Ao assumir o comando do principal ressegurador brasileiro durante a maior crise dos seus 83 anos de existência, o executivo teve de enfrentar fraudes contábeis, credibilidade em xeque — e a pandemia.

Aos 57 anos, Antonio Cassio dos Santos achava que já tinha visto e feito de tudo em três décadas de carreira no mercado segurador. Comandou e reestruturou gigantes como Mapfre, Zurich e Generali. Porém, em março de 2020, assumiu o comando do IRB Brasil RE, principal resseguradora do País, em meio à maior turbulência de sua história. Pouco antes da pandemia, as ações caíram 84% em poucos dias devido a suspeitas, depois confirmadas, de fraude nos números. Para piorar, a empresa divulgou a informação de que o megainvestidor Warren Buffett teria comprado ações, o que foi desmentido pela Berkshire Hathaway. Foi nessas condições que Santos assumiu o comando. Após cerca de um ano e com resultados consistentes, considera sua missão cumprida. “A empresa está pronta para rodar sozinha e estou pronto para tocar meus projetos”, disse ele. Nos planos estão insurtechs e startups.

DINHEIRO – Como foi resgatar o IRB em uma enorme crise de credibilidade?
ANTONIO CASSIO DOS SANTOS — Na minha carreira no setor de seguros eu trabalhei em sinistros, em tesouraria e nas áreas de negócios. A única área em que eu nunca tinha passado era a de resseguros. E fui trabalhar na maior resseguradora do país, que tem 83 anos e é um símbolo do setor. Eu não fui para comandar a empresa, meu papel seria mais institucional. Porém, quando vi a situação, tive de intervir para recuperar o IRB. Fiz isso com apoio incondicional dos principais acionistas. Mas foi um trabalho duríssimo. Tive de aplicar quase tudo o que aprendi ao longo da minha vida em uma situação de absoluta ambiguidade.

As ações chegaram a cair 84%. Qual foi o pior problema? A fraude ou a perda de credibilidade da companhia?
Numa batalha você tem de escolher a melhor luta. A queda das ações já tinha ocorrido. Se fosse focar só no problema da credibilidade, no caso Berkshire, não conseguiríamos fazer a reestruturação financeira. Para que a credibilidade seja resgatada, a companhia precisa continuar existindo. Resolvi focar naquilo que era prioritário. Se a companhia não recuperasse a qualidade financeira em seis meses, ela não sobreviveria.

O processo foi melhor ou pior do que o senhor imaginava?
Enquanto eu estava no meio da tempestade, eu pensava “Meu Deus, onde fui amarrar o meu burro?”. Mas, passada a tempestade, vejo que esse burro me carregou. Hoje tenho uma sensação de alívio, de dever cumprido e de gratidão muito grande, tanto para os acionistas quanto para os gestores. A empresa entrou em uma crise e saiu dela muito mais forte. Hoje o IRB tem 190% de solvência. Ou seja, para cada real de capital requerido pelo regulador, ele tem quase dois. Fizemos uma limpeza nas carteiras retirando contratos que não eram rentáveis. E apesar de tudo pelo que passou, o IRB segue com 35% de market share no Brasil e na América Latina.

“Se fosse focar só no problema da credibilidade, no caso Berkshire (de Warren Buffett), não conseguiríamos fazer a reestruturação financeira” (Crédito:BILL PUGLIA NO/ Getty Images/AF P)

O que funcionou?
Acho que tivemos a mão de Deus o tempo inteiro. Tudo o que nos propusemos a fazer nós fizemos. Nunca uma seguradora ou resseguradora brasileira tinha lançado debêntures. Nós lançamos e tivemos êxito. Nunca uma companhia aberta em crise fez uma emissão de ações dentro das regras e contou com uma aderência tão grande dos acionistas. Todos participaram, ninguém foi diluído. Vendemos ativos e fechamos acordos em ações já ganhas que estavam em discussão de pagamento.

Quais foram as surpresas?
O projeto IRB foi parecido com um jogo de videogame. Você acabava uma fase e vinha outra mais difícil. A pandemia trouxe uma dificuldade ainda maior, que foi intervir em uma companhia de maneira remota. Nunca tive uma reunião presencial com todos os executivos. Uma das minhas principais virtudes é trabalhar e motivar equipes. Um comandante não poder falar com seu exército no campo de batalha é uma grande dificuldade. Mas aqui também a companhia se mostrou resiliente. Ela já estava bastante avançada na parte digital, o que permitiu transformar o home office em smart working. E o IRB estava preparado. Isso foi uma grata satisfação.

