No começo eram um office-boy, uma secretária e ele. Hoje são mais de 17 mil metros quadrados de instalações em São Paulo, Rio e Brasília, 50 sócios, 900 funcionários ? e ele. Pinheiro Neto Advogados é, sem contestação, o maior escritório de advocacia empresarial do Brasil e da América Latina. Uma firma criada à imagem e semelhança de seu chefe pela vida inteira. ?Aqui quem manda sou eu?, diz o advogado José Pinheiro Neto, 83 anos de idade, 58 de exercício profissional e uma clientela composta por duas mil grandes empresas. Ao conduzir o próprio escritório como um déspota durante a maior parte do século, ele pessoalmente montou estratégias, encontrou meios legais ou simplesmente deu palpites nos maiores negócios fechados no País. ?Detesto talento, acredito no trabalho do dia-a-dia, em estudo e organização.? Goste-se ou não de tanta franqueza, o resultado prático é que há em andamento na Justiça brasileira perto de 20 mil processos sob os cuidados de Pinheiro Neto Advogados, torre de papel que rende à firma um faturamento anual de R$ 120 milhões. Mais do que uma bem fornida carteira de clientes, Pinheiro Neto construiu em torno de seu próprio nome algo mais especial: um mito.

Nesta terça-feira, 8, num movimento que torna irreversível a globalização da advocacia empresarial brasileira, a firma vai anunciar uma associação com três grandes escritórios internacionais, com bases na Argentina, Espanha e Portugal. Visto com ressalvas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cujas regras pouco incentivam a abertura de fronteiras, o gesto foi a maneira encontrada por Pinheiro Neto para prosseguir à frente numa área que sempre foi sua. A banca, afinal, firmou-se no início dos anos 40 a partir de um cliente inglês, a Dunlop, e desde então é uma referência no Exterior para empresas que querem se instalar ou fazer negócios no Brasil. Nos últimos tempos, porém, outros grandes escritórios realizaram movimentos de associações internacionais para lançarem pontes na direção das multinacionais. ?É uma etapa natural do crescimento da nossa advocacia?, resume o advogado Antônio Corrêa Meyer, estagiário nos anos 60 de Pinheiro Neto, conselheiro da OAB e sócio da banca Machado, Meyer, Sendacz e Opice, outra gigante do ramo. Meyer foi o primeiro a atingir o mercado internacional por este mecanismo. Na sexta-feira, 4, outro ex-estagiário de Pinheiro Neto, seu filho Fernando Pinheiro, ocupou espaço de divulgação em grandes jornais para comunicar a adesão de sua atual banca, dividida com o advogado Alexandre Thiollier Filho, à estrutura da empresa Andersen Legal, o braço para advocacia da empresa internacional de auditoria Arthur Andersen. ?Carregar o nome de meu pai foi fundamental para o fechamento do negócio?, reconhece Pinheiro.

Com métodos modernos de trabalho, o escritório com sede na Rua Boa Vista, em São Paulo, onde ocupa sete andares de um prédio vizinho à sede do Jockey Club, vence o seu dia-a-dia sem a presença do chefe. Pinheiro Neto vai até lá apenas uma vez por semana, às quarta-feiras, para reunir-se com um triunvirato de sócios aos quais passou o comando da organização nos últimos anos. Seus integrantes são Clemência Wolthers, encarregada da área administrativa, Celso Mori, dedicado a contas de bancos e questões fiscais, e Antonio Mendes, responsável pela área de empresas. Juntos, eles tocam o negócio à imagem e semelhança do primeiro timoneiro. A exemplo de Pinheiro Neto, referem-se ao escritório como ?A Firma?.

Hoje, pelo menos 70% dos clientes de Pinheiro Neto têm capital estrangeiro e matriz no Exterior. É o caso, por exemplo, da GPA, empresa de arrendamento de aviões com sede na Irlanda. Depois de ver a Vasp atrasar seguidamente os pagamentos de 13 aviões comprados pelo sistema de leasing, no final de 1992, a companhia procurou o escritório para ter os aparelhos de volta. A legislação não deixava clara essa possibilidade, e então a máquina que tornou Pinheiro Neto famoso colocou-se em movimento. Apoiados numa biblioteca de 40 mil volumes, numa rede interna de computadores com toda a jurisprudência dos tribunais brasileiros neste século e com uma rede de funcionários para-legais que vivem a escarafunchar os fóruns do País, seus advogados conseguiram compor uma fórmula que fez o que era complicado parecer simples. ?Em quatro meses, entre o início e o final da ação, conseguimos resgatar os aviões da Vasp e devolvê-los à GPA?, resume o sócio Gilberto Giusti. O resultado foi o de, além de ganhar a causa, Pinheiro Neto ter conquistado outro cliente importante, a Airbus, que entregou à banca a elaboração de contratos para a venda de cinco aviões à TAM, dois anos atrás, num negócio de cerca de US$ 100 milhões. De quebra veio junto a General Electric Capital Aviation Service (Gecas) e a firma passou a ter, então, um sólido núcleo de Direito Aeronáutico.

