O empresário João Carlos Paes Mendonça, 73 anos, poderia ter tranquilamente se aposentado em 2000, quando vendeu a sua rede de supermercados Bompreço para a holandesa Royal Ahold. Com o negócio, ele embolsou algo em torno de R$ 600 milhões pelos seus 50% da empresa, de acordo com estimativas divulgadas na época. Mas esse torcedor fanático do Náutico, ex-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) por dez anos, nas décadas de 1970 e 1980, e ex-membro do Conselho Monetário Nacional, entre 1984 e 1986, parece estar longe de querer pendurar as chuteiras. Nos últimos 11 anos, Paes Mendonça construiu um novo império. Dessa vez, no setor imobiliário com o grupo JCPM (iniciais de seu nome). Ele agora detém participações em dez shopping centers – oito deles distribuídos entre Pernambuco, Bahia e Sergipe e dois em São Paulo. Mas isso parece pouco para Paes Mendonça.  Ele está investindo R$ 1,2 bilhão em dois novos centros de compras no Nordeste até 2013. Os recursos virão do caixa do próprio grupo e de aportes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O RioMar Shopping, em construção no Recife, será o maior do Nordeste, quando for inaugurado,  em outubro de 2012. “O varejo estava exigindo muito de mim”, disse Paes Mendonça, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, enquanto balançava nove medalhas religiosas penduradas em seu pescoço, presentes de Auxiliadora, sua mulher,  uma católica devota. “Eu trabalhava sete dias por semana”, diz.

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Novo negócio: com investimento de R$ 600 milhões, o RioMar Shopping,
que será inaugurado em 2012, no Recife, será o maior centro de compras do Nordeste

Isso não significa que Paes Mendonça esteja trabalhando menos. Ele só se dá ao luxo de ficar longe dos negócios nos fins de semana, quando foge para sua casa na praia, a uma hora de carro do Recife. Nos demais dias, chega pontualmente às 9h30 em seu escritório, localizado no 20º andar do JCPM Trade Center, um dos mais modernos edifícios da capital pernambucana, plantado em frente à tradicional praia de Boa Viagem. Ao lado de sua sala, que tem vista para o mar, Paes Mendonça guarda medalhas, títulos, honrarias e 143 crachás de participação em eventos do setor de supermercados  ao longo de sua trajetória.  No entanto, ele não costuma esquentar muito sua cadeira no escritório, pois faz questão de visitar cada um dos cinco diretores. “É como um serviço delivery”, brinca o empresário. Apesar dessa marcação cerrada com os executivos, Paes Mendonça cobra os resultados, ao mesmo tempo que abre espaço para que apresentem suas ideias. “Ele desafia e consegue extrair o melhor da equipe”, diz Jaime de Queiroz Lima Filho, vice-presidente do grupo JCPM, que trabalha há 30 anos com Paes Mendonça. 

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Entre os líderes: o grupo JCPM soma 389,5 mil metros quadrados de área bruta locável e é o quinto do setor, atrás de BR Malls, Multiplan, Aliansce e Iguatemi

Em pouco mais de uma década, Paes Mendonça transformou o grupo JCPM na quinta maior empresa de shopping centers do País, com 389,5 mil m2 de área bruta locável (ABL) de seus empreendimentos. O JCPM está atrás apenas da BRMalls, Multiplan, Aliansce e Iguatemi, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). No Nordeste, porém, não tem para ninguém: o grupo é o maior de todos. Os  dois novos empreendimentos – além do RioMar Shopping, ele espera autorização da prefeitura para construir o RioMar Fortaleza, na capital do Ceará – e a ampliação do Shopping Recife agregarão mais 197,3 mil metros quadrados de ABL, o que colocaria o  JCPM em terceiro lugar no setor, brigando tijolo a tijolo com a Multiplan pela segunda posição. “Paes Mendonça entrou no negócio por um caminho diferente da maior parte dos empreendedores do setor”, afirma Luiz Fernando Veiga, presidente da Abrasce. “Ele veio do varejo e a maioria dos concorrentes, da construção.”     

