Desde o fim de março, a rotina das manhãs de segunda-feira de alguns milhares de profissionais do mercado financeiro está incompleta. Dia em que tradicionalmente os comitês de risco e de investimentos dos bancos fazem reuniões para traçar a estratégia da semana, a segunda-feira só começava na prática com a divulgação, pontualmente às 8h30, do Relatório Focus.

Elaborado pelo Banco Central (BC) há quase 20 anos, desde janeiro de 2003, o Focus surgiu logo nos primeiros tempos do Plano Real, ainda nos anos 1990. No início era uma publicação em inglês que levantava as expectativas dos agentes de mercado e era destinada aos investidores internacionais. Logo ganhou popularidade e passou a ser publicado em português. No entanto, essa autêntica bússola semanal deixou de funcionar há duas semanas. A greve dos servidores do BC interrompeu a publicação pela primeira vez desde seu lançamento. “Isso é crítico, estamos sem dados no pior momento para a inflação desde 2015”, disse a executiva da 3A investimentos, Camila Veloso. “O Relatório Focus serve de parâmetro para decisões importantes no mercado financeiro e para toda a cadeia empresarial, que se baseia nestes índices para tomada de decisão.”

O temor dos investidores se amplia à medida que passam os dias e não há solução para a paralisação, iniciada no dia 1º de abril. Não há sinal de acordo à vista. Os cerca de 3,5 mil servidores do BC pedem reajuste salarial de 26,3% e recomposição da carreira. Na terça-feira (12) havia uma reunião agendada entre as lideranças grevistas e o presidente, Roberto Campos Neto, mas a participação do executivo foi cancelada na última hora. Prossegue o impasse.

SEM ACORDO Roberto Campos Neto, presidente do BC, vem cancelando as reuniões com os representantes dos servidores. (Crédito:Sérgio Lima )

O Focus foi a primeira baixa, mas há riscos mais profundos e sistêmicos decorrentes do cruzar de braços dos servidores do BC. Além de divulgar seus relatórios, a autarquia é a responsável por executar a política monetária, calibrando a taxa de juros. Também fiscaliza os bancos, define as normas do sistema financeiro e, mais recentemente, é a operadora do sistema de transferências Pix. Lançado em novembro de 2020, o Pix já se consolidou como o meio de transferir dinheiro mais popular do País. No quarto trimestre do ano passado foram realizadas 3,89 bilhões de transações, mais do que as processadas por cartões de crédito e débito. A fonte das informações é o próprio BC.

COPOM E há outras questões. A 246ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está agendada para os dias 3 e 4 de maio. A convicção do mercado é que o encontro será realizado, e as atas e comunicados serão devidamente divulgados. A dúvida é como decidir sobre uma variável tão fundamental como a taxa de juros sem os sistemas de coleta, processamento e análise de informações econômicas que permitem aos membros do Comitê medir com precisão a temperatura da economia.

As expectativas eram de uma alta de 1 ponto percentual na Selic, que subiria para 12,75% ao ano e pararia por aí. No entanto, a alta do IPCA e declarações do próprio Campos Neto já alteraram esses prognósticos. Nesses momentos de incerteza, o trabalho do BC é divulgar sua visão para fazer as expectativas convergirem, evitando volatilidade no mercado. Sem essa bússola, o mercado e a economia ficam perigosamente à deriva.