Zerar operações intrincadas em prazos curtos é mesmo uma especialidade do escritório. Em 1992, quando a americana Philip Morris recebeu oferta do grupo anglo-holandês Unilever para vender sua participação no Brasil e na Argentina na Kibon, tudo o que as partes queriam eram sigilo e velocidade. Só. Após uma conversa entre os presidentes, quando o valor de US$ 930 milhões foi sacramentado, a equipe de Pinheiro Neto entrou em ação. A missão tinha vários complicadores, como o cruzamento de legislações de países diferentes, a ameaça de desvalorização do real no Brasil, a rigidez de algumas regras do Banco Central e, ainda, um sócio minoritário reticente em permitir a venda. ?Houve semanas em que fui e voltei para Nova York três vezes?, lembra o advogado Carlos Alberto Lima Jr. ?Também participei de uma reunião de quatro dias num hotel em São Paulo para convencer os minoritários de que o negócio era bom para todo mundo?. Deu certo. No dia 30 de outubro de 97, dezesseis semanas depois da tarefa encomendada, a Philip Morris recolheu no Brasil os 15% de imposto de renda referentes ao negócio, exatos R$ 149.658.256,33, enquanto US$ 791 milhões entravam simultaneamente na conta da empresa em Nova York. ?Sou suspeito para falar de Pinheiro Neto?, diz o vice-presidente de Assuntos Jurídicos e Corporativos da Philip Morris para o Mercosul, Clodoaldo Celentano. ?Fui estagiário lá e, aqui, eles sempre nos apóiam?. O Darf de coleta do IR, assim como todos os passos da confecção do contrato, hoje estão num memorando de fechamento alojado num escaninho da biblioteca da firma. Tudo o que é feito em Pinheiro Neto, de resto, vira documento.

Nestes negócios vultosos, quanto fica para o escritório? A regra é nunca cobrar por porcentagem em relação ao volume do negócio. ?É melhor para o cliente e para a firma?, avalia o sócio Antônio Mendes. O raciocínio é o de que, se olhar para um naco do total, a banca pode estar incentivando os seus integrantes a cometer desvios provocados pela vontade de fechar o negócio. Assim, se algo estiver errado a ponto de inviabilizar o negócio, alguém sempre pode achar melhor ficar mudo para colocar a comissão no bolso. ?Cobramos sempre por horas trabalhadas e apenas aceitamos honorários por comissão nos casos tributários, porque o mercado inteiro funciona assim?, lembra o sócio Celso Mori. A hora média da banca custa US$ 180, sendo que a hora de um sócio pode chegar a US$ 350 e a de um estagiário, R$ 80. Quase nenhum caso levado à Pinheiro Neto requer menos de 100 horas de dedicação. Significa, portanto, que o maior escritório do Brasil e da América Latina é caro. Falso. No negócio da venda da Kibon, que envolvia quase US$ 1 bilhão, os honorários da banca não chegaram a US$ 3 milhões. A vantagem é que, com preço e qualidade, os clientes sempre voltam. Ou melhor, não saem de lá. ?Se pudesse deixava todos os meus negócios com ele?, conta o empresário francês Richard Metarion, dono da franquia de cabeleireiros Mod’s Hair, com 10 endereços no País. ?Mas prefiro encaminhar apenas as grandes questões, porque para assuntos menores o preço é desproporcional.?

Outro segredo do sucesso da firma está no sistema de recrutamento de profissionais. É fácil encontrar no Brasil advogados bem-sucedidos que tenham iniciado a carreira como estagiários em Pinheiro Neto. ?O escritório respeita todas as regras trabalhistas e funciona como exemplar complemento à faculdade?, atesta o presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Valter Uzzo. É mais um traço estratégico da firma imposto pelo chefe. Pinheiro Neto sempre preferiu trabalhar com gente nova a medalhões. Tanto que, em 1972, houve uma diáspora, com mais de uma dezena de advogados tendo partido para carreira solo. ?Havia muito descontentamento com a influência excessiva de Pinheiro?, lembra o advogado Meyer. Hoje, um setor inteiro da firma é voltado para a análise de currículos de estudantes. O plano de carreira entre o início como estagiário de Direito e o ápice como sócio, num arco salarial que começa em R$ 500 mensais e pode chegar a mais de R$ 300 mil anuais, leva em média 12 anos para se completar. Como cobra dos clientes por horas trabalhadas, há poucos problemas na hora de fazer a opção pela contratação de profissionais. ?Nunca precisamos demitir?, garante Clemência Wolthers, administradora-chefe. ?Aliás, no ano passado incorporamos mais 30 profissionais ao escritório.?