A noite da segunda-feira 12 começou a mostrar aos paulistanos que o inverno está próximo. Os termômetros da região da Avenida Paulista não marcavam mais do que 13ºC. A temperatura baixa, no entanto, não afastou as pessoas de um evento em um casarão da via mais conhecida de São Paulo. Ao contrário. Em pleno dia dos namorados, mais de mil torcedores deixaram as comemorações com seus pares de lado para acompanhar a partida de basquete que consagrou o Golden State Warriors, da Califórnia, como campeão da temporada 2016/2017 da NBA.

O jogo, que encerrou a série de cinco jogos entre o vencedor e o time do Cleveland Cavaliers, de Ohio, foi transmitido em um telão dentro da antiga mansão. “Trouxemos o evento ao Brasil pela primeira vez e os fãs mostraram a sua paixão lotando o local todos os dias”, diz Arnon de Mello, vice-presidente da NBA na América Latina e principal executivo da liga no Brasil. O evento, batizado de NBA Finals, ilustra o bom momento da NBA, tanto no mercado brasileiro como no mundo.

O faturamento global da temporada 2015/2016 da liga americana, conhecida por revelar fenômenos do esporte e do marketing, como Michael Jordan, Kobe Bryant e LeBron James, foi estimado em US$ 5,8 bilhões pela consultoria alemã Statista. Já o seu valor de mercado alcança US$ 4,8 bilhões, colocando-a como o quarto campeonato mais valioso do mundo (confira quadro “Bilhões em jogo” ao final da reportagem). “Pensando em internacionalização, no entanto, a NBA leva vantagem em relação às outras ligas dos EUA”, diz Amir Somoggi, especialista em gestão e marketing esportivo.”

O basquete é um esporte muito mais global.” Por isso, a investida no Brasil é algo tão precioso para a liga americana. Segundo Mello, que é filho do senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello, o País já disputa, cesta a cesta, o posto de segundo maior mercado fora dos Estados Unidos, atrás apenas da China, levando-se em conta fatores como acordos de mídia, audiência e venda de produtos. O executivo não revela a receita local. De acordo com fontes consultadas pela DINHEIRO, a estimativa é de que o negócio movimente cerca de R$ 100 milhões.

Nas alturas: astros como Stephen Curry (à esq.) e Draymond Green, do campeão Golden State Warrior, têm status de celebridade (Crédito:Ezra Shaw/Getty Images/AFP)

Essa relevância começou a ser construída com iniciativas como a visita de times da liga ao País. De 2013 a 2015, a NBA realizou jogos de pré-temporada no Brasil com franquias como Miami Heat, Orlando Magic e Cleveland Cavaliers. Nesta temporada, apesar de não receber nenhuma partida, o Brasil seguiu como foco. O NBA Finals é um exemplo. O investimento na ação não foi revelado. Mas para se ter uma ideia do aporte, o casarão que abrigou o evento é o imóvel mais caro para locação na cidade de São Paulo.

O aluguel mensal da propriedade chega a R$ 500 mil. Com patrocínio de empresas como Ambev, Vivo, Dotz e New Era, o local foi montado para um verdadeiro show: exposição de camisas autografadas de jogadores lendários, uma mini-quadra de basquete, loja de produtos oficiais, com regatas chegando a custar R$ 300, bares nos moldes dos sport bars americanos e réplicas dos vestiários dos times finalistas. Da abertura, no dia 1º de junho, até o encerramento, doze dias depois, mais de 17 mil pessoas passaram por lá.

As inscrições para ter acesso à casa nos dias de jogos se encerraram em menos de um minuto. Nos fins de semana, quando a casa era aberta ao público sem a necessidade de um cadastro, filas se formavam na porta. Para completar, foram vendidos mais de 4 mil itens na loja da NBA, com destaque para as camisas de LeBron James e Stephen Curry, 5,6 mil copos comemorativos (a R$ 10 cada) e cerca de 17 mil garrafas de cervejas da Budweiser. “A NBA deixou de ser um esporte de nicho no Brasil”, diz Mello.

Quando Mello começou a atuar como representante da NBA no Brasil, em 2012, poucas pessoas enxergavam valor no basquete, especialmente em um tempo de vacas magras da modalidade no País. Mesmo tendo jogadores do calibre de Leandro Barbosa e Anderson Varejão, o esporte não conseguia chamar a atenção do público. Depois de ser o berço de nomes consagrados como Vlamir Marques e o “mão santa” Oscar Schmidt, responsáveis por títulos de expressão mundial tanto em clubes como pela seleção, o basquete brasileiro entrou em um limbo na década de 1990, ao combinar a má gestão com a falta de conquistas.

Agora, o cenário está mudando. De acordo com a ESPN, que detém a exclusividade da transmissão das finais no Brasil, a audiência dos playoffs desse ano cresceu 64% em relação à última temporada. No início deste ano, o canal americano renovou o contrato com a NBA no Brasil, com direitos até a temporada 2024/2025. “Ampliamos as transmissões de 120 para 170 jogos por temporada”, diz German Hartestein, diretor-geral da ESPN no Brasil. Quando a liga abriu seu escritório local, havia apenas um jogo por semana na TV fechada. Hoje, a SporTV também transmite jogos da temporada regular e dos playoffs. Neste ano, pela primeira vez, a Rede Globo levou ao ar um compacto dos jogos decisivos.

