho, finalmente, ganhou a licença que precisava para adentrar a casa sem timidez. Tivemos de encontrar seu lugar ideal – já que são vários em home-office e home schooling, simultâneos, em lives e webconferências – e, de repente, sons e backgrounds domésticos começaram a invadir o universo externo (e vice-versa) embaralhando seus códigos de ética e rituais. Daí surgem novos pactos familiares e profissionais, além de compras de produtos que nos ajudem a equacionar essa nova realidade. Em casa, foram fones e mobiliários, por exemplo.

Em geral, a casa e a rua se complementam e disputam espaço na vida de cada um. Nesse “novo normal” a casa nos fez encontrar, nela, as respostas para demandas que buscávamos em lugares, sem saber que estavam ali mesmo, em casa.

Cecília Andreucci é conselheira de administração, mestre em consumo e doutora em comunicação.