Uma das marcas que Steve Jobs deixou ao longo de seu bem-sucedido período no comando da Apple foi a capacidade de criar produtos tão desejados que costumavam levar consumidores a acampar de madrugada para se antecipar à chegada das primeiras unidades nas lojas. Na quarta-feira 17, uma cena semelhante tomou pontos de venda do Canadá. Não eram unidades de varejo da marca de tecnologia. Em vez de iPhones e iPads, mercados autorizados pelo governo atraíam clientes ávidos pela oferta legalizada de maconha e consagravam o status da planta como uma mercadoria de fato, a exemplo dos aparelhos criados por Jobs. Ao se transformar na segunda nação a autorizar o uso recreativo da droga, o país abriu as portas para a consolidação de uma indústria bilionária, num experimento ousado, cercado de oportunidades e controvérsias.

O novo marco era uma promessa de campanha do atual primeiro-ministro, Justin Trudeau. Cada canadense poderá portar até 30 gramas, uma quantidade considerada suficiente para confeccionar cerca de 60 cigarros. Também passa a ser permitido a plantação de até quatro mudas da planta por casa. As mudanças devem atrair um novo público para o consumo e movimentar pouco mais de US$ 4 bilhões em 2019, segundo a Deloitte. A consultoria estima ainda um adicional de US$ 1,8 bilhão em vendas relacionadas ao uso medicinal da planta e mais US$ 1 bilhão movimentados informalmente. No total, sem incluir produtos comestíveis, que ainda são proibidos, o mercado da maconha deve movimentar US$ 7 bilhões.

Liberdade celebrada: consumidor observa placa indicando o fim da proibição do uso recreativo no Canadá, onde os entusiastas poderão comprar 30 gramas e plantar até quatro mudas da planta em casa

O Canadá foi um dos primeiros países a autorizar o consumo medicinal da maconha, em 2001. No ano passado, 4,9 milhões de canadenses fizeram o uso controlado da droga, com um consumo médio de 20 gramas per capita. A liberação levou os empresários a despertarem para o nicho antes mesmo da votação que tornaria o país na primeira nação desenvolvida a liberar o uso recreativo – em 2013, uma lei do Uruguai já havia autorizado o uso da cannabis para fins recreativos. Ao menos dez grandes companhias operam no mercado da maconha canadense, algumas delas com capital aberto na Bolsa. Juntas, elas somam um valor de mercado de pouco mais de US$ 32 bilhões. A cifra revela mais o entusiasmo com o novo ramo do que de fato um desempenho invejável nos números. A Canopy Growth, uma das maiores do segmento, é prova disso. A empresa reportou perdas de US$ 70 milhões no trimestre terminado em junho deste ano.

O momento histórico do dia formal da liberalização atraiu uma série de curiosos, não só consumidores ou potenciais compradores. A expectativa é o ingresso de um perfil mais conservador para o mercado formalizado da maconha, pessoas na faixa de 35 a 45 anos, e interessadas no uso esporádico, de menos de uma vez ao mês, segundo o levantamento da Deloitte. A principal razão do interesse recreativo da planta é justificada como uma alternativa para relaxamento e auxílio do sono, seguida de redução da ansiedade e a diversão entre amigos.

Além do Uruguai, nove Estados americanos já autorizam o uso recreativo da maconha. A Califórnia é o maior deles. Somada ao Canadá, a previsão é que os dois mercados alcancem US$ 13,2 bilhões em 2022, com uma fatia de 41% da indústria mundial, segundo dados da consultoria BDS Analytics, de inteligência de mercado voltada para os produtos relacionados à maconha. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou, em 2015, pacientes a usar as receitas médicas para obter autorização de importação de medicamentos derivados da maconha, uma alternativa já usada por mais de 4.000 pessoas no País. A canadense MedReleaf inaugurou um braço local e a Canopy Growth também estuda a abrir operações no Brasil. A companha já tem escritórios no Chile e comprou recentemente um negócio na Colômbia.