Em abril, a NBA também alcançou novas telas no Brasil, quando anunciou uma parceria exclusiva com a Vivo para a transmissão dos jogos para celular, por meio do aplicativo NBA League Pass. Além das partidas com narração em português e uma câmera com ângulos exclusivos, o app dá acesso a jogos históricos, entrevistas e documentários, entre outros conteúdos. “A NBA é uma empresa de entretenimento, com um viés de inovação e de experiência do usuário que tem muita afinidade com a nossa marca”, diz Ricardo Sanfelice, vice-presidente de estratégia digital e inovação da Vivo.

Embora não revele o volume de downloads, ele ressalta que os números estão acima das expectativas e não descarta estender a parceria para a Vivo TV, serviço de TV por assinatura da operadora. A maior atenção dada pela NBA ao Brasil já trouxe reflexos entre o público. Segundo o IBOPE Repucom, 41% dos internautas do País são superfãs ou fãs da modalidade, o que representa 32 milhões de pessoas. “Depois de um apagão, o basquete vive um momento de renascimento no Brasil, muito em função dos investimentos da NBA”, diz José Colagrossi, diretor-executivo do IBOPE Repucom.

Se, em 2013, a categoria não aparecia entre as dez principais na preferência dos consumidores, hoje, ela varia entre a terceira e a quinta posição, em uma disputa com a Fórmula 1 e o UFC. Parte desse avanço está sendo impulsionada pela faixa etária dos 18 aos 29 anos. “Essa geração tem preferência por consumir esportes que proporcionem emoção o tempo todo, o que é uma característica muito marcante do basquete.” Se no início foi difícil para Mello conseguir fazer negócios no Brasil, o mesmo não pode ser dito do atual momento. E o leque de opções aumenta a cada dia.

Um exemplo é a ampliação dos pontos de contato com os consumidores. Em setembro, a NBA inaugurou sua primeira loja física na América Latina. Instalada no Barra Shopping, no Rio de Janeiro, em um espaço de 150 m², a unidade oferece mais de 500 produtos diferentes. São Paulo é a prioridade no roteiro de expansão. O plano depende ainda de um parceiro para tocar o negócio. “Queremos assegurar que o consumidor tenha a experiência correta com nossos produtos”, diz Mello. Ele não descarta o investimento no modelo de franquias para acelerar essa estratégia. “Já temos uma boa base de fãs. Agora precisamos alcançar mais pessoas.”

Enquanto a NBA ainda engatinha no varejo físico, no e-commerce a marca já está consolidada. Desde 2012, a liga mantém sua loja virtual no Brasil, em parceria com a Netshoes. Quando o acordo foi costurado, a fatia do basquete era incipiente nas vendas da varejista. “Hoje, o esporte figura entre as nossas dez principais categorias”, diz Marcelo Chammas, diretor comercial da Netshoes. De lá para cá, o volume de produtos disponíveis saiu de 400 para mais de 800 itens. E o final da temporada trouxe bons resultados. Durante os cinco jogos que definiram o título, as vendas de regatas do Golden State Warriors, por exemplo, tiveram um salto de 300% na comparação aos playoffs.

Em alta: durante 13 dias, mais de 17 mil pessoas passaram pelo casarão do NBA Finals, instalado na Avenida Paulista (Crédito:Gabriel Reis)

No dia seguinte à decisão, o tráfego da loja cresceu sete vezes em relação à média de um dia normal. Outro plano da NBA para ir além dos aficionados é investir na associação da marca com o conceito de lifestyle. Um dos principais nomes do segmento de “headwear”, a americana New Era é uma das apostas. Desde outubro, a empresa tem um acordo local de licenciamento de mais de 150 produtos da NBA na área de confecção. “Estamos trabalhando com uma coleção diversificada, com roupas mais casuais”, diz Marcio Bertoncini, diretor de marketing da multinacional. Além da lojas da NBA, as linhas estão sendo vendidas em mais de 1,5 mil pontos do varejo.

A New Era também tem sido presença constante como patrocinadora nos eventos da liga. No NBA Finals, em 13 dias, o faturamento com as vendas foi equivalente à receita mensal de suas franquias, em média, de R$ 150 mil. A Ambev é mais uma empresa parceira, por meio da Budweiser, cerveja que também patrocina a NBA nos EUA. Por aqui, a empresa montou os bares de todos os eventos da liga, além de anunciar em praticamente todas as transmissões. A empresa também fez uma parceria com a ESPN para levar Oscar Schmidt a realizar o seu primeiro jogo na NBA e registrar tudo em um documentário.

O atleta, que abriu mão de uma carreira na liga americana para poder representar a seleção brasileira, participou do Jogo das Celebridades, no dia 18 de fevereiro. “O Oscar também foi nosso garoto propaganda, tanto por sua história quanto atitude”, diz Karina Ferreira, gerente de marketing de Budweiser na Ambev. “Além da essência e da tradição do basquete, patrocinamos a NBA porque os atletas transcendem as linhas da quadra mais do que em qualquer esporte.” De fato, os jogadores da NBA são tratados como super estrelas até por outros esportistas de renome.

Em junho do ano passado, o badalado Neymar fez o papel de fã. Durante a final do torneio, ele ficou aguardando por uma hora e meia para trocar sua camisa do Barcelona por uma de Stephen Curry, o astro do Golden State Warriors. Apesar de não terem o peso dos americanos, os brasileiros também começam a atrair mais atenção. É o caso do armador Marcelo Huertas, que jogou a última temporada pelo Los Angeles Lakers. Ele ressalta que o esporte vive um momento positivo no Brasil. “Quando existe um aumento do interesse da mídia, cresce também a procura dos patrocinadores”, diz ele, que é apoiado pela Nike. “Espero que isso também contribua para a melhora do nível do basquete brasileiro.”