O mercado de comunicação vem passando por transformações profundas nos últimos anos. Tanto o jornalismo, quanto a publicidade, hoje, vivem em conflito com o que convencionou-se chamar de fakenews (notícias falsas). Nas últimas semanas, o escândalo vivido pelo Facebook, trazido à tona pelo ex-funcionário da Cambridge Analytica, Christopher Wylie, lançou uma nova luz sobre essa questão e deu força àqueles que pedem que a regulamentação de empresas de tecnologia que lidam com grandes volumes de dados, como a própria empresa de Mark Zuckerberg e o Google. Cláudio Loureiro, fundador da Heads Propaganda, uma das maiores agências com capital 100% nacional, acredita que esse é o caminho. Para ele, leis serão necessárias para essas empresas – que, em sua visão, são ironicamente taxadas como tecnológicas, mas que deveriam ser consideradas como companhias de mídia – sejam responsabilizadas pelas informações que divulgam. Nessa entrevista, Loureiro também fala sobre como o Blockchain pode mudar esse jogo, sobre eleições e a consolidação mundial do mercado de mídia.

ISTOÉ DINHEIRO – O mundo da mídia passa por uma consolidação. Recentemente, a britânica WPP anunciou a fusão de duas subsidiárias. Como vê essa movimentação?

Cláudio Loureiro – Essa movimentação é capitaneada pelas multinacionais. O que acontece é que temos quatro grandes grupos mundiais: WPP, Interpublic, Dentsu e Omnicom. Eles, nos últimos 15 anos, fizeram uma consolidação muito grande no mercado mundial e no brasileiro. Somos o sexto mercado, então somos importantes. Vários grupos já fizeram ofertas para nós, mas nunca levamos a conversa adiante por um dilema pessoal.

DINHEIRO – Seria apego ao filho?

Loureiro – Não é apego ao filho, mas à atividade. Bem ou mal, desenvolvemos uma cultura própria, com defeitos e virtudes. Os grandes grupos internacionais atuam como bancos. Essa consolidação é algo muito financeiro. Eles captam lá fora com juros de 1,5% ao ano, faz a aquisição ao pagar sete ou oito vezes o lucro, e suas ações sobem. O mercado acionário chega a pagar até 22 vezes o lucro. Isso passou a ser um baita negócio pra essas holdings. Isso fez com que, aqui, poucas agências nacionais restassem no mercado. Algumas não sobrevivem porque não têm resultado.

DINHEIRO – Por que não há empresa de mídia com capital aberto no Brasil?

Loureiro – Porque publicidade não é um baita negócio. Todo mundo acha que é. Somos um mercado que gerou R$ 70 bilhões no ano passado. Esse negócio é sobre gente. E os grandes grupos cresceram fazendo aquisições. O Grupo ABC até tentou fazer IPO [oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês]. Não sei por que não fizeram. Eles tinham receita e o fundo Kinea como parceiro. Até tenho um chute, mas não posso te falar.

DINHEIRO – Mas vale a pena uma empresa de mídia abrir o capital?

Loureiro – Não acredito. Jornais têm aberto capital pelo mundo, algumas televisões. Mas não acredito que estejam indo bem. Você compraria uma ação de uma empresa de mídia?

DINHEIRO – Mudou muito o negócio da publicidade com a digitalização da mídia?

Loureiro – Mudou tudo. Apesar do Facebook, que perdeu tanto dinheiro com o escândalo da Cambridge, que perdeu seu chefe de segurança digital, e do Google… Eles são um pouco irônicos. Eles se apresentam como empresas de tecnologia, mas na verdade são de mídia. E eles não aceitam sofrer a regulação das empresas de mídia. Acontece uma briga brutal em vários estados americanos – porque a regulação de mídia é muito séria. O jornalista tem o comprometimento com a verdade. Pode até não chegar lá, mas tem esse compromisso. E o Facebook tem um compromisso com o quê? Com a mentira? Ele trouxe para o mundo uma nova via de comportamento social, para o bem e para o mal. Eu, como um ser anônimo, posso falar o que quiser. Então, são radicais as transformações que estão acontecendo. Não existem marcas, nem agências, que não estejam dentro desse nosso formato.

DINHEIRO – Como está sendo a adaptação, com o crescimento da publicidade online, com a programática?

