Em 1761, a igreja católica era liderada por Clemente XIII, que permitiu traduções da Bíblia pelo mundo. O Brasil vivia uma grande reestruturação promovida pelo Marquês de Pombal, secretário de Estado durante o reinado de D. José I, após os jesuítas serem expulsos do País. A Europa passava por ebulição com a Guerra dos Sete Anos (1756 a 1763), e batalhas entre diversas monarquias. Em um dos lados desse conflito estava a França, sob comando de Luís XV. A 800 quilômetros dali, em Stein, na Baviera alemã, trabalhava o marceneiro Kaspar Faber, alheio às movimentações que alterariam parte da história geopolítica mundial. Estava mais preocupado em criar seu negócio de lápis. Foi nesse contexto que fundou a empresa que carrega em seu logotipo dois cavaleiros medievais e abaixo deles a inscrição “Desde 1761”.

Símbolo e referência de incríveis 261 anos de tradição, tornou-se uma multinacional líder global em materiais de escrita, desenho e design criativo. Como desdobramento de seus famosos lápis, estendeu a produção para o setor de cosméticos, produzindo desde 1978 no Brasil itens de maquiagem. Além de lápis retráteis e líquidos para olhos e lábios, fabrica máscara de cílios, que são comercializados por grandes marcas nacionais e internacionais.

Agora, em pleno século 21, em meio à maior transformação tecnológica e de conexão da humanidade, a Faber-Castell desenha sua terceira linha de negócios, ancorada na inovação com oferta de serviços digitais. A operação brasileira é a maior da companhia no mundo, responsável por um terço do faturamento de 555 milhões de euros, segundo fontes do mercado. E é daqui que a empresa comanda os contornos dessa transformação. No Brasil está o hub de ideias e ações que vão se espalhar para outros países.

A expectativa é de que essa terceira fonte de receita seja responsável por 25% do faturamento da empresa no País até 2026. Hoje é zero. A folha está em branco e seus primeiros traços estão sendo delineados neste momento. A revolução digital é interna e também de todo o ecossistema de parceiros. “A partir da disseminação de uma cultura e de processos”, disse Marcelo Tabacchi, CEO da Faber-Castell Brasil. Com isso, o executivo acredita que a empresa terá como propósito “criar soluções e serviços que contribuam para que os brasileiros utilizem o potencial criativo para melhorar suas vidas e construir um mundo melhor”.

Claudio Gatti

“A escolha de um investidor não se resume apenas à parte financeira. No caso da Faber-Castell, valorizamos muito a consultoria que a marca nos oferece” Danilo Yoneshige fundador da Layers Education.

Desde 2015 a companhia possui projetos de inovação. Mas apenas a partir de meados de 2020 é que começou a estruturar o setor de fato. Trouxe para comandar esse processo Bruna Tedesco, então vice-presidente de Marketing e Inovação da Bimbo Brasil, onde atuava havia 11 anos, e com passagens por Whirlpool e Kodak. A diretora de Novos Negócios e Inovação da Faber-Castell tem orçamento próprio (o valor não foi revelado) e uma equipe transversal que só cresce. Organizou sua área em três pilares: a Corporate Ventures Capital (CVC), de investimentos em startups; a Edux, de soluções principalmente para escolas (B2B); e a Imagine, de produtos digitais voltados a consumidor final (B2C). “É uma companhia grande, forte e líder. Aproveitamos essa situação para fomentar novos negócios. Temos um projeto ousado”, disse Bruna.

Nos últimos dois anos, o trabalho foi criar, testar e colocar em prática — e em escala — os produtos e serviços pensados pela área de inovação. Os que tiveram aderência começaram a ser oferecidos ao mercado neste ano. Justamente no período em que as instituições de ensino voltaram com força total, após lockdowns. “Todos estão com sede de novidades”, afirmou a diretora. Disponibilizar um serviço da Faber-Castell pode ser o diferencial da escola para atrair novos alunos. É oportunidade de incluir mais cores nas receitas. De preferência, o azul dos lucros.

