No ano em que a crise financeira de 2008 completa uma década, as projeções permitem afirmar com mais firmeza que os efeitos sobre o ritmo de crescimento finalmente ficam para trás. Em 2018, a economia mundial deve crescer 3,9%, o maior nível dos últimos sete anos, patamar que deve se manter no ano que vem, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os números mais robustos, porém, escondem um novo risco: o elevado nível de endividamento de países mundo afora pode representar um freio para o ritmo de avanço e ameaçar a estabilidade da economia global. O alerta é do próprio FMI, que destaca a condição desconfortável de que os governos alcançaram, no conjunto entre avançados e emergentes, o maior patamar de dívidas já registrado na história, de US$ 61 trilhões, ou 83,7 % do PIB mundial.

O endividamento público em si não é o problema. É natural que países convivam com ele e usem a emissão de títulos como instrumento de gestão do orçamento. A questão é saber quando esse nível se torna preocupante. Em geral, é preciso considerar caso a caso e levar em conta a qualidade da dívida (quanto se paga de juros, para que está sendo usada, etc.) No conjunto global, uma situação de esgotamento da capacidade de honrar dívidas públicas é apenas hipotética. Significaria uma crise sem precedentes e de consequências desconhecidas. As preocupações variam, portanto, das condições de momento de cada país.

Tudo depende se investidores continuarão financiando as contas de um governo, diante da credibilidade que um país tem ou não de ser bom pagador. Para isso, é importante saber, por exemplo, se a economia está crescendo e se o endividamento não está avançando muito rápido. “Mais do que quanto um país deve, leva-se em conta como ele deve”, diz Simão Silber, professor de economia da USP. “Investidores vão continuar comprando títulos da dívida japonesa, pois não acham que haverá calote, mas o mesmo não acontece com o Brasil.” Um país pode ser funcional devendo muito, mas economistas lembram que as dívidas reduzem a reserva monetária e o colocam em maior risco em casos de problemas inesperados, como desastres naturais.

Credibilidade: a dívida do Japão vale mais do que o dobro de seu PIB. Porém, a imagem de bom pagador garante que o país continue se financiando (Crédito:Cheryl Ravelo / Reuters)

As agências de classificação de risco costumam antecipar o movimento dos investidores. Com a piora das contas públicas, o Brasil viu sua nota ser rebaixada. O chamado grau de investimento, o selo de bom pagador, foi perdido em 2015, e a classificação é hoje de BB-, dois degraus abaixo. É a avaliação qualitativa sobre o endividamento e a credibilidade do pagador que explicam porque a relação dívida/PIB do Japão é quase três vezes maior que a do Brasil (confira gráfico), e, mesmo assim, possui uma nota A+, dois degraus acima do brasileiro. Não se trata de uma avaliação simples. Com uma nota A+ e uma dívida de 51,2% do PIB, a China é apontada como um potencial risco, pelo desconhecimento do real nível de endividamento. “Não se coloca na conta da China os empréstimos oferecidos por corporações locais financeiras”, diz Victor Shih, especialista em sistema fiscal da China da Universidade de San Diego, nos EUA “É possível pensar em trilhões de dólares não estimados.”

As realidades são distantes em emergentes e desenvolvidos. Nos primeiros, a média de endividamento é de 60% do PIB – o Brasil está bem acima, com 87,6% do PIB – e a tendência é de crescimento. Nas economias avançadas, a média é de 100% do PIB, o maior patamar desde a Segunda Guerra Mundial, com tendência de redução. Parte dessa conta vem da própria crise de 2008, que forçou os governos a adotar programas de estímulo para tirar suas economias do estágio de prostração. Nos Estados Unidos, a tendência se inverteu. O país caminhava para uma estabilização da dívida até dezembro, quando o presidente Donald Trump conseguiu aprovar a redução de impostos de empresas. A dívida deve chegar a 116% do PIB em 2023. “Já se previa que o déficit crescesse como resultado do envelhecimento da população e os gastos que isso provoca, mas os recentes cortes nos impostos certamente exacerbaram o problema”, diz o documento da Peter G. Peterson, uma fundação de análise fiscal americana.

A preferência de governantes por gastos maiores não se resume a Trump. “Políticos gastam muito e cobram de menos, pois isso os ajuda a serem eleitos”, afirma Chris Varvares, da consultoria Macroeconomics Adivers, em St. Louis, nos EUA. “Por um bom tempo ninguém se importa, até que o risco de pagamento de um país aumenta e ele precisa resolver a questão.” O Brasil passa por esse momento. Colocou em curso um programa de ajustes fiscais para reverter a trajetória de crescimento da dívida e tenta evitar que se rompa a barreira dos 100% do PIB, um patamar perigoso com os juros que o País paga, capaz de afastar investidores, como em crises anteriores. Falta, no entanto, aprovar a reforma da previdência.