Definir 2020 como “desafiador” é o eufemismo dos últimos 100 anos. Conta-se nos dedos quem não deseje um 2021 mais previsível. No entanto, isso não está garantido. Desde 2005, os relatórios de risco divulgados anualmente pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) vinham advertindo contra a ameaça de uma pandemia. Ninguém prestou atenção. Agora que o risco de uma pandemia tornou-se uma realidade, seria um bom exercício de humildade ouvir os alertas dos especialistas sobre as futuras ameaças à estabilidade de sociedades, de empresas e de investimentos no ano que se inicia.

Em primeiro lugar estão os riscos derivados da própria pandemia. “As mudanças no trabalho aumentaram muito a atividade virtual, o que abriu mais espaço para os crimes digitais”, disse o CEO mundial da consultoria Control Risks, Nick Allan. Além de facilitar o trabalho dos criminosos, a maior digitalização das relações ampliou o fosso que separa quem lida bem com o mundo virtual dos analfabetos digitais. Segundo a edição mais recente do relatório de riscos globais do FEM, divulgada na terça-feira (19), “bilhões de cuidadores, trabalhadores e estudantes, em especial as minorias que já se encontravam em desvantagem antes mesmo da pandemia, estão agora em risco de perder o caminho para sociedades novas e mais justas”.

As medidas tomadas pelos governos para compensar a crise também provocam efeitos colaterais. Pelos cálculos dos especialistas, apenas nesta pandemia os bancos centrais dos países desenvolvidos despejaram US$ 10 trilhões em liquidez nos mercados financeiros, para impedir que as rodas da economia travem. Desde a crise do subprime, em 2008, já são US$ 25 trilhões. Esse dinheiro tem um efeito benéfico, que é impedir uma quebradeira em série de bancos, privando pessoas de suas poupanças e empresários de capital e crédito. Porém, tanto capital sendo injetado sem contrapartida real provoca movimentos inflacionários. Pode ser uma inflação nos preços dos ativos, como criptomoedas. Podem ser ações. E podem ser commodities, como minério de ferro e grãos de soja, o que provoca um aumento de preços de produtos básicos e, no limite, reduz a renda dos trabalhadores mais pobres.

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“As mudanças no trabalho aumentaram muito a atividade virtual, o que abriu mais espaço para os crimes digitais” Nick Allan, CEO global da Control Risks.

CADEIAS DE SUPRIMENTOS Segundo Allan, da Control Risks, o resultado mais imediato é uma ruptura das cadeias globais de suprimentos. Entre o fim dos anos 1980 e meados da década passada, a tendência crescente das empresas e dos países foi arrumar suas indústrias ao longo de cadeias globais de suprimentos. Empiricamente, os dados demonstram que integrar economias aumenta a riqueza total. O problema é que a distribuição dessa riqueza é desigual. A distância entre os trabalhadores capacitados para surfar na onda da globalização e aqueles que não têm essa capacidade só faz aumentar.

A consequência disso é uma exacerbação da política, com o crescimento das propostas extremistas, nacionalistas de xenófobas. Ainda segundo o relatório, a pandemia elevou a fragmentação social. Se os governos não tomarem medidas ativas e efetivas para impedir essas ondas nacionalistas, a fragmentação social vai ameaçar a economia, algo que será sentido a partir de 2024. Se nada for feito, a partir de 2027 será possível perceber fissuras na estabilidade geopolítica. E uma das conseqüências negativas é a piora das condições ambientais. Preservar os recursos naturais deixou de ser um trabalho de um ou outro governo, mas tem de ser feito por blocos econômicos, que enfrentam questões como pegadas de carbono, exaustão de recursos naturais como a água, e contaminação do solo. Porém, refluxos na integração econômica entre países tornam ainda mais difíceis essas tarefas, que já não são fáceis quando todos concordam.

Há alguma solução a curto prazo? No entender do Fórum Econômico Mundial, não existem mágicas, apenas trabalho e uma aposta na diplomacia e na inclusão. “Quando os governos, as empresas e as sociedades começarem a emergir da pandemia, eles deverão mudar os sistemas econômicos e sociais para melhorar a capacidade coletiva de responder a choques”, disse o principal executivo do Fórum, Saadia Zahidi.