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Sexta-feira, 15 de setembro de 2000, 16h30. O co-presidente do Conselho de Administração da Ambev, Marcel Telles, atravessa o salão principal da Bolsa de Valores de Nova York e toca um sino, o tradicional e centenário marco de encerramento do pregão. As badaladas também sinalizavam a conclusão do lançamento de American Depositary Receipts (ADRs), no valor de R$ 3,8 bilhões. A Brahma já havia colocado esses papéis no mercado e, com a fusão, era necessário substituí-los pelos da Ambev.

Foi um dia inesquecível para Telles por pelo menos duas razões. Primeira: ao seu lado, durante a cerimônia na Bolsa de Nova York, estava Giselle Bündchen, a supertop model brasileira, uma das mais belas mulheres do mundo. Segunda: com o lançamento, a Ambev dava o passo decisivo para concretizar aquele que foi o principal argumento para a união dos dois antigos adversários, a criação da maior multinacional verde-amarela. ?Em uma economia cada vez mais globalizada, o grande trunfo das empresas encontra-se na presença e no posicionamento global?, diz Telles.

Wall Street, centro financeiro do capitalismo mundial, viveu um dia brasileiro. A rua estava decorada com plantas naturais representando a floresta amazônica. Desde as 11h30, analistas, operadores e financistas foram agraciados com cerca de 6 mil latinhas do Guaraná Antarctica. Longe dali, da sede da Ambev, no sétimo andar do Centro Empresarial de São Paulo, Magim Rodriguez, o presidente da empresa, acompanhava atenciosamente o desenrolar do evento. Afinal, enquanto Telles atirava-se aos contatos com autoridades, analistas, jornalistas, Rodriguez cumpria um rigoroso dever de casa. Cabia a ele forjar a união em prazo recorde e manter a Ambev como exemplo de empresa eficiente. Os dois objetivos parecem ter sido atingidos. Seis meses após a aprovação pelo Cade, em 30 de março, todos os processos administrativos e industriais da Brahma e da Antarctica estão unificados. Das linhas de produção das 50 fábricas, sairão produtos de todas as marcas comercializadas pela Ambev. A linha de refrigerantes e cervejas da empresa será drasticamente reduzida. Se você não conhece marcas como Kass e Pop, não se preocupe: em breve, elas deixarão de existir. O número de fábricas de refrigerantes também passará pela tesoura. A ?limpeza?, como diz Rodriguez, é necessária para que a Ambev não perca a posição conquistada pela Brahma. ?Apenas uma cervejaria no mundo, a South Africa Brewery, tem custos menores do que os nossos?, diz Rodriguez. ?Somos mais eficientes do que Budweiser e Heineken. Em 2001, seremos os primeiros?, afirma ele. Esse é um terreno no qual Rodriguez movimenta-se com facilidade e satisfação. ?Sou fanático por custos.? O raciocínio é simples, segundo ele. Das variáveis que afetam o resultado final, apenas os custos estão inteiramente sob controle da empresa. As receitas dependem do humor (e do bolso) dos consumidores. Os ganhos financeiros estão ligados ao comportamento dos juros. ?Por isso, nossa maior vantagem são os custos?, diz ele. No caso da Brahma, o sinal amarelo acendeu-se em 1998. Na ocasião, depois de 8 anos consecutivos recebendo bônus, os funcionários não viram a cor do dinheiro, pois o lucro da companhia ficou abaixo da meta preestabelecida. Uma análise feita pelos executivos da companhia revelou que os custos fixos eram o grande ralo pelo qual o dinheiro escorria. ?Não sabíamos exatamente como eram compostas nossos gastos?, diz Daniela D?ippolito, especialista em orçamento da Ambev. ?Durante anos, simplesmente aplicávamos um índice de redução no orçamento do ano anterior, sem saber se o valor de cada despesa correspondia à realidade.? A solução seria começar tudo a partir do zero, ou seja, estudar as despesas uma por uma, para identificar os possíveis excessos (ou carências) nos gastos de cada item. Só então o orçamento era elaborado. Essa metodologia foi batizada de Orçamento Base Zero, ou OBZ. É verdade que a idéia foi recebida internamente com algum ceticismo ou ironia ? os funcionários traduziam OBZ como Outro Bônus Zero. As brincadeiras acabaram assim que o orçamento de 1999 saiu do papel. A economia nos custos fixos atingiu R$ 152 milhões em relação a 1998. O desafio, então, foi manter a tendência de queda livre nos gastos. ?Investimos em duas frentes, a motivacional e a técnica?, diz Rodriguez.

