Foi durante a pandemia que participei pela primeira vez de um leilão. O isolamento social estava no auge e o pregão foi realizado virtualmente, pela internet, com transmissão simultânea por uma emissora de TV por assinatura. Apesar de ser um neófito no mundo dos lances, estava imbuído das melhores expectativas. Havia fixado um teto de gastos imaginando poder adquirir uma gravura de um artista renomado por um valor bem abaixo do mercado. Minha frustração teve início antes mesmo de o leiloeiro anunciar o lote que me interessava. Por e-mail, eu fora notificado de que três pessoas haviam dado lances superiores ao meu. Mesmo assim, no momento da refrega, entrei disposto a arrematar a obra. Vivi instantes de euforia e de medo. A adrenalina aumentava minha frequência cardíaca e me encorajava como se aquilo fosse um combate capaz de mudar minha vida. Comecei a fazer cálculos mentais sobre de onde tiraria o dinheiro caso vencesse. Até que parei de dar lances.

Só agora, meses depois, consegui entender o que eu havia experimentado. A explicação veio por meio de um conjunto de teorias cujas conclusões podem até parecer óbvias. Mas não são. Tanto assim que seus autores acabam de receber o prêmio Nobel de ciências econômicas — que na verdade não é um Nobel. Ele foi criado pelo Banco Central da Suécia em 1968 e não estava no testamento de Alfred Nobel (1833-1896), o inventor da dinamite que antes de morrer criou um prêmio para reconhecer a cada ano “o maior benefício à humanidade” em química, física, medicina, literatura e iniciativas para a paz mundial. Ainda que não seja um Nobel de verdade, o prêmio de ciências econômicas tem o mesmo prestígio — e paga o mesmo valor (cerca de US$ 1 milhão, em coroas suecas).

Os vencedores de 2020 são os norte-americanos Paul R. Milgrom, 72, nascido em Detroit, e Robert B. Wilson, 83, de Nebraska, hoje vizinhos e colegas na Universidade Stanford em Palo Alto, Califórnia. Os dois pesquisaram os mecanismos por trás de todos os formatos de leilão, dissecando não apenas os fatores psicológicos desencadeados pela sequência de lances como também a eficácia de cada modelo e as vantagens para quem compra, para quem vende e até para a sociedade. Isso porque são leilões que definem preços de serviços públicos e de infraestrutura, da conta de luz à tarifa do pedágio. Leilões também interferem no resultado de buscas em sites como o Google, com algoritmos que interpretam a necessidade do usuário a partir dos termos digitados e hierarquizam o resultado – além da opção de aparecer primeiro a quem paga.

O objetivo prático dos estudos da dupla era compreender como extrair de um leilão o maior número de vantagens para todos os envolvidos. No caminho, descobriram fenômenos como “a maldição do vencedor”, em que o lance que o valor final da aquisição fica bem acima do razoável. Parece óbvio que a empolgação do momento pode afetar o juízo dos interessados, a ponto de alguns ignorarem o quanto de dinheiro estão colocando para arrematar o lote. Mas a subjetividade do leilão vai muito além disso. Milgrom percebeu que no caso de obras de arte, especificamente, há dois tipos de valor em jogo: o comum e o privado. O comum diz respeito ao mercado, ou seja, quanto poderá valer no futuro. O valor privado decorre da fruição, do prazer de possuir, exibir e olhar para a obra podendo chamá-la de sua. É com esse valor altamente subjetivo em mente que muitos leiloeiros conseguem elevar os lances de forma inimaginável. Não entendo de arte o suficiente para saber se perdi a chance de fazer um bom negócio ao sair do rali de lances naquele meu primeiro leilão virtual. Mas agora aprendi que me ao menos me livrei da maldição do vencedor.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO