Eduardo Tricio Gómez, presidente do conselho de administração do Grupo Lala: “Avaliamos diversas empresas brasileiras nos últimos cinco anos. Mas a vigor sempre foi a minha preferida”

O relógio marca pouco mais de nove horas de uma terça-feira, 15 de maio, em Torreón, município do estado de Coahuila, no norte do México. Mas os termômetros já indicam que a previsão de 40 graus para a tarde de primavera, certamente, irá se confirmar. Conhecida pelas temperaturas elevadas e por ter, no máximo, “dez dias de chuva por ano”, a cidade é um desafio para principiantes. Mas mostrou-se um terreno fértil para o espanhol Eduardo Tricio Gómez, que desembarcou por lá em janeiro de 1954, para se dedicar à criação de gado leiteiro, um dos motores da economia local.

Da atividade, ele tirava o sustento para os oito filhos nascidos em território mexicano. O primogênito, Eduardo Tricio Haro, herdou seu espírito empreendedor. Durante a infância, o menino sabia identificar cada uma das mil vacas que compunham, até então, o patrimônio do pai. Aos 13 anos, ele ganhou os primeiros trocados criando e vendendo frangos, de porta em porta. E, já adulto, em meados da década de 1970, mostrou mais uma faceta quando cursava a faculdade de agronomia.“Muitos fazendeiros me pediam para que eu comprasse gado para eles”, disse Tricio Haro, em entrevista à DINHEIRO. “Eu tinha um bom olho para selecionar os animais.”

O talento para as boas escolhas seguiu dando o tom de sua trajetória. Depois de adquirir sua primeira fazenda, em 1985, com o dinheiro das comissões da compra de gado, Tricio Haro tornou-se um dos principais empresários mexicanos. Hoje, aos 54 anos, ele possui participações e integra os conselhos de administração de grandes empresas do país, como o banco Banamex, a companhia aérea Aeromexico, a rede de televisão Televisa e a Mexichem, de materiais de construção. A joia da coroa, no entanto, é a Lala, companhia de lácteos fundada na década de 1950 por seu pai – falecido em 2014 -, pelo tio Gregório e outros produtores de Torreón e região. Principal acionista da operação, Tricio Haro foi o arquiteto da expansão internacional do grupo, que tem capital aberto na Bolsa de Valores do México e está avaliado em US$ 2,6 bilhões. A estratégia começou a ser desenhada a partir do ano 2000, quando ele assumiu a presidência do Conselho de Administração. A cartada mais ambiciosa foi dada em agosto do ano passado, com a compra da brasileira Vigor, por R$ 4,3 bilhões.

O acordo marcou a entrada da Lala no Brasil, um sonho antigo do grupo e, em especial, do empresário. “Avaliamos diversas empresas brasileiras nos últimos cinco anos. E eu sempre dizia que a Vigor era a que eu queria”, disse Tricio Haro, durante encontro com jornalistas brasileiros nos escritórios da empresa na Cidade do México. A iniciativa reforça a importância do País nos planos da companhia. Acostumado a ficar longe dos holofotes e pouco afeito a conceder entrevistas, ele abriu as portas da sede administrativa da Lala, acompanhado do CEO Scot Rank. “Não sei o que estou fazendo aqui. Sou apenas um produtor de leite. Eu deveria estar ordenhando as minhas vacas”, afirmou, bem humorado, o empresário.

Prioridades: o foco de Scot Rank, CEO da Lala, é melhorar a rentabilidade da Vigor. Uma das medidas para alcançar esse objetivo é um investimento de R$ 400 milhões na modernização das fábricas da empresa (Crédito:Divulgação)

O ânimo também tinha outra explicação. No dia seguinte, o Santos Laguna, time de futebol de Torreón, patrocinado pela Lala, disputaria a final do Campeonato Mexicano, contra o Toluca. Fanático por futebol e pelo clube, Tricio Haro pegaria um avião até Torreón para acompanhar o jogo, vencido pela equipe, que sagrou-se campeã do torneio, pela sexta vez. Já no campo dos negócios, o Brasil é rota obrigatória no objetivo traçado pela Lala de estar no topo da preferência dos consumidores de laticínios das Américas. Segundo a consultoria Euromonitor, o setor movimentou US$ 471 bilhões na região, em 2017. E o mercado brasileiro respondeu por 18% desse montante, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. No período, a Vigor faturou R$ 2,46 bilhões, uma alta de 11,5% sobre 2016. A companhia já ocupa um lugar de destaque nos resultados da Lala. No primeiro trimestre desse ano, a operação brasileira superou a americana na geração de receitas, com 21% de participação no faturamento.

