Ser a pedra no sapato de alguém pode se revelar um negócio muito lucrativo. Na semana passada um time de grandes empresas concordou em pagar ao empresário Nelson Tanure R$ 156 milhões para que ele deixasse de impedir a venda do banco Boavista ao Bradesco. Foi apenas a mais recente tacada da carreira de Tanure, um sujeito polêmico que ganhou fortunas fazendo negócios com empresas em dificuldades. Tanure, um baiano de 49 anos descendente de libaneses, tem amigos influentes, como o senador Jáder Barbalho e o ex-ministro Bernardo Cabral, e opera com um time de advogados de primeira linha. E, apesar de freqüentar a alta sociedade, foge dos holofotes como o diabo da cruz.

Quando a família Paula Machado vendeu o banco Boavista, por R$ 1, aos seus atuais controladores ? o grupo carioca Monteiro Aranha, os franceses do Crédit Agricole e os portugueses do banco Espírito Santo ?, Tanure viu ali uma oportunidade de fazer dinheiro. Através de uma empresa offshore, comprou companhias que possuíam 1% das antigas ações do banco, e entrou com um processo pedindo a revisão do valor pago. O Boavista era um mico. Os compradores gastaram US$ 1 bilhão para tapar o rombo da instituição. E, quando decidiram revender o abacaxi ao Bradesco, encontraram a pedra no caminho. Se Tanure não retirasse o processo, o banco não seria vendido. Agora ele receberá R$ 156 milhões, parte em dinheiro, parte em títulos públicos e em imóveis, como o edifício Andorinha, no centro do Rio. O bolo será repartido com os representantes da família Paula Machado, ex-controladora do banco. Mesmo assim, é uma excelente operação para quem possuía 1% de um banco vendido por R$ 1.

Procurado por DINHEIRO, Tanure preferiu não dar entrevistas. ?Não posso falar em razão do sigilo das negociações?, disse. Pessoas que acompanharam as conversas, porém, contam que para dobrar os donos do Boavista ele agiu como um jogador de pôquer. Esgotou os contendores com reuniões intermináveis, que exigiram até a intervenção do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, a pedido dos proprietários do banco. O publicitário Mauro Salles, um dos mais hábeis negociadores do mercado, também foi chamado para desemperrar o negócio. Durante vinte dias ele recebeu os representantes de Tanure no QG que possui montado no banco Opportunity, no Rio. Lá, Salles ocupa uma sala apelidada de ?war room? (?sala de guerra?), onde as conversas eram travadas. ?Não quero ser um óbice para que o Bradesco compre o Boavista?, dizia Tanure, com seu estilo inconfundível, polido a ponto de irritar os interlocutores.

Foto: Gustavo Lourenção

BOA VISTA: Até Antônio Carlos Magalhães foi chamado para atuar na negociação

?Ele nasceu de uma pedra de gelo. Não tem sentimentos e sabe esperar o momento certo para dar o bote?, diz um executivo que trabalhou com ele. Assim Tanure fez fortuna, começando com uma pequena construtora na Bahia e adquirindo, uma após a outra, uma série de empresas falidas ou concordatárias. Foi assim com a fábrica de equipamentos de prospecção de petróleo Sequip, o estaleiro Verolme e a fabricante de turbinas Sade. Obstinado, Tanure chegou a dominar 80% do negócio de estaleiros no Brasil, até que afundou, em 1995, com US$ 600 milhões em dívidas. Vendeu a maior parte dos negócios, mas manteve o Verolme e muita vontade de voltar à tona.

Tanure saiu da sombra poucas vezes. A que chamou mais atenção foi durante um episódio rumoroso da era Collor. Em 1991, um grupo de fundos de pensão de estatais comprou US$ 12 milhões em ações de uma de suas empresas, a Sade. A então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, foi acusada de pressionar os fundos a participar da operação, apesar de pareceres contrários dos técnicos das fundações. A amizade do empresário com gente do governo era mais íntima do que se podia imaginar. Tanure costumava emprestar seu sítio em Itaipava, na região serrana do Rio, para os encontros românticos entre a ministra e o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, então em clima de ?Besame mucho?.

Mas o caso Sade não foi o primeiro escândalo em que Tanure esteve envolvido. Em 1972 sua construtora, a Cinassa, foi denunciada em um caso que foi o precursor do que aconteceria com a Encol. A empresa tomava empréstimos bancários e dava os apartamentos que construía como garantia. Ao tentar obter a escritura, os proprietários descobriram que seus imóveis eram garantias de empréstimos que a Cinassa não havia pago. Mesmo hoje, empresas de Tanure ainda figuram com destaque em listas desagradáveis. As Indústrias Verolme estão no ranking dos 20 maiores devedores do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), onde ocupam o 15º posto, com uma dívida de R$ 250 milhões. São os maiores devedores do Rio de Janeiro. E o Verolme foi acionado no início deste ano pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para execução de uma outra dívida, de R$ 90 milhões.

Diferente de outros empresários que ascenderam rapidamente, como Ricardo Mansur ou Daniel Birman, Tanure não é exibicionista. Pelo contrário. ?É um homem extremamente caseiro, avesso a badalação?, descreve um de seus amigos, o comediante Chico Anysio. Seu único hobby é cuidar dos quatro filhos, todos educados na Escola Americana, reduto dos endinheirados cariocas. Mas Tanure não dispensa conforto. Está construindo uma mansão cinematográfica no condomínio do Frade, em Angra dos Reis, vizinha à do ex-banqueiro Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha. Vive em Nova York desde que sua mulher, Patrícia, decidiu que deveriam sair do Brasil para fugir da violência. A gota d?água para a decisão foi a tentativa de seqüestro de Gabriela, filha do colunista Zózimo do Amaral, já falecido. O casal vive num confortável apartamento na Park Avenue, em Manhattan, a 100 metros do luxuoso hotel Waldorf Astoria e a três quarteirões do Central Park.