Nas últimas duas décadas, o Brasil liderou quase que ininterruptamente o ranking internacional de juros reais. Trata-se de um monstro que assusta consumidores, afugenta empresários e aniquila o espírito empreendedor dos brasileiros. Durante a maior crise econômica da história (no triênio 2014-2016), os juros tiveram um poder particularmente destrutivo. Em vez de serem reduzidas para dar liquidez a quem necessitava, as taxas foram elevadas num ambiente recessivo e inflacionário, fruto de uma gestão populista e desastrosa do governo Dilma Rousseff. Num intervalo de apenas 24 meses, a Selic (taxa básica de juros definida pelo Banco Central) saltou de 8,5% para 14,25% ao ano. Agora, pela primeira vez, está sendo possível mensurar o tamanho do estrago que os juros abusivos causam na economia real. Um estudo inédito da FecomercioSP, publicado com exclusividade pela DINHEIRO, mostra que as famílias e as empresas queimaram com o pagamento de juros, entre 2014 e 2016, quase R$ 1,4 trilhão (equivalente a 6,75% do PIB do período). No último ano da recessão, em 2016, os gastos com juros subiram 28,3% em relação a 2013 (pré-crise), enquanto o volume de crédito caiu 17,4%.

Contrair dívidas não é nenhum um pecado. É normal empresas e famílias terem despesas com o pagamento de juros. Em países desenvolvidos, o crédito é um dos principais motores da economia, pois as taxas são atraentes. “O que não é normal é contrair uma dívida extremamente cara, como ocorre no Brasil”, diz Altamiro Carvalho, economista da FecomercioSP e coordenador do estudo, que levou três meses para ser concluído. “Boa parte dos gastos com juros poderia ter sido utilizada no consumo e no investimento se o Brasil tivesse taxas no padrão internacional.” Na Alemanha e nos EUA, por exemplo, os juros são próximos de zero. O levantamento inédito mostra que o juro real (descontada a inflação) efetivo pago pelas empresas passou de 21% em 2013, antes da crise, para 27,5% em 2016. Já as taxas cobradas dos consumidores pularam de 42,9% para 59,2% no mesmo período. Em todos os casos, os juros bancários são muito maiores do que a taxa básica (Selic).

A grave recessão econômica afetou o mercado de crédito da pior forma possível. Com receio da inadimplência, os bancos ficaram mais seletivos, enquanto famílias e empresas, muito endividadas, evitaram buscar novos empréstimos. Na comparação com 2013, o volume de operações para pessoas jurídicas despencou 22% em 2016. Na pessoa física, a queda foi de 13%. O efeito prático deste travamento do crédito pôde ser observado no mercado automotivo. No início da década, quando o setor quebrava recordes de vendas, houve uma farra de financiamentos em até 100 vezes, sem entrada. Foi um movimento sem precedentes no mundo, segundo o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Luiz Montenegro. Na época, 62% das vendas de carros eram financiadas. O resultado foi a disparada da inadimplência para 7,5%. Hoje, diante da prudência dos dois lados, o índice de calotes acima de 90 dias caiu para 3,9%. Os financiamentos de veículos, que atualmente representam 54% das vendas, têm entrada de 20% a 30% e parcelamento entre 36 a 48 meses. “Com a queda dos juros, a participação do crédito já está voltando a crescer”, diz Montenegro, que também preside o Banco Toyota. “Estamos trabalhando com um cenário de juros baixos durante, ao menos, os próximos 24 meses.”

Se não houver nenhuma reviravolta, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve cortar mais uma vez a Selic, na reunião de dezembro. Os analistas apostam em uma queda de 0,5 ponto percentual que, se confirmada, levará a Selic ao patamar de 7% ao ano, o mais baixo da história. No entanto, a disputa eleitoral será determinante para o futuro da política monetária no Brasil. “Se vencer uma agenda populista, os juros subirão”, diz Carvalho, da FecomercioSP. “Se vencer uma agenda responsável, os juros ficarão baixos por muito tempo.” O País, portanto, está diante de uma rara oportunidade de deixar a Selic em patamares civilizados – para os padrões brasileiros, é claro. Para isso, não pode repetir os erros do governo Dilma, que cortou os juros na marra, mas não criou a estabilidade fiscal necessária. Para o próximo governo, os juros reduzidos também serão um alívio nas contas públicas. Em 2015, no auge da recessão, o País queimou R$ 500 bilhões com os juros da dívida, o equivalente a 8% do PIB. Em 2017, a conta vai cair para R$ 390 bilhões. “Os juros altos são um convite à especulação com títulos públicos”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor do departamento de economia da PUC-SP. “No Brasil, o ‘rentismo’ sempre ganhou da produção.”

