Parece roteiro de filme sobre a Guerra Fria. Os dois lados se provocam nos bastidores, trocam ameaças em público, mas não partem para o ataque letal. Um não demite. Outro não pede demissão. Claramente desapontado com o condutor da política econômica brasileira, Jair Bolsonaro tem no ministro Paulo Guedes um calcanhar de Aquiles. Se seguir as orientações do ex-czar da economia, teme perder apoio popular. Se o demitir, saltam do barco os poucos liberais e agentes do mercado que ainda dão suporte ao presidente — o que pode criar ainda mais instabilidade econômica e consequente desgaste político e eleitoral. O resultado desse impasse é um conflito pautado na tensão, com Bolsonaro tentando diminuir a autonomia de Guedes. Na semana passada, a fritura pública do subordinado passou dos limites, tornando-se humilhação.

Assessores ligados a Guedes afirmaram que a relação entre os dois protagonistas está péssima. Bolsonaro, inclusive, teria chegado a gritar com o ministro, dizendo que ele queria “derrubar o presidente”. A resposta teria sido à altura. “O senhor vai se derrubar sozinho se usar o dinheiro público como bem entende”, fazendo alusão à Lei de Responsabilidade Fiscal que seria ferida caso os devaneios populistas do presidente fossem todos prontamente atendidos. O ministro, que já foi aconselhado por pessoas próximas a abandonar a pasta, se mostra relutante. Parece ignorar, deliberadamente, todas as evidências da agenda que há muito deixou de ser liberal.

O que pode parecer insanidade, e muita gente próxima não consegue compreender nas atitudes de Guedes, é que ele sempre sonhou com o cargo. Tentou se aproximar de Lula, Dilma e Temer em diferentes épocas para ser o condutor do País ao mundo liberal. Deu azar de o tão sonhado posto que sempre cobiçou, o de um superministro da Economia, ter surgido justamente nas mãos de Bolsonaro. Não há hoje sequer um brasileiro letrado que acredite que a agenda de 2018 seja mais que ficção barata.

LONGE DO CONGRESSO Se por um lado a relação com o presidente está fria, por outro Guedes ensaiou um flerte com o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) — já que a relação estava abalada desde a votação da reforma da Previdência. Segundo o ministro, “após rusgas, os dois estão prontos para dialogar sobre a reforma administrativa”. Mas a interlocução durou menos de duas semanas. Na quarta-feira (16) Guedes foi vetado de articular com o Congresso. As pautas econômicas, a partir de agora, serão exclusivamente tratadas pelos generais militares Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência).

A decisão partiu de um acordo entre Bolsonaro e Guedes para garantir a permanência de Waldery Rodrigues à frente da Secretaria da Fazenda. Foi Rodrigues quem sugeriu que os R$ 400 do Renda Brasil viessem dos aposentados. Bolsonaro falou em dar “cartão vermelho” a quem cogitasse saídas para programas sociais sem sua anuência. Como os vetos de Bolsonaro não parecem ter qualquer indício de consistência, Guedes aparentemente concordou.

Fiel a Guedes, Waldery Rodrigues chegou a comprar brigas do ministro. A principal delas foi com Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, e Rogério Marinho, que era colega de pasta de Rodrigues antes de assumir o ministério do Desenvolvimento Regional.

Na sala da Presidência da República os aliados mais próximos de Bolsonaro, principalmente os militares, defendem que o chefe dê um ultimato em Guedes. De acordo com fontes próximas ao presidente, é chegada a hora de Bolsonaro “enquadrar o ministro”. Na avaliação dessa ala, Guedes deixa seus secretários comunicarem à imprensa informações para pressionar a cúpula do governo a se posicionar sobre temas sensíveis à economia. “Eles estão jogando contra o governo. Jogam informações que batem como bomba no presidente”, afirmou um aliado de Bolsonaro à DINHEIRO. “Querem agradar o mercado, mas nós governamos para todo o Brasil.”

Nesse festival de farpas públicas, nem o enredo é original. O consultor político Elder Rabello, que foi assessor do ex-presidente Lula entre 2006 e 2009, lembra que usar a mídia para expor iniciativas vetadas pelo governo é prática recorrente. “Quando alguém do ministério da Fazenda tinha uma ideia frustrada, corria para a imprensa. Faz parte do jogo”, disse. Outros recursos são passar recados por meio de parlamentares e por redes sociais. O presidente, que sempre foi adepto das redes em detrimento da grande imprensa, agora bebe do próprio veneno. “Ele desmente nas redes sociais, mas só para seus seguidores. Isso é um grande erro”, afirmou Rabello. Antes fosse só esse.