Déficit e endividamento históricos, baixa arrecadação e recuperação incerta. Esse é o cenário que Bruno Funchal terá de enfrentar ao assumir a cadeira de secretário do Tesouro Nacional a partir do dia 31 de julho, no lugar de Mansueto Almeida. Apesar de o desafio fiscal parecer grande — e é —, o principal problema do novo membro da equipe de Paulo Guedes não são os números ruins, mas a política. Em ano eleitoral, as pressões do centrão da Câmara dos Deputados aumenta e, diante do noivado do presidente da República com a ala mais fisiológica do Congresso, desviar de gastos com afagos políticos se torna ainda mais difícil.

Apesar de surpreendente para o mercado, a saída de Mansueto Almeida da secretaria já era trabalhada dentro do Ministério da Economia desde maio, quando o então chefe do Tesouro externou seu desejo ao ministro Paulo Guedes e se comprometeu a ajudar na transição do substituto. Escolhido diretamente por Guedes, Bruno Funchal é pós-doutor em economia pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e já era da equipe econômica desde o início do governo, como diretor de Programas do Ministério da Economia. O que saltou aos olhos de Guedes, no entanto, foi o trabalho no governo do Espírito Santo, estado com melhor situação fiscal do País. “Em 2017 e 2018, Funchal foi Secretário de Fazenda estadual e um dos responsáveis pelo processo de ajuste das contas públicas. Estava no cargo quando o estado foi o único que recebeu nota A do Tesouro Nacional”, afirmou Guedes, em nota.

MEIO DE CAMPO Com pouco espaço para negociar com Paulo Guedes, parlamentares tentarão obter recursos com o novo secretário do Tesouro. (Crédito: MJS )

Paulo Hartung (MDB), que era o governador capixaba na execução do plano de controle fiscal, acredita que o novo secretário está pronto para o cargo. “Ele possui, entre muitos outros atributos, a tranquilidade para tomar as decisões complexas que o atual momento exige e para cumprir a missão desafiadora de dar continuidade ao bom trabalho feito pelo Mansueto Almeida”, disse Hartung à DINHEIRO. Em como com o ex-governador, o mercado financeiro recebeu com entusiasmo o nome de Funchal. Por ter em Mansueto o fiel da balança no plano de reajuste fiscal, a mudança de cadeira poderia gerar apreensão entre os agentes financeiros. Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, é dos que viu com alívio a escolha. Para ele, “o novo secretário está alinhado às diretrizes de Mansueto”.

PEDRA NO SAPATO Segundo dados do Ministério da Economia, o déficit das contas públicas, que estava projetado em R$ 124,1 bilhões no início do ano, pode chegar a R$ 675 bilhões em 2020 em função da Covid-19. Já o endividamento público (76% do PIB em 2019), depois de descer abaixo dos 70%, pode alcançar 93,5% neste ano. Para o professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da UFRJ Sérgio Benedito Frias o desafio é mostrar ao mercado “que esses números não extrapolarão o período da pandemia”.

Se para o mercado a chegada de Funchal parece resolver o problema, há ainda um importante elemento nessa equação: os políticos do centrão. Conhecidos pelo caráter fisiológico em suas decisões políticas, os deputados que hoje formam uma rede com mais de 150 votos na Câmara são essenciais para manutenção do governo Bolsonaro. Com o apoio dessa ala do Congresso, o próprio Guedes teria mais facilidade para aprovar pautas econômicas, mas isso teria um custo. Com o ministro pouco aberto à negociação de recursos para políticos, boa parte dos membros do centrão deixou de procurar Guedes e deve se dirigir ao novo guardião da chave do Tesouro Nacional.

SAÍDA HONROSA Durante processo de transição, Mansueto dará todo suporte para que Funchal consiga entender as diretrizes da gestão anterior e dar sequência ao trabalho que era visto com simpatia pelo mercado. (Crédito:Divulgação)

Em condição de anonimato, um parlamentar ligado ao centrão afirmou que as conversas com Funchal começam assim que ele assumir o cargo. “Em ano eleitoral é importante buscarmos recursos para nossas bases. A estrutura política brasileira se fez nesses termos. Não há nada de ilegal nisso”, afirmou. A escolha de Guedes agradou também dentro do bloco de partidos chamados independentes. Pedro Paulo (DEM-RJ), que foi relator do Plano Mansueto, sobre as recuperações fiscais dos estados, afirmou que a escolha foi feliz. “Ele conhece a vida real e tem um bom vínculo com o Congresso.”