Fundador de uma das mais influentes escolas de negócios do País reconhece que a formação dada aos executivos falhou nas questões sociais.

Prestes a completar 80 anos, em 6 de julho, o economista e empresário mineiro Emerson de Almeida tem se dedicado a escrever seu terceiro livro. Será sobre empreendedorismo na baixa renda. O autor pretende deixar um legado de conhecimento e experiência às novas gerações de empresários e executivos no País, especialmente sua visão de que o lucro e a sociedade caminham de mãos dadas. Cofundador da Fundação Dom Cabral (FDC), da qual preside a diretoria estatutária, o equivalente ao conselho de administração de uma empresa privada, Almeida integra o board de instituições internacionais como Insead, na França. Nesta entrevista à DINHEIRO, ele analisa o cenário político e econômico e faz críticas à condução do País.

DINHEIRO – Como definir o que o País vive hoje em termos sociais, políticos e econômicos?
EMERSON DE ALMEIDA — Difícil de resumir. Vejo com muita preocupação a situação e os rumos que nos trouxeram até aqui. A questão social é dramática. Muitas empresas estão fechando as portas. Ontem mesmo soube que a Mitsubishi vai paralisar a produção no Brasil. Teve também a Ford, a Sony… Com raríssimas exceções, as empresas brasileiras estão patinando. As que não se internacionalizaram, hoje estão em uma situação muito difícil. As que estão bem, como a Natura, são aquelas que não dependem apenas do mercado brasileiro. Além disso, são empresas diferenciadas, com respeito aos funcionários, ao meio ambiente, às questões sociais. Exemplos assim são raros.

Reformas e privatizações podem mudar essa situação para melhor?
O posto Ipiranga do governo [ministro da Economia, Paulo Guedes] parece que está sem combustível. Nossa situação social é agravada pelos 15 milhões de desempregados, além dos milhões de desalentados. A quantidade de desabrigados, morando debaixo de marquises e de viadutos, só cresce. O cenário é muito desolador.

O desemprego pode ser atenuado pelo aumento do número de empreendedores no Brasil?
O povo não tem cultura empreendedora. Como dizia nosso colega Paulo Francis, o brazilian dream é um emprego público, que dá direito a meio expediente, com tempo livre para praia e botequim. Recentemente, o Papa Francisco disse que o brasileiro não tem salvação porque bebe muita cachaça e faz pouca oração. Claro que essas declarações foram feitas em tom de brincadeira. Mas, no fundo, mostram que o Brasil deixou de ser o País do futuro. Hoje o Brasil não é enxergado por nenhuma nação como um País com futuro.

É falsa a crença no brasileiro empreendedor?
Na minha avaliação, sim. Cultura é aquilo que as pessoas fazem repetidamente e que dá certo. Isso vira cultura. O brasileiro é imediatista. Tem baixíssima tendência à poupança. Só planeja o curto prazo. Claro que somos muito acolhedores, simpáticos, alegres e estamos sempre em busca da felicidade. Mas o que faria o brasileiro protestar mais: a redução do Carnaval para apenas dois dias, sábado e domingo, ou os preços dos alimentos subirem demais? Com certeza é o Carnaval. Então, o Brasil está fadado a viver essa situação que está ai, de crescimento médio e sem brilho. Lamento dizer isso, mas é a realidade. Não sou pessimista, sou realista.

“A falta de recursos, de emprego e a fome podem acabar com o estilo amigável da população. Existem ameaças que podem nascer de uma convulsão social” (Crédito:Mauro Akiin Nassor)

O que pode piorar no Brasil?
Quase tudo. Recentemente, o fundador e presidente da Cufa, a Central Única das Favelas, e o presidente do Gerando Falcões, vêm dizendo que quando a favela fala, é melhor a gente ouvir. Risco de caos social não é uma ameaça, é um alerta. O que pode acontecer de pior é um movimento popular que leve a uma ruptura da estrutura democrática. A falta de recursos, a falta de emprego e a fome podem acabar com o estilo amigável da população. O brasileiro não quer dar tiros, não gosta de pegar em armas. Por outro lado, há um movimento de pessoas mais lúcidas que alerta que chegou a hora de milionários e bilionários protegerem a população vulnerável. A elite brasileira é perversa. O empresário quando é novo, quando quer se desenvolver, ele é um animal. Com o tempo, muda de convicção. Os mais velhos, mais experientes, em geral enxergam as coisas com um olhar mais humano. E tem muita gente se ocupando com uma mudança de estilo, de apoio aos que precisam. Cito nomes como Neca Setúbal, da família controladora do Itaú. Ela tem uma pregação de apoio social, de redução da desigualdade. E os sócios da Natura, o Guilherme Leal, Pedro Passos e Luiz Seabra.

Essa mudança de postura é marketing ou um comportamento que reflete um novo pensamento?
Tenho esperança que seja um novo pensamento. Há sinais interessantes que mostram isso. No entanto, a gente precisa separar o que é conveniência e o que é convicção. Muita gente tem agido por conveniência. Ficou grandão demais e precisa de uma boa imagem perante a sociedade. Mas tem muita empresa que age por convicção, que sabe que deve fazer o que é o certo a fazer.

