Citando uma expressão cara ao presidente Jair Bolsonaro, o “namoro hétero” entre ele e o presidente americano, Donald Trump, está ficando sério. O affair começou em março, durante visita do brasileiro a Washington D.C. (EUA), quando os dois se conheceram, apresentaram as respectivas famílias e declararam suas intenções. O flerte continuou em junho, na Cúpula do G20, no Japão. Agora, os americanos querem casamento. “Vamos trabalhar em um acordo de livre comércio com o Brasil”, disse Trump a jornalistas na terça-feira 30. “É um grande parceiro comercial. Eles nos cobram muitas tarifas, mas nós amamos essa relação”, desamanchou-se o mandatário americano.

O pedido de matrimônio foi reforçado pela visita do secretário comercial dos Estados Unidos, Wilbur Ross ao Brasil, onde se encontrou com o ministro da Economia, Paulo Guedes. As dificuldades para que os dois subam ao altar, porém, vão muito além das tarifas citadas por Trump. O recente acordo de livre comércio fechado entre o Mercosul e União Europeia despertou ciúme nos americanos. “É importante que nada nesse tratado [com europeus] seja contraditório a um acordo com os EUA”, disse Ross a empresários brasileiros na Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham). “Tomem cuidado antes de acertar o entendimento para ter certeza que não há nenhuma ‘pílula com veneno’ nele.”

Essas “pílulas com veneno” seriam, por exemplo, as diferenças de padrões europeus e americanos nos setores automotivo, farmacêutico e alimentício. Há outro problema: desde março não houve consenso sobre um acordo bilateral de investimentos entre Brasil e Estados Unidos, pré-requisito para um tratado mais abrangente. Ainda assim, empresas brasileiras torcem pelo sucesso do enlace devido à importância do cônjuge. Os EUA são a maior economia do mundo e têm o maior mercado consumidor do planeta. Além disso, são o segundo parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.

Wilbur Ross, Secretário de Comércio dos EUA: “É importante que nada nesse tratado [com europeus] seja contraditório a um acordo com os EUA” (Crédito:Nelson Almeida / AFP)
No ano passado, os brasileiros exportaram US$ 28,8 bilhões para lá e o saldo total desse comércio é de US$ 57,8 bilhões.
A multinacional Cargill, de processamento de alimentos, é uma das empresas que esperam um acordo bem sucedido, em especial porque é a maior companhia americana com presença no País. Luiz Pretti, CEO da Cargill Brasil, acredita que um acordo só traria benefícios. “O próprio Ross usou a Cargill como exemplo de uma aliança entre os dois países. Estamos muito otimistas com a possibilidade”, diz Pretti. No encontro em Guedes e Ross, as conversas já até definiram quais produtos seriam comercializados: etanol americano e açúcar brasileiro.

NOVAS REGRAS Wilbur Ross, no entanto, desconversou quando o tema é prazo. Ele prevê “algo entre dois ou três anos.” O problema é que o Mercosul pode atrapalhar esse cronograma. Países do bloco sul-americano não podem, em tese, negociar tratados bilaterais com outras nações. Para que o casamento com os Estados Unidos possa ser consumado, será seria preciso, antes, mudar as regras atuais. “Desde o início do governo Bolsonaro parece que há disposição para flexibilizar o Mercosul e permitir isso”, diz Tomaz Paoliello, professor de relações internacionais da PUC-SP. “Na Argentina, o Macri também já acenou nesse sentido. Mas depende da força dos interessados de influenciar o governo”.

Após a reunião, o romance só evoluiu. O Brasil foi anunciado oficialmente, na quarta-feira 31, como um aliado não-membro da Otan, a aliança militar entre América do Norte e Europa. Na prática, o País poderá comprar tecnologia militar americana, status que só a Argentina possuia na região. A inclusão do Brasil nesse rol foi obra do “noivo” Trump. Portanto, a hora chegou: se alguém se opõe a esse matrimônio, que fale agora — ou cale-se para sempre.