DINHEIRO – A ideia da Lumiar é mexer com toda a base da educação?
RICARDO SEMLER – Não é e talvez não seja desejável. O nosso raciocínio não é que queremos conquistar ou que temos a resposta para tudo. O que queremos é exercitar alternativas, como fazemos com a Semco, que provam que tem jeito melhor para fazer e é muito mais contemporâneo.

DINHEIRO – A concorrência são as escolas que também pensam na formação do século XXI?
SEMLER – A escola modernosa, que é uma Avenue ou uma Concept, em grande parte está jogando para uma platéia de pais que acham que tem duas coisas valiosas: o networking e o capital social. A mensalidade é supercara e os filhos vão andar com outros caras que, com certeza, vão ser importantes, independentemente se eles aprenderam alguma coisa ou não. Isso é um enclausuramento social mal pensado. Porque diminui a chance de essa criança se adaptar ao mundo que vem pela frente. Tudo bem, é um gueto dentro do gueto, mas essa criança praticamente está incapacitada para as mudanças do mundo. Os pais estão sendo cooptados pelos clichês do aprendizado em mandarim, em robótica, e com aulas de empreendedorismo aos quatro anos. É uma seleção de bobagens que os pais compram. O nosso raciocínio é o de criar uma capacidade pedagógica para a criança sair ao mundo questionando e, se quiser, aprender o mandarim.

DINHEIRO – Mas quem é formado nessas escolas serão os líderes, certo?
SEMLER – Uma pesquisa da Universidade de Wisconsin mostrou que as pessoas que tiraram as maiores notas no colegial e na faculdade sempre compõem o meio das organizações 10 ou 15 anos à frente. O gerente regional de banco, por exemplo, é esse cara que tinha uma bruta nota. Os pais que são bobos o suficiente para acreditar que o filho que tirou nove saiu preparado, porque tem informação suficiente. Que pena que ele agora é gerente regional de banco. Não, foi o pai que bobeou e colocou ele nessa posição.

DINHEIRO – Então, quem ocupa o topo das grandes corporações?
SEMLER – São quase sempre individualistas, que se desenvolveram sozinhas. A escola é um dos momentos de aprendizagem, mas em nenhum momento foi o centro. É uma pessoa que estava fazendo teatro, tocando em uma banda ou abrindo um food truck com 17 anos. O sistema agarrou quem justamente está disposto a sentar lá e aceitar imbecilidades em série. Quem não aceitou, deu a volta no sistema.

DINHEIRO – Como ampliar o modelo da Lumiar?
SEMLER – Para ter escala, não podíamos fazer isso sozinhos. Precisávamos de alguém parrudo. A Anima tem 100 mil alunos no ensino superior. Agora, nós estamos começando a decolar, finalmente, o volume. Há um ano e meio ou dois, tínhamos 140 alunos e agora estamos com 560. Mas nem começou. Isso vai tomar porte de repente. O meu interesse máximo nesse assunto é contaminar a escola pública.

DINHEIRO – É possível fazer isso?
SEMLER – Sim, porque o nosso foco e mecanismo não é o de entrar na escola, convencer a secretaria de educação ou o sindicato dos professores, o que seria bem cansativo. O nosso formato é o de criar um contraturno Lumiar. Desse jeito, damos conta do currículo inteiro e o que o aluno faz de manhã na escola pública tanto faz. Vamos considerar a escola pública como reforço.

DINHEIRO – Alguma escola já fez o teste?
SEMLER – Temos três escolas públicas. Estamos há 6, 7 anos e conhecemos, para ninguém falar assim: ‘ah, mas você não conhece escola pública, não conhece o professor’. As três são na região da Serra da Mantiqueira, em São Paulo. Uma é completamente rural, com grau razoável de bilinguismo e com um Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] que é o dobro do Estado e do município. Está aprovado, não tem o que discutir. Oferecemos o contraturno gratuitamente, com plataforma digital. Qual é o sentido de dizer não e deixar as crianças na obscuridade. Esse é o mecanismo que nós achamos que vai deslanchar uma revolução na educação pública.

DINHEIRO – Por que mudar a sede para os Estados Unidos?
SEMLER – Porque os obstáculos aqui e a velocidade são muito baixas. Vale do Silício e Boston, nos Estados Unidos, e a Finlândia são lugares onde está se pensando o futuro da educação. Temos sócios do Vale do Silício que não se interessam pelo que acontece fora de um raio de 3 quilômetros de São Francisco. Para eles, não tem importância nenhuma. Por isso, precisamos tomar um pouco de cuidado com o risco do predador. Um exemplo é que, há 30 anos, inventamos a palavra quarteirização. Hoje é domínio público e ninguém mais sabe disso. Aqui é um pouco o mesmo raciocínio. Tem predadores no Vale do Silício com tamanho para ler e dizer: isso eu faço também. A nossa janela de oportunidade para escala é relativamente curta, talvez 3 ou 5 anos. Daqui a pouco todo mundo fala que sempre foi assim.

DINHEIRO – Por que o sr. é contra um gestor em um cargo público?
SEMLER – Não conheço nenhuma história de sucesso nesse sentido. Quando o empresário é bem-sucedido e testa as águas da rés-pública, ele começa a ser inebriado pelo poder e quer ficar, por questão de vaidade, e tanto faz o estrago que vai causar, ou ele percebe que aquele não é o lugar, por falta de eficiência. De um lado tem os Berlusconi e os Trumps da vida; de outro, que testaram e não gostaram, os exemplos são Michael Bloomberg, Antonio Ermírio de Moraes e Olavo Setubal. É um problema de um equilíbrio delicadíssimo de diversidade de interesses. Absolutamente não é um problema de gestão.

DINHEIRO – Qual é a sua experiência nesse campo?
SEMLER – Perto dos anos 1990, cheguei perto, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas, que diziam que eu tinha de ser candidato a prefeito. Pedi um ano para entender a cidade e se poderia deixar alguma coisa perene. No desenho que fiz, conclui que a cidade deveria ser dividida em 96 distritos, com 96 presidentes-distritais, que não precisariam ter partido, mas tinham de morar naquele bairro há pelos menos cinco anos. Mas o pessoal dizia o seguinte: “quando você assumir, se ganhar, vai ter 2,5 mil cargos de confiança”. Eu respondia que não tinha quatro pessoas de confiança que queriam ser um servidor público. Das duas, uma: faz o teste e descobre que era outra coisa ou está em uma egotrip tão importante que destruir um país ou uma cidade não é problema seu.

DINHEIRO – O que espera da eleição deste ano?
SEMLER – Como o cenário não está configurado ainda, não dá para escolher alguém. Mas, por enquanto, é desanimador. Os bandidos estão todos paramentados como sempre estiveram, e são maioria. As pessoas íntegras, que existem, têm maluquices ou outros vieses importantes, religiosos e ideológicos. Agora, para o País, não estou nada desanimado. Não melhorou nada a corrupção, é tudo espuma. Mas o Brasil é formado por uma base de gente formidável, que está se esclarecendo aos poucos. Então, só pode melhorar aos poucos. Só não vai ser rápido.