 

 

Um ingrediente fundamental na motivação é o programa de remuneração variável. Todos os funcionários da companhia têm metas a cumprir. Caso sejam atingidas recebem uma bolada extra no final de cada ano. Em 1999, o pessoal administrativo, por exemplo, recebeu bônus anuais de 7 a 14 salários. ?Sem a perspectiva de ganho financeiro, não há redução de custos que seja bem-sucedida?, diz Rodriguez. Ao mesmo tempo, Rodriguez e sua equipe criaram um sistema para controle dos custos fixos. As despesas foram divididas em 10 grandes ?pacotes?: manutenção, gente, informática, etc. Cada um desses grupos foi entregue a um ?dono?, sempre um diretor corporativo. Além de suas atividades normais, ele seria o responsável, ao longo do ano, pelo controle, acompanhamento e principalmente redução nos valores de cada pacote. Para ajudá-lo na tarefa, cada unidade da empresa (industrial, comercial ou de distribuição) elegia um dono local de pacote. ?São os xerifes dos custos fixos? diz Daniela. Há resultados surpreendentes. Na fábrica de Jacareí, em São Paulo, os gastos fixos caíram de R$ 29 milhões em 1999 para menos de R$ 19 milhões este ano. ?Desenvolvemos dezenas de projetos para reduzir custos?, diz Olavo Alff, gerente da unidade (veja exemplos acima). Essa revolução aconteceu em um momento crucial na vida da Brahma ? justamente quando a empresa estava incorporando sua histórica rival, a Antarctica. ?Não podíamos deixar a companhia cair na paralisia enquanto trabalhávamos na fusão?, diz Adílson Miguel, responsável pela união das duas companhias. Por isso, apenas um grupo reduzido de funcionários das antigas concorrentes foi designado para construir a ponte em direção à Ambev.

Reunidos em uma grande sala na sede da Antarctica, um antigo prédio no bairro paulistano da Moóca, cerca de 60 profissionais estudaram 300 processos administrativos, comerciais e industriais das duas companhias. Em cada grupo de trabalho havia um representante da Antarctica e um da Brahma. ?A Antarctica tinha grande vantagem, pois, ao contrário da Brahma, era usuária do SAP, o software de gestão adotado pela Ambev?, diz ele. Não se pode falar o mesmo sobre o comando da nova companhia. Nele predomina claramente a herança da Brahma ? dos 14 diretores corporativos, 13 pertenciam aos seus quadros. O outro foi recrutado no mercado. Nas demais funções gerenciais, houve mais equilíbrio. Cerca de 40% são remanescentes da Antarctica. O sigilo foi absoluto. Havia um crachá especial para o ingresso na War Room, como foi batizada a sala da Moóca. Todos os participantes utilizavam uma única impressora e uma só copiadora, ambas instaladas na sala dos quatro coordenadores da fusão. O papel utilizado nos equipamentos e nas reuniões era cor de rosa. ?Assim era mais difícil que atas e documentos referentes ao trabalho circulassem fora da sala?, diz Miguel. Com lição de casa feita, a Ambev estava pronta para ir a Nova York, promover a troca de ADRs e desencadear o processo de internacionalização. As próximas ações estão definidas:

 

? Até o final do ano, a empresa lançará um bônus de cerca de US$ 300 milhões nos Estados Unidos e na Europa. O dinheiro servirá principalmente para reduzir a dívida de curto prazo;

? Em alguns meses, uma cidade ?tipicamente americana?, nas palavras de Rodriguez, será o laboratório de testes para o lançamento do guaraná Antarctica no mercado americano. Até 2001, a Ambev espera colocar o refrigerante em bares e supermercados de 175 países. Para isso, contará com a rede de distribuição da Pepsi;

? Aquisições de empresas em outros países devem se concretizar. A mais eminente é a compra da segunda cervejaria do Uruguai em parceria com o grupo Danone. Outros mercados, como o Chile, estão sendo analisados com carinho.

São os planos mais ambiciosos desde que Antarctica e Brahma nasceram no século 19. Nos 100 anos seguintes, as duas consumiram suas forças se digladiando no mercado. Agora, juntas, procuram garantir a sobrevivência em uma economia cuja tônica é a globalização. O lançamento das ADRs parece ter sido o um decisivo e bem-sucedido início de trabalhos.