 

É fácil entender por que Paes Mendonça resolveu apostar no setor de shoppings centers. Em 2011, 38  novos empreendimentos do gênero serão inaugurados no Brasil. O faturamento deve aumentar quase 22% neste ano, chegando a R$ 109,1 bilhões, segundo o Ibope Inteligência. “O crescimento do poder de compra trouxe ao segmento um dinamismo inesperado”, afirma Antônio Carlos Ruótolo, diretor do Ibope Inteligência. Quem mais se beneficiou dessa expansão foi o Nordeste. De acordo com levantamento da consultoria IPC Marketing, de São Paulo, Salvador, Fortaleza e Recife, as três principais capitais nordestinas,  nas quais o grupo JCPM investe, são as donas do maior potencial de consumo da região. Somados, os gastos da população dessas três cidades deverão alcançar a cifra de R$ 90,2 bilhões até dezembro de 2011. O estudo mostra também que o Nordeste ultrapassou o Sul e se tornou a segunda maior região consumidora do País. Neste ano, as famílias nordestinas deverão consumir 17,7% do total dos gastos estimados para o País. “A explicação é conhecida: o impulso veio da melhoria de renda em consequência de programas governamentais”, diz Marcos Pazzini, diretor da consultoria.  

 

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Carlos Medeiros: CEO da BRMalls é parceiro em três shoppings 

  

Trata-se de um cenário bem diferente da época em que Pedro Paes Mendonça, pai de João Carlos, abriu uma pequena mercearia, em Serra do Machado, no agreste do Estado de Sergipe, em 1935. Esse pequeno negócio foi o embrião do Bompreço, que chegou a ser o terceiro maior supermercado do País, com 22 mil empregados, atrás do Pão de Açúcar e do Carrefour. Na década de 1960, João Carlos foi para Pernambuco, onde fez toda a sua vida empresarial. Em 1986, o dono do Bompreço detinha 20% do capital da rede Paes Mendonça, que pertencia ao seu tio e padrinho Mamede Paes Mendonça. Na época, Mamede queria ir para o Sul. João Carlos era favorável a concentrar forças no Nordeste. Sem chegar a um acordo, ele deixou a sociedade, recebendo em troca lojas em Sergipe. O final dessa história até os arrecifes de Olinda sabem.  Em dificuldades, boa parte delas devidas à aventura no mercado sulista, Mamede vendeu suas últimas 25 lojas para Abilio Diniz, do Pão de Açúcar, em 1999. 

 

Um ano depois do infortúnio do tio, ele próprio resolveu vender o Bompreço para o grupo Royal Ahold (que depois o revenderia para a rede americana Walmart) e levou para casa um cheque bem mais polpudo. Sobre o motivo de sua saída do ramo de supermercado, diz. “O varejo é uma atividade muito difícil para crescer e estava exigindo muito de mim.” Na verdade, o empresário sergipano já enxergava que sua praia, o Nordeste, seria invadida por grandes grupos internacionais e do Sul do País. Foi com o dinheiro da venda do Bompreço que Paes Mendonça, que já detinha uma participação de 30% do Shopping Tacaruna, localizado entre Recife e Olinda, resolveu apostar ainda mais em centros de compras. Assim como na área supermercadista, seu foco é o Nordeste, que ele conhece como a palma da mão. Mas desta vez ele está mais aberto para investimentos no Sul do País. “São Paulo é um dos principais alvos porque é praticamente um país, do tamanho da Espanha”, diz o empresário. 

 

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Nesse Estado, ele detém duas pequenas participações nos shoppings Granja Viana( 25%) e Villa-Lobos (20%), ambos na capital. Paes Mendonça não fornece detalhes sobre os seus planos para avançar no Sudeste. Apenas diz que já está conversando com possíveis sócios – entre eles os grupos  BRMalls, Multiplan e Jereissati – sobre a possibilidade de firmar parcerias e construir em municípios com grande potencial para abrigar novos shoppings. Campinas, São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Preto são candidatas naturais a receber investimentos. As parcerias são o meio de viabilizar futuros negócios na região. “Ninguém quer fazer shoppings sozinho, por isso a maior parte dos grupos está se associando em empreendimentos”, diz Paes Mendonça. No Nordeste, ele tem como parceiros em seus empreendimentos BRMalls, Magus Milburn, Gerson Lucena e Noel Barbosa. Além dos shopping centers, o empresário controla o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, que inclui a TV e Rádio Jornal, a Rádio JC/CBN, JC Online e o Jornal do Commercio. Mas é  em outro braço do ramo imobiliário que está a aposta mais recente de Paes Mendonça. O grupo JCPM investe em seis projetos que envolvem a construção de empreendimentos residenciais e de conjuntos de escritórios. 

