Em Santa Catarina, um plano para melhorar o saneamento em cidades pequenas, anunciado há meses, deve, em breve, ganhar o impulso que falta para sair do papel. Em Alagoas, o governo estadual se mobiliza para estruturar operações financeiras que ajudarão na duplicação da rodovia que liga a capital à segunda maior cidade alagoana. Em São Paulo, obras como a do metrô e a do rodoanel devem contar com uma injeção extra de recursos. Em comum, os planos dos Estados consideram novas concessões de créditos, hoje inacessíveis devido à baixa classificação de risco (ratings).

A nota de cada um é calculada pelo Tesouro Nacional e serve de referência para ditar quem pode obter garantias da União em empréstimos de organismos financeiros internacionais, por exemplo. Mas uma revisão da metodologia do rating, coordenada pelo Tesouro Nacional, está em fase final de consulta, numa tentativa de olhar menos para a condição passada das contas e mais para o presente e o futuro, abrindo espaço para melhorar a classificação dos Estados com ajustes fiscais em curso. Na prática, significaria resgatar o acesso a mais financiamentos no Brasil e no exterior.

George Santoro, secretário da Fazenda de Alagoas: “Temos feito um grande esforço fiscal e isso será reconhecido” (Crédito:Ruy Baron/Valor)

A mudança busca aprimorar a avaliação da capacidade de pagamento, de modo a diminuir o risco de inadimplência nas concessões garantidas pelo Tesouro Nacional. Atende ainda a uma reivindicação antiga dos Estados, de diminuir o peso do estoque histórico de dívidas no cálculo da nota e dar ênfase aos esforços de aperto no curto prazo. Hoje, a fórmula acaba possibilitando a boa avaliação de administrações com baixo endividamento, mas com problemas de caixas, e alija outras na situação oposta.

A cobrança por uma revisão vinha sendo liderada por São Paulo, que chegou a responsabilizar a União pela retração do investimento no Estado num momento em que a crise afeta as receitas próprias destinadas às obras. “A metodologia atual coloca um peso excessivo na questão da dívida e nisto São Paulo sai muito prejudicado por questões do passado”, afirma o secretário de Fazenda, Helcio Tokeshi. “A mudança se traduzirá em mais investimentos.” As notas do Tesouro Nacional variam de A (melhor nível) até D (pior avaliação).

A União só oferece garantias para quem tem avaliação a partir de B. Pelos cálculos da Fazenda paulista, a classificação do Estado deve subir de C para B com a revisão. A mesma avaliação é feita pelas secretarias de Santa Catarina e Alagoas, atualmente classificados com índice C. “Temos feito um grande esforço fiscal e isso será reconhecido nesses índices”, afirma o secretário de Finanças de Alagoas, George Santoro. “Pela metodologia atual, o Estado com esforço fiscal não tem nenhum benefício.”

Até Estados com notas baixas se animam, embora a experiência recente mostre que os governadores nem sempre se esforçam o bastante. Nos cálculos da Fazenda goiana, classificada como D na última avaliação, a nota deve subir para C na próxima divulgação. Se considerada a nova metodologia, é possível que alcance B, segundo o superintendente-executivo da secretaria, Silvio Vieira da Luz. Além de acesso a mais linhas de crédito, Luz destaca o ganho financeiro de contar com o aval federal, capaz de reduzir em 30% o custo das operações.

Helcio Tokeshi, secretário da Fazenda de São Paulo: “A metodologia atual coloca um peso muito grande na dívida” (Crédito:Mauricio Garcia de Souza)

MAIS SIMPLES Para dar mais agilidade, a nova metodologia de avaliação da capacidade de pagamento dos Estados reduz de oito para três os números de indicadores apurados pelo Tesouro Nacional e elimina uma fase de consulta. Passam a ser considerados indicadores de poupança e liquidez, além do endividamento, que terá um peso menor. A fórmula traz uma análise em relação a um espaço mínimo necessário para acomodar pressões futuras nas contas, de despesas como parcelas de dívidas contratadas e o avanço de gastos correntes, como a previdência.

Busca-se assegurar que o Estado tem capacidade de investimento com recursos próprios e não contará exclusivamente com os créditos. O período dos dados considerados cai de três exercícios anteriores para dois no indicador de poupança e um nos demais. Isso ajuda a captar eventuais correções de rota. A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, afirma que o objetivo da revisão não é o de melhorar ou piorar notas individualmente, mas de consolidar uma metodologia que garanta maior segurança sobre a qualidade do endividamento e estimule os governadores a buscar o equilíbrio.

“Como hoje estamos muito centrados nos indicadores de endividamento, Estados que carregam dívidas históricas altas ficam sem incentivo de fazer ajustes e sem capacidade de pagamento por muitos anos”, afirma Vescovi à DINHEIRO. “A mudança é uma forma de dizer que o ajuste fiscal vale a pena.” O texto com as alterações ficará em consulta pública até o final de junho e poderá entrar em vigor a partir de então. O Tesouro adotará maior rigor nas análises. Os prazos de carência para os pagamentos, que chegaram a superar cinco anos, serão limitados em cerca de um ano, para evitar um estímulo aos governadores se endividarem e deixarem a conta para a gestão seguinte.

Além disso, haverá uma avaliação de custos, indicando qual o limite dos juros que será aceito. Fecha-se ainda uma brecha que permitia ao Ministro da Fazenda autorizar excepcionalmente garantias para Estados com notas abaixo de B. No período acumulado entre 2012 e 2015, os avais a Estados com notas C e D superaram as operações para os governos com menor risco. Essas autorizações são investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Hoje, o governo federal está sendo chamado para honrar garantias de inadimplentes. “Se essas regras existissem no passado provavelmente teria se evitado boa parte desse processo”, afirma Vescovi. Só neste ano, foram R$ 826,5 milhões em garantias honradas.

Novo alívio: Temer reuniu governadores no Palácio do Alvorada, na terça-feira 13, para anunciar renegociação nas dívidas com o BNDES (Crédito:Divulgação)

A ideia é tornar os dados mais transparentes. Um site permitirá simular os ratings mensalmente, a cada atualização das estatísticas regionais. Com as inovações, o Tesouro pretende adotar metas personalizadas aos Estados nos Programas de Ajustes Fiscais (PAFs), instrumento criado em 1997 com a renegociação das dívidas e que ajudou a conter os abusos nos últimos anos. “Um Estado com nota A terá até uma folga para tomar mais operações, enquanto o C e D terá de reduzir não só para estabilizar a dívida, mas também para alcançar a sustentabilidade das contas”, afirma Vescovi.

O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), transformado em lei no final de maio, servirá de ferramenta complementar para as administrações em situação crítica, como o Rio de Janeiro (leia mais aqui). O instrumento foi criado para fazer frente às dificuldades atuais nos Estados. No final do ano passado, o Congresso Nacional já havia aprovado uma renegociação que ampliava em 20 anos o prazo de pagamento das dívidas estaduais.

Em jantar no Palácio do Alvorada com governadores, na terça-feira 13, o presidente Michel Temer autorizou uma nova ajuda: condições mais favoráveis para os financiamentos tomados com o BNDES. Os termos estavam previstos no projeto de renegociação no Legislativo, mas ainda não haviam sido implementados. Com uma carência de quatro anos e um prazo adicional de dez anos para os pagamentos, o alívio é estimado em mais de R$ 10 bilhões. Há ainda discussões para ampliar o estímulo a mais linhas do banco estatal.