Nenhum setor pleiteia há tanto tempo a queda dos juros como o industrial. Na segunda metade da década de 1990, após a criação do Plano Real, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Eduardo Moreira Ferreira, já bradava contra o que chamava de “juros escorchantes”. Naquela época, a Selic era de 25% ao ano. O desafio, a partir de agora, é manter os juros no patamar de 7% e, se possível, aproximá-los ainda mais do padrão internacional, abaixo de 3% ao ano. Para isso, o equacionamento das contas públicas é crucial. Conforme mostra o infográfico ao lado, um Estado mais enxuto permite abater a dívida, criando as condições para reduzir ainda mais os juros. Nesse contexto, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que limita a expansão do orçamento nos próximos dez anos (conhecida como PEC dos Gastos) foi fundamental. Mas o cumprimento da regra só é viável se for feita a reforma da Previdência.

Embora o equilíbrio fiscal seja a condição sine qua non para o País ter Selic de um dígito por um longo período, ele não é suficiente para garantir que, na ponta, os juros sejam singelos. O economista André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Fiesp, explica que é preciso adotar medidas para baratear o crédito. Na lista de prioridades estão o aumento da concorrência bancária, o estimulo à criação de fintechs, e a redução de impostos e dos depósitos compulsórios. “O impacto de juros mais civilizados seria brutal na economia”, diz Rebelo. “Com juros baixos, os projetos produtivos se tornam viáveis e a mortalidade das empresas diminui.

RETOMADA O papel do crédito barato é fundamental na retomada do crescimento econômico. Há meses, o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, vem defendendo a ideia de que o consumo vai preceder os investimentos neste período pós-recessão. Os números comprovam a tese. Na terça-feira 14, o IBGE divulgou um crescimento de 0,5% do varejo em setembro, na comparação com agosto, e de 6,4% em relação ao mesmo período de 2016. No ano, as vendas do comércio avançam 1,3%. O destaque é o segmento de eletrodomésticos, que acumula expansão anual de 9,6%. Como se sabe, os bens duráveis mais caros são altamente dependentes de financiamentos. “A queda dos juros faz as coisas andarem”, diz José Galló, presidente da Lojas Renner e membro do Conselho de Administração do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV).

MOVIDO A CRÉDITO: setores que dependem de financiamentos, como o de eletroeletrônicos, já estão em recuperação (Crédito:Rivaldo Gomes/Folhapress)

O estudo exclusivo da FecomercioSP mostra ainda que a inadimplência subiu em 2015, no auge da crise econômica, e se estabilizou em 2016. A cautela de bancos, consumidores e empresas evitou uma explosão dos calotes. A partir de agora, a tendência é de redução gradativa. Para quem está endividado, a queda dos juros é uma oportunidade para renegociar suas prestações e se preparar para um novo ciclo virtuoso, que já tem três trimestres seguidos de expansão – o dado oficial do 3º trimestre será divulgado no dia 1º de dezembro. Se as urnas não sucumbirem à tentação populista, o próximo governo poderá buscar o equilíbrio fiscal em meio a um processo de aceleração do PIB. Com inflação sob controle e dívida pública declinante, o monstro dos juros altos, que destrói o País há décadas, poderá finalmente hibernar por muito tempo.

“O País passou a ter gestão séria. E isso reduz juros”

José Galló, presidente da Lojas Renner e membro do Conselho de Administração do IDV (Crédito: Julio Bittencourt)

O atual patamar de juros ficará assim por um longo período ou pode voltar a subir, como no governo Dilma?
Aquela queda forçada de juros [no governo Dilma] foi totalmente artificial. Hoje nós temos gestão. O País passou a ter uma gestão séria da política econômica, no Banco Central, no Ministério da Fazenda, na Petrobras, na Eletrobras. Nós temos condições de manter a estabilidade e, por consequência, até reduzir os juros abaixo de 7%.

Qual o impacto real dos juros baixos para o consumo?
A estabilidade gera confiança. A confiança gera consumo. E a queda dos juros faz as coisas andarem, principalmente nos segmentos de eletrodomésticos, carros e imóveis.

E o impacto nos investimentos?
Não tenha dúvida de que a redução da rentabilidade dos títulos públicos incentiva as pessoas a procurar uma rentabilidade maior. E o investimento produtivo é um caminho importante.

O risco principal para o cenário de juros é a eleição em 2018?
Exatamente. O risco é passar a ter ideias estranhas, extravagantes, que podem destruir tudo isso que a gente conquistou até agora.

Os empresários vão participar?
Há uma consciência dos empresários de que devem participar dos fatos políticos. Os artificialismos que ocorreram no passado foram também fruto da omissão dos empresários.