As eleições legislativas nos Estados Unidos sempre ocorrem no meio do mandato presidencial. As midterms, como são conhecidas, servem como um referendo informal para as políticas do atual mandatário e a tendência é que o partido de oposição acabe saindo vitorioso. Com o presidente Donald Trump não foi diferente. No pleito realizado na terça-feira 6, os democratas conseguiram maioria na Câmara dos Deputados. O partido Republicano, de Trump, manteve maioria no Senado. Na prática, o resultado implica em desafios inéditos para o magnata que ocupa a Casa Branca. Até agora, Trump governou com maioria de deputados e senadores. A partir de 3 de janeiro de 2019, quando os novos congressistas assumirem, o presidente terá maior dificuldade para aprovar medidas que dividem opiniões no país. “Qualquer tentativa de diminuir ou extinguir os planos de saúde gratuitos, conhecidos como Obamacare, por exemplo, não será aprovada”, diz David Canon, cientista político da Universidade de Wisconsin. “O problema maior está em quão agressivos os democratas serão.”

Os eleitores puderam escolher os ocupantes das 435 cadeiras da Câmara e de 50 dos 100 assentos do Senado (veja as novas configurações das Casas no gráfico abaixo). Além de impedir a aprovação de pautas da agenda republicana, os democratas podem, agora, ameaçar o governo Trump de forma mais contundente. É o que ocorrerá caso decidam abrir investigações sobre a conduta de membros do Executivo, como o secretário de Comércio, Wilbur Ross. O mesmo poderá se dar no âmbito de decisões polêmicas de Trump, como o fim da cidadania automática para bebês de estrangeiros que nascerem em solo americano. O maior risco, evidentemente, é de um pedido de impeachment. “Os congressistas esperam pelo relatório de Robert Mueller.

Dependendo do que vier nele, pode haver motivo o suficiente não só para iniciar um impeachment como para que até o Senado, que continua republicano, não interrompa o processo”, afirma John Pitney Jr., cientista político da Universidade Claremont McKenna, da Califórnia. Mueller, ex-diretor do FBI, é responsável pela investigação independente sobre a possível influência da Rússia nas eleições de 2016 e de laços russos com a administração Trump. Os democratas, porém, são cautelosos. “Queremos honrar nossa responsabilidade de vigiar as atividades do Executivo”, afirmou Nancy Pelosi, congressista reeleita pela Califórnia, uma das líderes do partido Democrata e provável nova presidente da Câmara. “Porém, um impeachment teria de ser algo apoiado pelos dois partidos e baseado em evidências muito conclusivas do relatório de Mueller.”

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Além da vitória na Câmara, sete governos estaduais também passaram para o controle democrata, pois disputas eleitorais para governador podem coincidir com as midterms, já que cada estado segue seu calendário eleitoral. Ao todo, 36 estados escolheram novos governadores. O bom desempenho democrata, porém, não foi o suficiente para que apostas do partido, como as campanhas de candidatos negros ao governo da Flórida e da Geórgia, saíssem vitoriosas. Nem para que Donald Trump não considerasse as eleições uma vitória republicana. “Foi um tremendo sucesso”, declarou ele, em sua conta no Twitter.

O presidente foi presença cativa em diversas das campanhas e a resistência republicana no Senado mostra que, mais do que em 2016, a população está dividida. “Moradores de grandes cidades e seus subúrbios, muitas vezes negros ou latinos, tendem a votar em democratas”, afirma Ray La Raja, especialista em política eleitoral da Universidade de Massachusetts. “Já a classe média branca, que ganha pouco e vive em áreas rurais, continua a ver em Trump um bom líder e permanece republicana.” Assim, para essa segunda parcela da população, o presidente responde bem a medos como desemprego e imigração ilegal. Afinal, a economia vai muito bem, com taxa de desemprego calculada em 3,7%. E eventos como a caravana de imigrantes da América Central que avança em direção aos EUA acabam caindo como uma luva para Donald Trump poder demonstrar respostas enérgicas, como o possível envio de forças do exército para a fronteira com o México.

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Dessa forma, mesmo que o presidente enfrente maior resistência a partir de agora, tudo segue de acordo para que ele possa tentar uma reeleição em 2020 e nem a mais recente crise na sua administração, a demissão do secretário de Justiça, Jeff Sessions, deve gerar efeitos negativos. Só duas coisas poderiam atrapalhar: a investigação Mueller – por enquanto, imprevisível – e o desempenho da economia. “Estamos em um excelente momento. Mas o crescimento em 2019 deve ser menor e alguns analistas econômicos dizem que 2020 pode até registrar recessão”, diz Canon, da Universidade de Wisconsin. “Se isso acontecer, Trump terá grandes problemas.”