 

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Elie Horn: CEO da Cyrela tem projetos imobiliários com o JCPM

 

Cinco deles são tocados em parceria com a construtora paulista Cyrela e o outro com a pernambucana Moura Debeux Engenharia. “Nessas parcerias entramos com os terrenos e algum investimento”, diz Francisco Bacelar, diretor da divisão imobiliária da JCPM. “Não atuamos na obra especificamente.” Os projetos com a Cyrela devem somar um valor geral de vendas de R$ 1,2 bilhão, segundo Luciano Almeida, diretor de incorporação da Cyrela Nordeste. Nessa conta só não entra o condomínio de luxo Guadalupe Brasil, no litoral sul de Pernambuco, ainda em fase de elaboração de projeto. Apesar de ser ainda bastante ativo nos negócios, Paes Mendonça já está preparando a sua sucessão. Os irmãos João Carlos, Marcelo e Renato, herdeiros de Jaci, sua única filha, formados em administração, trabalham com o avô e participam de reuniões importantes do setor. “Eles estão sendo muito bem treinados”, afirma Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da GS&MG – Gouvêa de Souza, consultoria especializada em varejo de São Paulo. 

 

Sobre os netos, o empresário afirma. “Vou ajudá-los, enquanto precisarem de mim.” Sobre quem deverá sucedê-los, diz apenas que os três são muito amigos e saberão resolver. Fora o tempo que passa no trabalho, uma de suas obsessões é sua cidade natal. Ele é considerado uma espécie de governador de Serra do Machado, povoado do município sergipano  de Ribeirópolis,  com aproximadamente dois mil habitantes. Quando soube que a Estrela procurava um local para uma fábrica de brinquedos no Nordeste, Paes Mendonça pegou o telefone e convenceu Carlos Tilkian, presidente da empresa, a instalá-la em sua terra. “Escolhemos o lugar porque geraremos empregos e colaboraremos com a economia local”, diz Tilkian. Com investimentos de R$ 11 milhões, a fábrica será inaugurada em setembro e empregará 200 pessoas.

 

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Entrevista:

 

“o dólar, a este preço, me assusta”

 

O empresário João Carlos Paes Mendonça, dono do grupo JCPM, de Pernambuco, foi presidente da Associação Brasileira de Supermercados por dez anos, nas décadas de 1970 e 1980, e membro do Conselho Monetário Nacional, entre 1984 e 1986. Ele, que foi dono da rede de supermercados Bompreço e viveu o período da hiperinflação do governo Sarney, concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO sobre a economia brasileira:

 

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Como avalia a condução da política econômica atualmente? 

Acho que, mesmo com as distorções de juros altos, impostos que são uma barbaridade e o câmbio desfavorável para muitas empresas exportadoras, o Brasil vai bem. O lado positivo do dólar nesses patamares é que estamos trazendo mais equipamentos e novas indústrias. A política econômica, felizmente, é a mesma desde a época do Fernando Henrique Cardoso, que teve todo o mérito na transformação do cenário econômico no Brasil. 

 

Como resolver a valorização do real?

É o que estão tentando descobrir. O problema é que, para conter a inflação, a regra básica é aumentar os juros, o que atrai uma enxurrada de dólares e acaba resultando no cenário atual. Fico assustado com o dólar a esse preço. Algumas medidas pontuais estão sendo tomadas pelo governo federal e as empresas vão sobrevivendo. Aliás, fico muito impressionado com a competência do empresariado brasileiro. É algo fantástico sobreviver com o dólar nesse patamar. 

 

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O sr. acha que a crise externa afetará o Brasil?

Sim, sem dúvida alguma. Afinal, em uma economia globalizada, não tem conversa. O que ocorre é que ela vai chegar em intensidade maior ou menor, dependendo do país. Nós temos uma reserva cambial extraordinariamente forte, mas por outro lado um endividamento interno alto e caro. É preciso esperar para ver. 

 

Sua construtora vai investir em projetos da Copa do Mundo?

Não. Só vou torcer para o Brasil. Aliás, será ruim se a gente perder a Copa e tiver bronca com estradas, aeroportos, hotéis e estádios. Perder a Copa e não ter tudo isso pronto até lá é que será uma desgraça. Há muito dinheiro sendo empregado sob a alegação de que vamos criar infraestrutura. Mas não adianta ter um monte de elefante branco.

 

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De Recife