E o que deu errado?
O que não funcionou foi o que a gente não priorizou, porque não tinha condição de priorizar. Claro que eu queria que o IRB tivesse recuperado seu valor de mercado, mas isso não ocorreu. Porém, esse mesmo mercado subscreveu em massa as ações quando precisamos dos recursos. Poderia ter sido melhor? Sempre pode ser. Mas tenho consciência, como executivo e homem, de que aquilo que a gente fez era o que precisava ser feito.

O que o senhor entregou ao novo CEO ao passar para a chefia do Conselho?
A empresa agora está robusta, com ativos totais de R$ 23,3 bilhões. De ativos financeiros temos R$ 9,1 bilhões e de patrimônio líquido, R$ 4,3 bilhões. A companhia tem acionistas de primeira linha. São bancos, fundos de previdência e 300 mil pessoas físicas. Os clientes e o quadro técnico também são excepcionais. O IRB tem todas as condições para crescer e para ganhar credibilidade de forma sustentável. Naturalmente, o que se espera é que a companhia volte de maneira consistente ao lucro. Porém, nos resseguros, o caixa vem em primeiro lugar. Estamos caminhando para o terceiro trimestre consecutivo de geração de caixa. Eu não me sentiria confortável de ficar no Conselho da companhia se não tivesse consciência de que ela está preparada para se desenvolver.

E o futuro?
Vejo um céu de brigadeiro, pois 2021 começou com o mercado se recuperando depressa. Os seguros cresceram 10% no primeiro trimestre frente ao mesmo período de 2020, antes da pandemia. O IRB tem de seguir com os processos de melhoria, mas já voltou a gerar caixa. Os resultados serão uma consequência disso. Penso que os lucros vão se estabilizar e serão consistentes a partir de 2022. E o marco regulatório da infraestrutura é música para o setor de seguros, assim como o crescimento do agronegócio. O IRB é o maior ressegurador desses setores. Haverá muita inovação com as insurtechs. Penso que o IRB terá uma grande oportunidade em fornecer solvência para essas empresas e ajudá-las a tornar o mercado mais competitivo. Além disso, essas oportunidades não estarão apenas no Brasil, mas na América Latina como um todo.

Quais serão as inovações?
Uma das macrotendências são os seguros personalizados. A revolução digital permite que as seguradoras conheçam meu estilo de vida, entendam meu comportamento e perfil de risco e possam personalizar meu seguro. Quem usa o carro só no fim de semana compra proteção só por dois dias. Essa personalização traz mais precisão na precificação, os preços das apólices deixam de ser calculados pela média. A revolução digital permite isso. Como resultado, o seguro vai ficando mais transparente e com menor propensão a fraudes. Ao conhecer o comportamento do segurado eu consigo inferir se há desvios de perfil. O seguro do futuro é rico em dados e se torna mais relevante na vida contemporânea.

“Nunca tive reunião presencial com meus executivos. Um comandante não poder falar com seu exército na batalha é uma dificuldade” (Crédito:Istock)

Qual seu balanço desse processo?
Ser presidente do IRB foi o maior desafio da minha vida. Se alguém me perguntasse se eu achava possível resolver, eu teria dito não. Mas vale a frase de um ex-presidente da IBM: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”.

E seus próximos passos?
Já não sou menino. Quantos anos mais eu poderia dar para a carreira executiva? Esse ano foi muito intenso, valeu por dez anos de trabalho. Não parei dia e noite. Em março, quando deixei o dia a dia da companhia, eu estava exausto e vou levar um tempo para relaxar. Saí de cena para que o novo CEO faça sua parte, porque o show não é mais meu. Agora, quero ajudar o Conselho para concluir essa transição com êxito e também cuidar dos meus projetos pessoais.

Quais são eles?
Sou membro de outros conselhos e tenho participação em outras empresas de serviços e insurtechs. Tudo ligado ao que eu criei ao longo da minha carreira. Agora, minha prioridade é cuidar dos meus projetos e até voltar a estudar. Me inscrevi em um curso de alta gestão e em um mestrado de neurociência do comportamento, projetos que me dão muito prazer. Além de ter mais tempo para os amigos e a família. Claro, jamais diga nunca, posso mudar de ideia amanhã. Mas estou gostando dos novos projetos de startup, de trabalhar com uma moçada com brilho nos olhos. E isso não tem preço. Se der certo, os ganhos serão grandes. Se não der, não vamos perder tanto. Estou na fase de ter algum prazer, porque já trabalhei demais nessa vida.

O senhor sai satisfeito?
Satisfeito e aliviado. Consegui entregar aquilo para que me preparei a vida inteira. Saio em paz. Olho para a obra feita e sou grato por tudo. E vou buscar uma nova onda para surfar.