INTERCÂMBIO Passados nove meses da aquisição, a integração da Vigor está em curso. Uma das primeiras decisões tomadas pela Lala foi manter toda a equipe da companhia, incluindo o CEO Gilberto Xandó. “Escolhemos um caminho diferente do que as empresas mexicanas e multinacionais adotam”, disse Tricio Haro. “Entendemos que não fazia sentido promover mudanças.” Agora, o grupo começa a investir no diálogo entre as duas operações. “A oportunidade de intercâmbio é fantástica. Vamos levar muito do México para o Brasil. E vice-versa”, afirmou Rank, CEO da Lala.

Com 13 pessoas, a área de inovação da Vigor foi uma das primeiras a entrar no radar de Tricio Haro e companhia. Nesse processo, João Nery, gerente de inovação da brasileira, foi convidado a assumir o recém-criado posto de diretor global de Pesquisa e Desenvolvimento da Lala. Inicialmente, o executivo passou duas semanas, “sem compromisso”, nas instalações da empresa, em Torreón. “Uma das questões que chamou a atenção da Lala foi a nossa capacidade de inovar com muita rapidez”, disse Nery, que, há três semanas, mudou-se para a cidade mexicana. Para efeito de comparação, 25% da receita da Vigor vêm de novos produtos. Na Lala, esse índice gira em torno de 10% a 13%. “No entanto, mais de 80% dos produtos que lançamos permanecem no portfólio ao longo do tempo”, afirmou Tricio Haro.

Como parte das iniciativas para consolidar a área global de inovação, o grupo promoveu um workshop na semana passada em seu Centro de P&D, instalado no complexo La Laguna, em Torreón, que inclui ainda seis fábricas de leite, queijos e derivados. O evento reuniu as cerca de 60 pessoas dos times de inovação do México, Brasil, Estados Unidos e América Central. Nas paredes dos escritórios do local, a influência brasileira também começa a aparecer. Cartazes do Instituto Lala, braço de capacitação da companhia, anunciam cursos de português para os funcionários.

Carrossel: vacas são ordenhadas em um sistema mecanizado na fazenda La Laguna, de propriedade de Eduardo Tricio Haro. Trazer técnicas do México para aumentar a produtividade no Brasil é outra meta da Lala (Crédito:Divulgação)

As sinergias se estendem ao portfólio. “A Lala e a Vigor têm ofertas complementares”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da consultoria AGR. Enquanto a companhia mexicana é forte em leites e sobremesas, a Vigor possui boa presença em categorias como queijos e refrigerados. “Há muitas oportunidades de aprendizado para ambas as partes em desenvolvimento de produto, logística, embalagem e disposição nos pontos de venda.” Embora não revele nomes, a Lala levará, até o fim do ano, um produto brasileiro para as gôndolas do México, com a possibilidade de um segundo lançamento no período. Uma oferta mexicana também deve chegar ao Brasil no primeiro semestre de 2019. “A mistura de tequila e cachaça está começando a funcionar”, afirmou Tricio Haro.

DESAFIOS À parte do bom humor do empresário, a Lala tem desafios pela frente. “O mais importante é reduzir a alavancagem da empresa”, diz José Antonio Cebeira, analista da corretora mexicana Actinver, reforçando a visão de boa parte do mercado de capitais do país, que questionou o preço pago pela Vigor. O grupo encerrou 2017 com uma dívida de 30,9 bilhões de pesos (US$ 1,57 bilhão), ante 2,3 bilhões de pesos (US$ 110 milhões), em 2016, e atribuiu boa parte desse salto à engenharia realizada para financiar a aquisição. No relatório anual, a Lala destacou que 92,42% da dívida correspondem a débitos de curto prazo.