Para Thiago Chaer, especialista em negócios do setor educacional, a Faber-Castell cria “um movimento inteligente” ao usar seu repertório e a força da marca construídos durante mais de dois séculos e meio para fazer uma virada no modelo. De totalmente dependente do off-line para o on-line. “Com serviços digitais terá escala, presença em canais que não tinha e recorrência. Existe um universo não conhecido que pode explorar”, disse Chaer, gerente de Transformação e Novos Produtos no Rehagro e cofundador da Future Education. “Tem tudo para dar certo.”

E tem dado. As soluções para escolas já estão em diversas instituições, entre elas o Colégio Santo Américo, um dos mais tradicionais da capital paulista, que adotou o conceito de Aprendizagem Criativa oferecido pela Faber-Castell. A comunidade escolar da cidade de Itabirito (MG) também tem acesso ao conteúdo, a partir de parceria da companhia alemã com a Vale. O programa foi desenvolvido pela empresa centenária em parceria com o pesquisador Leo Burd, do MIT Media Lab, laboratório do Massachusetts Institute of Technology. A Faber-Castell oferece kits de materiais, treinamentos para educadores, um programa curricular que visa desenvolver o potencial criativo dos alunos e uma matriz de avaliação para medir a criatividade.

APRENDIZAGEM DIFERENCIADA Diretora de Novos Negócios e Inovação, Bruna Tedesco destaca a formação a partir de soft skills. “Para as hard skills, as máquinas vão resolver de maneira mais eficiente. As habilidades comportamentais são a beleza humana”. (Crédito:Claudio Gatti )

Segundo Bruna Tedesco, a criatividade é considerada o soft skill do futuro. “Para as hard skills, as máquinas vão resolver de maneira mais eficiente. As habilidades comportamentais são a beleza humana e temos trabalhado isso.” A Aprendizagem Criativa da Faber-Castell já é utilizada por 15 mil alunos. Foi ampliada da primeira fase do Ensino Fundamental (1ª a 5ª séries) para a segunda fase (6ª a 9ª séries) e alcança mais estudantes. Ganhou versão digital, com conteúdos e funcionalidades que aprimoram a experiência dos estudantes.

Para pais e alunos, em venda direta ao consumidor por sistema de assinatura, a Faber-Castell tem em seu portfólio digital o produto A Hora da Invenção, que nasceu na pandemia diante da necessidade latente de as famílias ocuparem o tempo dos filhos em casa com conteúdo educacional de qualidade, fora do horário das aulas. Em sessão de 1h30 mediada por especialista, as crianças desenvolvem ideias, prototipação, pensamento crítico e oralidade. Essa atividade também está disponível para as escolas.

CONCEITO CRIATIVO Em parceria da Faber-Castell com a Vale, escolas da cidade Itabirito (MG) recebem o programa Aprendizagem Criativa. (Crédito:Divulgação)

STARTUPS Para manter o fluxo de inovação, parte das soluções precisa nascer fora da companhia. E é por meio da Corporate Ventures Capital que a Faber-Castell investe em startups. Não só investe. Oferece mentoria, ajuda a estruturar o negócio, disponibiliza expertise de sua máquina de vendas para escalar e trabalha junto na criação de produtos. É parceria com as startups geralmente mais maduras, mas que têm dificuldade de acessar as escolas e o mercado de educação. Nisso a companhia alemã dá aula. A empresa visita anualmente 10 mil escolas no País. E tem toda abertura que a marca pode proporcionar. Isso abre portas para as startups. “É o grande ativo”, disse Bruna. Foram abertas conversas com 90 startups que têm propostas disruptivas para a educação. Pelos próximos dois anos, a ideia é fechar aportes em ao menos dez. Até agora, três já têm contratos com a Faber-Castell. Uma delas é a edtech Jovens Gênios, que usa Inteligência Artificial e gamificação para tornar o processo de aprendizado dos alunos mais lúdico e divertido. São 100 mil estudantes usando a ferramenta hoje. Até o final de 2022, planeja atingir faturamento de mais de R$ 10 milhões. Outra é a Layers Education, um superapp de educação que unifica informações e atividades de professores, gestores, alunos e pais. Graças ao aporte financeiro e ao conhecimento aplicado pela Faber-Castell, a startup saltou de 90 mil alunos atendidos em 2020 para 350 mil, e triplicou o faturamento anual.

