Empresários de vários setores escalaram um novo alvo prioritário para incrementar seus negócios. Eles estão seriamente preocupados em entender e em atender a avalanche de consumidores situados nas classes de renda C, D e E – que ganham até R$ 5 mil mensais – hoje responsáveis por mais da metade das compras de bens e produtos no País. 

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Klein, da Casas Bahia: “É um cliente com baixíssimo índice de inadimplência
porque a reputação é seu maior patrimônio”

 O esforço para identificar as preferências desse público e assim fidelizar suas marcas junto a ele tem levado os empreendedores a rever conceitos de marketing e a focar seus lançamentos nesse universo. Michel Klein, presidente da Casas Bahia, o maior grupo varejista da América Latina, com mais de mil lojas e faturamento na casa dos R$ 18 bilhões, tem uma receita e uma dica a dar para seduzir a safra em crescimento dos compradores de baixa renda. 

 

A receita: viabilizar, através de linhas de crédito facilitadas, a realização do sonho dessas pessoas. “É um consumidor que vê o produto como um troféu a ser conquistado. Se o ajudamos nisso, ele volta.” A dica: “O maior patrimônio desse comprador é a reputação. 

 

Ele paga em dia porque prima pela liquidez”, diz Klein. Casas Bahia contabiliza uma taxa de inadimplência de menos de 8% nos pagamentos dessa clientela. E obtém grandes resultados atendendo a ela. Vende anualmente 4,5 milhões de mercadorias linha branca, 4,7 milhões de celulares, 1,6 milhão de televisores e 2,2 milhões de aparelhos de som. 

 

O que a experiência da rede tem a mostrar? Que é bom olhar com muita atenção para o apetite insaciável de quem, até bem pouco tempo atrás, vivia praticamente alijado do mercado consumidor. O próprio Klein assinala: o poder de fogo da camada social emergente é maior do que se imagina.

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Atingir de maneira eficaz os anseios desse público requer, em muitos casos, uma mudança de postura empresarial e uma reviravolta no planejamento, elaboração e comercialização dos produtos. A conclusão foi costurada durante o Fórum de Marketing Empresarial, um megaencontro que já em sua primeira edição conseguiu reunir quase 200 executivos durante um final de semana de debates no Guarujá, litoral paulista. 

 

Lá eles trocaram experiências e ouviram sugestões de como agir diante do novo cenário que se apresenta. Organizado pelo LIDE de João Doria Jr. em parceria com os consultores Armando Ferrentini e Adonis Alonso, o Fórum apontou o uso da ferramenta do marketing como uma grande arma nessa caçada. 

 

“O marketing é estratégico para alcançar novos públicos e para fidelizar bons clientes”, afirma Doria. Especificamente no caso da classe “C” está se falando em um alvo de quase 80 milhões de brasileiros, 25 milhões dos quais recém-guindados a essa condição econômica, e que hoje pode ser entendida como a verdadeira classe média do País. 

 

Concentrando mais de 50% da renda nacional, é um universo formado por gente que está viajando pela primeira vez ao Exterior, comprando o primeiro carro ou finalmente realizando o desejo, antes inalcançável, de adquirir a casa própria. 

Dados de uma pesquisa recém-divulgada comprovam: ao menos 22 milhões de famílias brasileiras estão envolvidas atualmente com a reforma ou aquisição de seu imóvel. Isso equivale a quase 100 milhões de brasileiros – movimentando da compra de tijolos a móveis e utensílios domésticos. 

 

O consultor norte-americano Stuart Hart, trazido ao Fórum pela multinacional Accenture, elaborou um detalhado trabalho sobre o rearranjo de forças na pirâmide social brasileira. Hart identificou que a pirâmide está se achatando, tornando-se mais homogênea no poder de compra.Uma avaliação comprovada em números. 

