Ameaça para 24 mil empregos. Frustração para 370 mil turistas. Prejuízo de R$ 2 bilhões para economia brasileira. Os números superlativos são proporcionais ao tamanho dos cinco navios que iniciaram a temporada de cruzeiros 2021-2022 no Brasil. Desde 1º de novembro, esses gigantes singraram o Atlântico em suas rotas pela costa e voltaram a movimentar setores do comércio e da alimentação voltada para o turismo — áreas fortementes impactadas pela pandemia. E mais uma vez, a Covid-19 definiu o destino de embarcações, tripulantes e passageiros. Com 829 casos registrados a bordo dos navios, as viagens tiveram de ser suspensas, ao menos até o próximo dia 21, por recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A iniciativa foi referendada pela Associação dos Cruzeiros Marítimos do Brasil (Clia Brasil), que representa as empresas que atuam no País – MSC Cruzeiros e Costa Cruzeiros. Não está descartado o encerramento da temporada, programada para durar até abril. Um estudo da entidade em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) estima que cada transatlântico movimenta cerca de R$ 350 milhões para a economia nacional.

A suspensão dos cruzeiros é outro duro golpe em um segmento que, mundialmente, amargou prejuízos desde o início da pandemia, em 2020. No Brasil, a temporada 2020-2021 não foi endossada pela Anvisa, que alegou serem frágeis os protocolos de segurança apresentados pelas operadoras. Com os navios parados, mais de R$ 2 bilhões deixaram de ser injetados na economia brasileira — um contraste com o ciclo de 2019-2020, quando o faturamento alcançou R$ 2,4 bilhões, 7,6% maior em comparação ao período 2018-2019. O setor gerou R$ 296 milhões em tributos . Foram transportados 470 mil passageiros, entre brasileiros e estrangeiros que subiram a bordo no País.

Além de afetar a economia nacional, um possível cancelamento da temporada 2021-2022 seria um agravante para as companhias, que buscam ampliar a receita após o setor ter acumulado globalmente prejuízo de US$ 77 bilhões em 2020, em contraste com 2019, quando movimentou US$ 154 bilhões. A americana Carnival, a maior do segmento no mundo, chegou a aportar US$ 1 bilhão por mês durante a crise sanitária para manter a sua frota de 80 navios. Até o início da pandemia, havia no mundo 400 embarcações para cruzeiro. Atualmente, essa quantidade é incerta. A Costa Cruzeiros afirnou ter perdido US$ 9,5 bilhões em 2020.

CONCENTRAÇÃO O mercado global de cruzeiros é bastante concentrado. Apenas três empresas — Carnival, Royal Caribbean e Norwegian — dominam 75% dos negócios. Se em 2020 todas tiveram de suspender as operações e muitos de seus transatlânticos foram parar em desmanches na Turquia e na Ásia como forma de fazer caixa e reduzir custos, em 2021 as companhias voltaram às operações. Cerca de 250 navios já transportaram mais de 5 milhões de turistas pelo mundo. A torcida agora é que os estragos causados pela Covid no Brasil não se repitam em outros polos turísticos, como Caribe e Estados Unidos.

PROBLEMA O Costa Diadema, que estava atracado em Salvador, retornou ao terminal de Santos sem os 68 passageiros contaminados
PROBLEMA
O Costa Diadema, que estava atracado em
Salvador, retornou ao terminal de Santos sem os 68 passageiros
contaminados (Crédito:Divulgação)

A decisão de paralisar as operações na costa brasileira foi tomada com base na cautela. Entre 26 de dezembro e a última segunda-feira (3), foram confirmados 798 novos casos, contra apenas 31 do período de 1º de novembro e 25 de dezembro. Quase 60% das ocorrências atingiram os tripulantes, o que aumenta o risco geral na embarcação devido ao longo período que parram a bordo.

Apesar da gravidade da situação, o Ministério do Turismo mantém a confiança na retomada das viagens com a definição e execução de novos protocolos sanitários. O órgão informou que continua participando de reuniões no âmbito do governo federal com municípios, estados e empresas para juntos reavaliarem a possibilidade do retorno das atividades no menor tempo possível. Segundo o ministro do Turismo, Gilson Machado, os protocolos para garantir a segurança dos tripulantes e passageiros foram criados em outubro, antes do surgimento da variante Ômicron.

AGLOMERAÇÕES Sem condições de operar, as companhias se prontificaram a adaptar regulamentos e criar outras regras para que as viagens possam ser retomadas. A Anvisa abriu uma sindicância para apurar possíveis violações no protocolo sanitário. Imagens que circularam nas redes sociais nos últimos dias mostram a comemoração de passageiros na virada de ano novo com aglomerações em áreas dos navios. A falta de uniformidade nos protocolos entre estados, municípios, empresas de cruzeiros e a própria agência também foi apontada como motivo para o aumento dos diagnósticos.

A Associação dos Cruzeiros Marítimos do Bras il (Clia Brasil) infornou que trabalha para buscar alinhamento com as autoridades em relação à aplicação das normas e ao novo cenário. A entidade admite a possibilidade de cancelamento na íntegra se não houver adequação. Onze cruzeiros estavam programados para o período até o dia 21 deste mês. Desde o início da temporada, ao menos 130 mil passageiros e tripulantes já foram embarcados.
Os cruzeiros que estavam em navegação após o anúncio da suspensão das atividades, na segunda-feira (3), finalizaram os seus roteiros durante a semana. O Costa Diadema estava atracado em Salvador e foi liberado para voltar ao porto de Santos após os 68 passageiros contaminados ficarem isolados em hotéis disponibilizados pela operadora Costa Cruzeiros. Uma dor de cabeça a mais para o governo baiano, já envolvido na recuperação de diversos municípios devastados pelas chuvas no fim do ano passado. Na quarta-feira (5), o transatlântico MSC Preziosa retornou ao Rio de Janeiro — quatro dias após partir — com 81 contaminados a bordo. A embarcação faria uma viagem de sete dias pelo Nordeste.

A MSC Cruzeiros e a Costa Cruzeiros terão de prestar esclarecimentos às autoridades. Na terça-feira (4), o Procon do Rio de Janeiro notificou as companhias para que expliquem em até dez dias o mecanismo de reembolso e remarcação das viagens que foram interrompidas ou canceladas. A MSC informou que disponibilizou aos clientes prejudicados uma carta de crédito no valor original do cruzeiro, além de um crédito de US$ 200 ou 200 euros, por cabine, para a próxima viagem e reembolso de pacotes pré-pagos, que incluem gastos com bebidas e excursões, por exemplo. A Costa Cruzeiros ofereceu aos passageiros a opção de transformar o valor pago pelo em crédito a ser utilizado até 31 de dezembro deste ano para embarques até 30 de junho de 2023. Também será disponibilizada a alternativa de reembolsar todo o valor pago pela viagem com prazos estabelecidos em lei.
Os cruzeiristas seguem à deriva, sem saber o que vai acontecer. Pelo rumo da maré, mais uma vez é a Covid-19 que vai definir se os navios poderão voltar a zarpar. E com toda segurança.