Uma das mais elementares regras das corporações, a de que receita menos despesa precisa resultar em um número positivo na última linha, não tem sido cumprida pela grande maioria das economias do mundo, principalmente pelo Brasil. E está piorando. Neste ano, agravada pela retração da atividade produtiva global simultaneamente ao aumento das despesas públicas no combate à pandemia, a dívida dos países subiu US$ 15 trilhões, segundo cálculos do Instituto Internacional de Finanças (IIF). Mas esse número não é o que mais impressiona. O estoque da dívida dos países alcançou em novembro US$ 272 trilhões e deve fechar o ano em US$ 277 trilhões, equivalente a 365% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Ou seja, se países fossem famílias comuns de assalariados, estariam queimando reservas, patinando em juros do cheque especial ou já quebrados.

Entre os pobres e emergentes, que têm menos capacidade de financiar seus déficits e pagam juros mais altos, a situação não é menos preocupante. A dívida média dos países menores explodiu. E foi de 185% do PIB, no ano passado, para os atuais 210% do PIB. Já entre as economias em desenvolvimento, o Brasil tem a pior relação dívida-PIB. De acordo com o Banco Central (BC), a dívida brasileira chegou a 90,6% em setembro. “O Brasil foi o emergente que mais gastou neste ano, e essas despesas reduziram o delta de crescimento no PIB esperado para 2020 e 2021”, afirmou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, durante evento virtual realizado pelo Itaú BBA. “Os países que fizeram muito pouco tiveram essa diferença de crescimento maior. O Brasil gastou mais como o mundo desenvolvido do que como emergente”, disse ele, destacando que o planeta está mais endividado do que na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945.

Com um cenário de superendividamento em todo o mundo, o presidente do Banco Central afirma que a grande maioria dos países discute novo padrão de dívida histórica, já que a emissão de títulos para cobrir déficits é um remédio que não funciona em economias de juros baixos, a exemplo do Brasil, com a taxa básica Selic em 2% ao ano, o menor patamar da história. Para ele, quando surgir uma vacina para a Covid-19 em escala global e as economias reaquecerem, espera-se uma alta dos juros, com aumento maior das dívidas. “À medida que os juros forem recuperando, o efeito pobreza aborta o crescimento”, disse. Nada animador.

Para o Brasil, a conjuntura de dívida na estratosfera e necessidade de elevação da Selic pode ser explosiva. Isso porque, na avaliação do presidente do BC, existem grandes diferenças no apetite ao risco dos investidores que olham para economias mais sólidas e países com situação fiscal delicada, com risco maior de calote. Nesse sentido, esforços do governo federal que indiquem maior controle da dívida e comprometimento com as diretrizes fiscais são essenciais para um cenário mundial pós-Covid-19.

Para o economista Felipe Gutterres, sócio da consultoria Fábrica de Startups a situação é ainda mais delicada se avaliarmos a situação atual do Brasil. “Não temos espaço fiscal”, afirmou. Para ele, o País vive repiques inflacionários causados por fatores diversos como aumento de preço de commodities, auxílio-emergencial, problemas em algumas cadeias de produção e choque de câmbio. “Além de temos uma deterioração importante das expectativas de ajustes fiscais e da agenda de reformas.” O economista entende que a solução para o Brasil não é uma equação simples de resolver. A saída do País, segundo ele, é encontrar o equilíbrio tênue entre as medidas para situações extremas deste grande choque que ainda se vive, com uma reversão rápida das expectativas em relação a agenda de reformas e ajustes fiscais – que “deve ser pragmática, coordenada e clara”, afirmou.

RECEIO A deterioração da situação fiscal do Brasil, sem sinais de melhora em médio e curto prazo, já acendeu o sinal de alerta entre investidores e agências de risco. A agência de classificação Fitch Ratings, em seu mais recente relatório, reafirmou a nota de crédito soberano “BB-” para o Brasil, com perspectiva negativa. A Fitch chama atenção para os riscos fiscais do País em um ambiente de incerteza política doméstica e a segunda onda global da pandemia. “A perspectiva negativa reflete a severa deterioração do déficit fiscal do Brasil e do fardo da dívida pública durante 2020 e a incerteza persistente quanto às perspectivas de consolidação fiscal, incluindo a sustentabilidade do teto de gastos de 2016 (a principal âncora da política fiscal), dadas as contínuas pressões sobre os gastos”, afirmou a agência, em seu relatório.

A agência destacou ainda que há riscos altos para o País no encurtamento da dívida pública. Esse processo ocorre à medida que o Tesouro Nacional tem maiores dificuldades para captar recursos tendo como pano de fundo maior receio do mercado sobre as contas públicas e um juro real de curto prazo negativo. “Embora a equipe econômica esteja comprometida em retornar à sua agenda de reformas em 2021, o ambiente político permanece fluido, reduzindo a visibilidade e previsibilidade do processo”, acrescentou a agência. A Fitch, que diz “esperar uma recuperação a partir de 2021” ressalta que a incerteza em torno dos desenvolvimentos políticos e de políticas públicas no Brasil, combinada com um ressurgimento de infecções globais por coronavírus, deixa o País mais perto de romper a regra de ouro das finanças saudáveis: a receita tem que superar a despesa.