Na segunda-feira, dia 31 de julho, encerra-se o prazo de adesão à segunda fase do processo de regularização dos recursos de contribuintes brasileiros no Exterior que não foram declarados ao Fisco, com um resultado considerado fraco pela Receita Federal. Esse processo é conhecido como “repatriação”, um nome incorreto. O dinheiro “repatriado” não volta, necessariamente, ao País. A única diferença é que ele passa a ser do conhecimento da Receita e da Justiça. Ao informar a existência desses recursos, o contribuinte não corre o risco de multa, pela Receita, se o patrimônio for descoberto.

Essa tranquilidade, porém, tem um custo. Na proposta inicial, o contribuinte teria de pagar 15% de imposto sobre o total regularizado e mais 15% de multa. Mesmo assim, a adesão foi maciça. Foram regularizados quase R$ 170 bilhões. Isso gerou uma arrecadação extra de R$ 50,9 bilhões, o que ajudou o governo federal a reduzir o déficit público no ano passado. Em março, Câmara dos Deputados e Senado aprovaram uma segunda rodada do programa. A adesão dos contribuintes foi baixa: até a segunda-feira 24, segundo estimativas da Receita, apenas R$ 1 bilhão havia sido regularizado, com a entrega de 1.107 declarações.

Panamá Papers: descoberta do esquema internacional de lavagem de dinheiro revelou os nomes de milhões de sonegadores (Crédito:AFP)

A estimativa da Receita era arrecadar R$ 13,9 bilhões, mas, reservadamente, os próprios técnicos da Receita admitem que essa cifra dificilmente será atingida. O principal motivo é que a vantagem para quem regularizava diminuiu. “Na primeira fase, o governo fixou que os ativos lá fora deveriam ser convertidos em reais pelo dólar do fim de 2014, de R$ 2,65, e agora a taxa de conversão subiu para R$ 3,21” diz o advogado Lucas Dollo, sócio especializado na área tributária do escritório NFA.

Assim, quem regularizou US$ 10 milhões teve uma base de arrecadação de R$ 26,5 milhões. Os 30% de multa representaram uma fatura de R$ 7,9 milhões para entregar ao Leão. “Como o dólar naquele momento estava em R$ 3,20, isso representava uma boa vantagem”, diz Dollo. Na segunda fase, isso mudou. Para não favorecer quem não aderiu ao primeiro programa, o dólar a ser usado para a conta é a cotação do fim de junho de 2016, que vale R$ 3,21, o que eleva a base de arrecadação em 21,1%, apenas pela atualização do câmbio. Além disso, o governo aumentou o percentual da multa.

Roberto Justo, do Choaib e Paiva: “A Receita recebeu listas de contribuintes brasileiros e iniciou um trabalho minucioso de investigação” (Crédito:Divulgação)

A alíquota de imposto permaneceu em 15%, mas a multa avançou para 20,25%, o que eleva o percentual para 35,25%. Assim, na ponta do lápis, o contribuinte que regularizar os mesmos US$ 10 milhões na segunda fase vai pagar R$ 11,3 milhões ao Fisco. “Quem tomou a decisão de não entrar por achar caro, viu que ficou mais caro agora”, diz o advogado Rafael Presotto, sócio do Peixoto e Cury. Houve mais um elemento para reduzir a adesão. Na primeira fase, foi proibida a participação de cônjuges e parentes de políticos com mandatos. O Senado tentou suspender essa proibição, mas a proposta foi derrotada na segunda votação no plenário da Câmara, devido à grita geral.

“Boa parte dos interessados em regularizar dinheiro no Exterior permaneceu fora da medida”, diz Presotto. O advogado percebeu a queda no interesse no escritório em que trabalha. “Na primeira fase atendemos cerca de 60 clientes, e nesta trabalhamos em apenas sete processos”, diz ele. Segundo o advogado, na primeira etapa, quase 40% dos participantes eram executivos e presidentes de empresas multinacionais. “São profissionais que receberam bônus ou programas de opções de ações da empresa, negociadas em geral fora do Brasil, e registraram esses ativos no Exterior”, diz ele. Profissionais liberais, como médicos, advogados e engenheiros, representaram percentuais bem menores de participação.

Tendo em vista a baixa receptividade, é pouco provável que a Receita lance mais uma fase da regularização. Assim, quem tem recursos não declarados no Exterior e não aderiu a nenhum dos programas de regularização colocou-se em uma zona de risco, pois, se o dinheiro for descoberto pelo Leão, a multa pode chegar a 72% do total de ativos, além de o contribuinte estar sujeito a processos criminais por evasão de divisas e sonegação fiscal. Os advogados, porém, divergem em relação aos riscos. Presotto, do Peixoto e Cury, é menos pessimista.

Rafael Presotto, do Peixoto e Cury: “Quem tomou a decisão de não entrar por achar caro, viu que ficou mais caro agora” (Crédito:Divulgação)

“Estruturas muito usadas, como os trusts, são complexas e difíceis de rastrear”, diz ele. “Em alguns casos, um trust está sediado em um paraíso fiscal, controla uma empresa nos Estados Unidos, e essa empresa investe em ativos na Europa”, diz ele. Em cenários como esse, explica o advogado, é muito mais difícil para os bancos mandarem informações para o Fisco, pois eles não conhecem toda a estrutura societária. Já o tributarista Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva, avalia que o Leão vai apertar o cerco.

Segundo ele, contribuintes vêm recebendo questionamentos formais da Receita sobre atividades envolvendo terceiros, e isso se intensificou com a divulgação de listas de participantes em esquemas internacionais de sonegação de imposto ou de engenharia fiscal, como os do private bank do HSBC na Suíça e o mais famoso, os Panamá Papers. “A Receita recebeu listas de contribuintes brasileiros e iniciou um trabalho minucioso de investigação”, diz Justo.

Essas informações começarão a ser cruzadas com os dados que os bancos internacionais terão de enviar ao Brasil sobre os seus clientes brasileiros a partir do ano que vem, quando entrará em vigor o programa do governo americano destinado a rastrear recursos de organizações terroristas, denominado Fatca. Segundo Justo, em 2015, antes da repatriação, cerca de 36 mil pessoas físicas declaravam à Receita bens no Exterior superiores a US$ 100 mil. A primeira fase inseriu mais 25 mil nomes nessa lista, e mais alguns deverão chegar agora. “Tudo isso permite comparar dados e cruzar informações”, diz ele.