Danilo Yoneshige, fundador da Layers Education, comemora os resultados. “A escolha de um investidor não se resume apenas à parte financeira. No caso da Faber-Castell, valorizamos muito a consultoria que a marca nos oferece”, disse. “Além disso, a companhia traz uma isenção dentro do mercado educacional que permite transacionar nossos produtos e serviços em diferentes segmentos, sem gerar conflito de interesse.” A mais recente a receber aporte da Faber-Castell é a Essia. Nasceu em 2019 como uma plataforma digital de aprendizado interativo e utiliza dados para gerar insights relevantes e automatizados sobre performance e engajamento dos alunos. Atualmente, 150 escolas usam a ferramenta que impacta 30 mil alunos. A expectativa é alcançar 300 escolas neste ano e internacionalizar o negócio.

E assim, envolvida com a tecnologia do século 21, essa jovem senhora nascida em 1761 rejuvenesce para encarar seus próximos 261 anos.

RELEVÂNCIA NA OPERAÇÃO E NO COMPROMISSO SOCIOAMBIENTAL

Divulgação

A Faber-Castell está no Brasil desde 1930. A operação brasileira é formada por quatro unidades: uma de produção em São Carlos (SP), uma de mudas e operações florestais com industrialização da madeira em Prata (MG), uma de fabricação de produtos plásticos em Manaus (AM) e uma área de preservação permanente em Morretes (PR). São fabricados 2,3 bilhões de ecolápis de madeira plantada por ano no País, onde são produzidos 1 mil itens que abastecem 70 países. São 3 mil colaboradores por aqui, outros 3,5 mil espalhados pelo mundo e 1 mil na Alemanha, onde está a sede.

Marcelo Tabacchi, CEO da Faber-Castell Brasil, ressalta que a relevância do País, que representa a maior operação do grupo no mundo e o hub global de inovação para a companhia, também se reflete no compromisso socioambiental. “Na década de 1980, foi a primeira empresa a plantar suas árvores e que hoje abastecem 100% da produção local de lápis”, disse o executivo, ao observar que os mais de 10 mil hectares de florestas da empresa no território nacional absorvem mais de 900 mil toneladas de dióxido de carbono, servindo não apenas como fonte sustentável de matéria-prima, mas também para compensar 100% da pegada de carbono das unidades de produção em todo o mundo.

Ao mesmo tempo em que investe nas soluções ambientais ­­— e digitais — a Faber-Castell também avança em seu core. O portfólio de materiais escolares, de escritório e de desenho profissional é incrementado rotineiramente. Entre as últimas novidades está o primeiro lápis grafite fosco, chamado de Pitt Matt. É mais uma inovação da marca que foi a pioneira a ter um lápis 14B para o mercado brasileiro. Com o Pitt Matt, a empresa tirou o brilho do grafite dos lápis, uma demanda de artistas e hobbistas. Com reflexo reduzido no papel, os desenhos ganham maior densidade do tom e efeito de profundidade, excluindo reflexos indesejados, principalmente em obras de maior realismo.

No campo dos produtos vedetes da Faber-Castell, destaque para o Estojo Art & Graphic com 120 cores de Polychromos (foto). Os lápis são feitos de madeira Wengé, com grafite supermacio e alta concentração de pigmentos, para maior intensidade e vivacidade das cores. Preço médio: R$ 3.499 no site da marca. Também há uma linha vasta de lapiseiras e as tradicionais canetas, que vão desde tinteiros, passam por esferográficas e vão até o modelo rollerball. Traçar a história, afinal, sempre foi o DNA da marca.