Equacionar essa questão é uma das prioridades da Lala. Embora não tenha fornecido mais detalhes, o CEO Rank observou que a empresa acaba de reestruturar a dívida no Brasil, com taxas menores e a redução das pendências de 14 bancos para cinco instituições. Melhorar a rentabilidade da operação brasileira é mais um objetivo. O grupo vai investir 2 bilhões de pesos (R$ 400 milhões) para modernizar as nove fábricas da Vigor no País, com a transferência de tecnologias. “Em dois anos, nossa meta é sair da margem Ebitda atual de 7,5% para 9,5% no Brasil”, afirmou Rank. Globalmente, a margem Ebtida da companhia foi de 11,1% no primeiro trimestre. Outro plano de aportes de cinco anos está em fase de aprovação pelo Conselho de Administração.

Importar técnicas do México para os 1,2 mil produtores brasileiros da Vigor é outra vertente. Um dos exemplos é a La Laguna, fazenda de Tricio Haro localizada em Gomez Palacio, próxima à Torreón. A região responde por 23% da produção leiteira no México. Na propriedade, as 30 mil vacas são ordenhadas em sistemas mecanizados, em um carrossel, ao som de compositores clássicos, como o tcheco Gustav Mahler. Em média, cada uma delas produz, diariamente, 38 litros. O índice está bem acima do brasileiro, que varia entre 7 e 14 litros por dia.

Do campo às gôndolas: o modelo de distribuição própria é um dos pontos fortes da Lala destacados por analistas e que pode ser replicado no Brasil. No México, a empresa alcança uma base de 578 mil pontos de venda (Crédito:Susana Gonzalez/Bloomberg via Getty Images)

Os planos também incluem a adoção de um sistema de compras, utilizado no México, no qual a Lala compartilha pedidos com as demandas de outras companhias, a fim de negociar melhores preços com os fornecedores. “Uma das fortalezas da Lala que pode ser levada ao Brasil é o seu modelo de distribuição”, diz Marco Antonio Montañez, analista da corretora mexicana Vector. Com distribuição própria, a Lala alcança, apenas no México, 578 mil pontos de venda. “A Vigor e suas marcas estão muito bem posicionadas em São Paulo”, afirmou Tricio Haro. “Mas há muita oportunidade de fortalecer essa presença em outras regiões do Brasil.”

Seja quais forem os caminhos traçados, há uma barreira a ser superada. A compra da Vigor incluiu uma participação de 50% que a companhia detinha na também brasileira Itambé. Os 50% restantes pertenciam à Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR). A Lala chegou a fazer uma oferta por essa fatia. Mas a CCPR exerceu um direito estipulado no acordo de acionistas e assumiu o controle da Itambé, por R$ 600 milhões, em 4 de dezembro de 2017. No dia seguinte, vendeu a operação para a francesa Lactalis.

A Lala e a Vigor alegam que a CCPR descumpriu o acordo de acionistas ao negociar, nos bastidores, a transação com o grupo francês. A Lactalis, por sua vez, havia participado da concorrência pela Vigor e perdido o negócio para a Lala. No processo, a empresa teria assumido o compromisso de não fazer nenhuma proposta pelos ativos da Vigor no prazo de dois anos, o que incluía a Itambé. Depois de liminares entre as partes na Justiça, o imbróglio aguarda, agora, uma decisão na Câmara de Arbitragem Brasil Canadá. Enquanto isso não acontece, a Lactalis não pode assumir a operação da Itambé.

Para Marcelo Candiotto, presidente da CCPR, a decisão tem tudo para ser favorável à cooperativa. “A arbitragem vai comprovar que a transação foi legítima”, afirma. Ele conta que chegou a visitar algumas instalações da Lala no México. Mas entendeu que o modelo adotado com os produtores e a proposta feita pela companhia não atendiam às expectativas da CCPR. “A realidade deles é de grande escala, muito diversa da nossa.” Candiotto acrescenta que a oferta feita pela Lactalis, que incluiu um contrato de fornecimento de dez anos, estava mais alinhada ao que a cooperativa buscava.

Procurada, a Lactalis afirmou, em nota, que “aguarda confiante a definição dos processos e que confia plenamente na Justiça.” A Lala, por sua vez, também dá como certo que a arbitragem decidirá a seu favor. A empresa trabalha com um prazo de dois a três anos para o desfecho do processo. “Vamos ganhar”, diz, enfático, Tricio Haro, que não vê nenhum reflexo do caso na operação local. O empresário também descarta, a princípio, novas aquisições no mercado brasileiro ou mesmo na América do Sul. “Como dizemos no México, primeiro, o primeiro. Nosso foco agora é digerir e consolidar a integração da Vigor.”