No tabuleiro diplomático dos gigantes, teatro do qual o Brasil não faz parte, uma ameaça muitas vezes é tão eficaz quanto uma agressão. É sob esse filtro que devem ser lidas as mensagens nada veladas russas de invadir a Ucrânia. Moscou mantém nas fronteiras com o país vizinho mais de 120 mil soldados. Os Estado Unidos endureceram o tom em resposta. E isso já basta para que esteja em andamento o embate de duas das três maiores potências militares do planeta — a China completa o trio. O reflexo possível, mas menos provável, é de um confronto militar mundial ou mesmo regional. O reflexo mais provável será mesmo no campo econômico.

Até aqui, ambos os lados negam a intenção do confronto. Pelo lado de Moscou, Vladimir Putin afirma que não tem qualquer intenção de invadir a Ucrânia. “São bobagens que o Ocidente quer plantar para criar uma crise onde não existe crise”, afirmou o líder russo, sem explicar o arsenal deslocado para perto do país vizinho. A reação russa acontece porque Moscou quer que Estados Unidos e aliados europeus forneçam garantias excluindo qualquer expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para incluir a Ucrânia e a Geórgia, limitando a atividade militar perto das fronteiras da Rússia.

O próprio presidente americano, Joe Biden, garantiu que a retaliação à eventual incursão militar será econômica, em um primeiro momento, não com tropas. “Se Putin invadir a Ucrânia, haverá enormes consequências, não apenas em termos políticos e econômicos”, disse Biden na terça-feira (25). “Se ele avançar com todas essas tropas, sofrerá sanções pessoais.” O governo russo não gostou e rebateu na quarta-feira (26) a ideia de se impor sanções a Putin, mencionada pelo presidente americano. “Do ponto de vista político, não é doloroso, é destrutivo”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. “A pressão americana não terá o efeito desejado.”

CRIMEIA Nesse xadrez de retórica diplomática Joe Biden afirmou que um ataque de Moscou “seria a maior invasão desde a Segunda Guerra Mundial e isso mudaria o mundo”. Mudaria? Provavelmente não. Mas atrapalharia bastante um planeta que tenta se readequar economicamente após os estragos de dois anos de pandemia. Na verdade, a Rússia já se apoderou de um bom pedaço da Ucrânia, em 2014, ao invadir e anexar a região da Crimeia. E nenhuma resposta militar ocidental aconteceu.

Para o economista Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa e membro da The Royal Institute of International Affairs, a Ucrânia poderá ser o estopim de um conflito global com desdobramentos imprevisíveis para a economia mundial. Um termômetro das tensões foi a decisão do governo dos EUA de chamar para casa as famílias de diplomatas em Kiev. Segundo o governo americano, a medida é uma precaução. O Reino Unido também deve começar a retirar funcionários de sua embaixada na próxima semana.

A ministra de Relações Exteriores britânica, Liz Truss, afirmou que o país tem informações confiáveis sobre um plano de Moscou para instalar um líder pró-Rússia em Kiev. Em resposta, os russos disseram que a acusação é “absurda”. Sejam quais forem os desdobramentos da tensão causada pelo presidente russo, um ex-espião da polícia secreta KGB, o fato é que a atual míni Guerra Fria está do jeito que ele gosta — e que sabe jogar.