 

A classe C, por exemplo já apresenta uma renda superior à das classes A e B juntas. E é na base da pirâmide que os programas sociais, como o “Bolsa Família”, incorporaram à economia até mesmo o pessoal de baixo poder aquisitivo. 

 

Para Hart, nessa base está situado um excelente laboratório de incubação e desenvolvimento de mercadorias campeãs de audiência – aliando a receita de baixo custo com qualidade e ótimo valor agregado. 

 

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“A ideia de pegar produtos já existentes, voltados para o público A, e jogá-los de paraquedas nas comunidades mais pobres é um equívoco.” A fórmula que ele propõe: o compartilhamento com esses consumidores da evolução da criação dos novos produtos, a partir da interpretação de suas necessidades. “Não se pode entregar uma alternativa pronta e acabada e ponto”. 

 

A montadora Fiat, que lidera o mercado nacional de veículos e é pioneira no lançamento dos populares, seguiu à risca. Usou a estratégia para inovar um dos seus campeões de procura, o modelo Uno, que já vendeu por aqui mais de 2,7 milhões de unidades. 

 

O que fez a Fiat: escutou o consumidor sobre o que ele queria ver modificado no automóvel. Promoveu uma inédita iniciativa de recolhimento de propostas, se aproximou do cliente, levantando suas opiniões diretamente, abriu a plataforma de estudos e conseguiu o objetivo da renovação. Produziu o novo Uno – um carro cujo preço gira em torno de R$ 30 mil – mantendo seu DNA, mas incorporando jovialidade e modernidade ao modelo. 

 

“As sugestões se transformaram em retratos falados perfeitos para nosso pessoal de design”, diz o presidente da Fiat, Cledorvino Belini. Para ele, o consumidor nacional, em meio à evolução da capacidade de compra, ficou mais informado, mais exigente, mais competente, mais protegido e, por tudo isso, mais infiel. Em outras palavras: se uma determinada empresa não tiver aquilo que ele está buscando, rapidamente esse consumidor segue em busca de outra que possa atendê-lo. 

 

Não corresponder às expectativas de sua majestade, o comprador, é fatal! Ivan Zurita, presidente brasileiro da gigante Nestlé – que, entre marcas nacionais, regionais e internacionais, detém ao menos 79 famílias de produtos em vários segmentos da cadeia alimentar –, concorda. 

 

E sugere um bom caminho para as empresas que querem se posicionar bem nesse ambiente altamente competitivo. Diz Zurita: as companhias têm que acelerar a velocidade de suas decisões, mostrar dinamismo na adaptação de seus produtos sem que isso signifique a perda da identidade. 

 

“Têm que customizar, aprender a atender o consumidor local com o que ele quer”, diz Hector Nuñez, que lidera outro portento do comércio, o grupo americano Walmart, maior cadeia varejista do mundo. Nuñez, para ilustrar a saga dessa descoberta no mercado brasileiro, contou aos executivos de marketing do Fórum que o Walmart, assim que desembarcou por aqui, tinha lojas com teto reforçado contra neve e vendia tacos de golfe como o carro-chefe de seus estoques. 

 

Logo percebeu que não adiantava simplesmente importar o modelo de operação que fez sucesso mundo afora. Adaptou-se, reviu conceitos e incorporou mercadorias mais ao gosto dos fregueses brasileiros. Lições de adaptação como essa estão por todos os lados. 

 

Os fabricantes de celulares, por exemplo, rapidamente notaram que a emergente classe C estava preferindo cada vez mais os modelos que traziam dois chips em sua estrutura. E por um motivo prosaico: eles permitem ao usuário utilizar as promoções das operadoras, mudando de uma para outra sem que isso exija a troca do celular. 

 

Para efeito de curiosidade, vale dizer que alguns hábitos dessa turma continuam como antes. Quer ver? Consumidores de baixa renda são conservadores nos investimentos e mantêm a poupança na liderança de sua preferência. Afinal, não podem arriscar um centavo do suado dinheiro que podem gastar mais adiante.