A pandemia vai acelerar esse olhar mais humanizado dos empresários?
Com certeza. A pandemia alertou muita gente para a finitude da vida. Infelizmente, muitos perderam parentes, amigos e conhecidos. Com isso, está repensando a coisas. A pandemia é acidente histórico que abriu os olhos de muita gente.

A pandemia também mudou os rumos da política no mundo. A derrota do ex-presidente americano Donald Trump é um exemplo. Esses efeitos também devem ocorrer em outros países, inclusive o Brasil?
Sim, a pandemia é um elemento responsável por essa mudança. E ainda bem que o Trump perdeu a eleição. Mas ainda há países, na Europa e inclusive o nosso, liderados pela direita radical. Isso coloca em risco a própria democracia.

A democracia brasileira corre risco real?
Sem dúvida. Os elementos que temos hoje nas áreas política, social e no ambiente institucional são muito propícios a uma ruptura. A democracia brasileira está em risco não só pela vontade do governo, mas existem ameaças que podem nascer de uma convulsão social, causada pelo levante de movimentos populares que não aceitam a fome e pela falta de emprego.

As Forças Armadas e o governo Bolsonaro, que muitas vezes não deixam claro onde acaba um e começa o outro, teriam condições de um golpe para se perpetuar no poder mesmo sem o apoio de nenhuma grande potência mundial, especialmente Estados Unidos, Rússia ou China?
Sem dúvida, o Brasil isolado do mundo e a derrota do Trump podem ter frustrado planos de golpe. Os indicadores eram de que existia uma aliança do governo com segmentos importantes do esquema institucional brasileiro que poderiam levar a uma fricção maior. A eleição do Joe Biden funcionou como uma espécie de freio para aventuras antidemocráticas de qualquer natureza. Mas não significa que os países da América Latina, inclusive o Brasil, estão livres das consequências de presidentes tresloucados quaisquer. Eles sempre podem querer experimentar uma besteira maior. Mas, graças à boa vontade de Deus, a vitória de Biden veio em boa hora.

Como presidente da diretoria da FDC, qual a sua percepção do empresariado com o qual o senhor se reúne frequentemente sobre o panorama político e econômico?
Temos no conselho curador empresários e lideranças expressivas. Em geral, há uma preocupação grande em termos de ambiente institucional, em questão social e na falta de capacidade de aglutinação das lideranças políticas.

Sobre o cenário eleitoral de 2022, há uma saída com as cartas que estão à mesa?
Em curto prazo, a solução será encontrar uma terceira via que agregue grande parte do povo brasileiro. Até agora, não me parece que surgiu esse nome que possa aglutinar. Dizem que pode ser o João Doria, o Ciro Gomes e vários outros. Em minha opinião, não são agregadores. O PT está extremamente desgastado, com muita rejeição. Do outro lado, aquele presidente que está no poder, é a mesma coisa. Minha esperança é que surja alguém que represente o diálogo. Alguém que não seja de um lado e nem de outro. Que não seja o Lula e nem o atual presidente.

“A eleição do Joe Biden funcionou como uma espécie de freio para aventuras antidemocráticas de qualquer natureza. Ela veio em boa hora” (Crédito:Nicholas Kamm/AFP)

Se o segundo turno for Lula e Bolsonaro, pretende votar em quem?
Vou pensar muito. Torço e estou confiante por uma terceira via. Alguém que possa agregar. Mas, se o cenário for esse, vou pensar muito. Pela primeira vez na minha vida, voto em branco pode ser uma alternativa.

A FDC se tornou referência em formação de lideranças empresariais nas últimas décadas, mas parece não ter ajudado muito a formar líderes sociais e políticos. Isso foi um erro?
As escolas de negócios têm sido alvo de muita crítica. Isso não é de hoje. Há mudanças em curso nas escolas de negócios para que lucro não seja o único objetivo. O estilo de gestão disseminado pela chamada Escola de Chicago, pensamento que formou o ministro Paulo Guedes, está fora de sintonia com as demandas atuais. Por isso tem havido uma importante mudança de rumo. Os MBAs formavam, e continuam formando em grande parte, executivos voltados exclusivamente para o resultado, para o lucro a qualquer preço.

Então vocês fazem esse mea culpa?
Sem dúvida. As mudanças estão vindo disso e em resposta a essa crítica. Seis anos atrás, o reitor da Stellenbosch University, da África do Sul, levantou a questão de as escolas de negócios estarem ajudando a aumentar as desigualdades sociais. Eu concordo. Então, o que a Fundação Dom Cabral está fazendo? Estamos adotando uma visão mais holística. Estamos fazendo por convicção, não por conveniência. Fundei a Fundação Dom Cabral com o então bispo de Belo Horizonte, que se tornou cardeal. Ele sempre dizia que não custa nada fazer o bem. Para a sociedade, para a economia e para as empresas, o melhor negócio é quando a sociedade vai bem. A prosperidade das empresas depende do progresso da sociedade.