Loureiro – A gente sempre foi muito focado em ROI [retorno sobre investimento, na sigla em inglês]. Não existe mais não falar sobre retorno de investimento em uma campanha. Seja na mídia gráfica, na televisão ou na internet. O mundo da publicidade não gosta de falar sobre isso, mas a conversa não dura cinco minutos com um cliente se você não tocar nesse ponto. Aquele encantamento, aquele charme do mundo da publicidade, deixou de existir. Hoje, você tem que entregar. No mundo digital, existem dois braços, um de mídia digital e outro de inovação e tecnologia. As agências precisam ter isso. Nós nos antecipamos e lançamos um mecanismo chamado BEM (Brand Experience Manager), que oferecemos o nosso cliente. É preciso saber usar big data, trazer o melhor resultado, alcançar retorno de 300%, 400% em meses. Algumas outras agências também devem estar fazendo esse movimento. Em setembro, estive na Singularity University [no Vale do Silício, nos Estados Unidos]. Você é contaminado por tudo aquilo. Percebi que, no frigir dos ovos, ao dobrar a esquina, verei uma mudança gigantesca.

DINHEIRO – Então aquela história do seriado Mad Men, da genialidade por trás de uma ideia que surge abruptamente, acabou?

Loureiro – Uma ideia mediana e uma genial custam o mesmo preço. O custo da inserção, na página de uma revista, na televisão, será sempre o mesmo preço. Você precisa ter uma baita ideia para que aquilo reverbere mais rápido. A matéria prima principal continua sendo a ideia. Mas não tem aquele charme e, graças a Deus, nem whisky às 15h30. As conversas são diferentes. Não tem mais aquilo de ganhar no gogó. Publicitário sempre se deu um auto-confete a vida toda. Temos 29 anos e um dos nossos pilares é que somos de One Man Show [show de um homem só]. Esse é um discurso furado. Não gosto de dar entrevista, não acho que se expor seja inteligente. A empresa tem que aparecer. Não acredito nesse modelo. Isso não é arte, isso é negócio.

DINHEIRO – Com tantos dados, análises, testes… Como casos de racismo, vistos recentemente em campanhas da sueca H&M e da Dove, ainda acontecem?

Loureiro – Isso é uma loucura. Isso é uma sucessão de erro. É como um avião que cai. Vai desde a agencia propor a ideia até o cliente aprovar. Não cabe mais evitar falar em equidade de gênero, em equidade sexual. E nestes casos são vários os erros. Isso chama-se desatenção e muita irresponsabilidade. A ideia brilhante às vezes pode ser xenófoba ou racista. Mas isso não pode mais acontecer. É uma questão de valores internos.

DINHEIRO – Como vocês tratam a questão da diversidade internamente?

Loureiro – Quatro anos atrás, quando completamos 25 anos, pensamos no que fazer para comemorar essa data. Trouxemos o Kofi Annan, no Copacabana Palace [Nota da redação: Kofi Annan foi secretário geral da ONU entre 1997 e 2006 e foi laureado com o Nobel da Paz]. Levamos colaboradores, clientes e fornecedores para um evento totalmente fechado. Foi uma noite histórica. Tive a oportunidade de lidar diretamente com ele. E lá, ele me perguntou como tratávamos equidade de gênero na Heads. Simplesmente não tratávamos. ‘E sobre o empoderamento da mulher, como vocês lidam?’ Nada. Estou falando de quatro anos atrás. Percebemos que tínhamos que olhar para o futuro. Minha vice-presidente de Planejamento pegou aquilo e nos tornou a primeira agência brasileira a ser signatária dos princípios do empoderamento da mulher na ONU. Fomos a quarta agência do mundo a fazer isso. Hoje, isso está espalhado na nossa cultura. Passamos a fazer análises de 5 mil comerciais a cada quatro meses para ver como era o comportamento das marcas em relação a essa questão. Na primeira pesquisa, apenas 12% das mulheres se sentiam representadas pelas marcas. E começamos a publicar essa pesquisa. Virou uma febre. Ninguém falava em empoderamento, ninguém falava em equidade. Fomos a primeira empresa brasileira a tratar desse assunto. Hoje, há algo próximo de 45% de equidade, passados apenas 4 anos. Evoluímos um pouco na questão racial. Até então, todos eram brancos de olhos azuis. E não adianta dizer nada porque o que estou falando não é nenhum discurso esquerdista. Até porque, agência de propaganda não pode ser de esquerda. Ela vive do capitalismo. Mas é preciso dar importância a um discurso social. Não porque queremos consertar o mundo. Nosso negócio é mais simples. É mostrar que o cliente ele está se comunicando mal com o interlocutor.

DINHEIRO – Então não é questão de ser politicamente correto. A questão é dinheiro, certo?

Loureiro – Sempre. Se você colocar o estereotipo do machão em uma propaganda, você vai deixar de falar com o gay. Mas o gay consome que é uma barbaridade. Na hora que seu produto não fala com esse cara, deixa de vender. That’s all about money [Tudo é sobre dinheiro]. Se pegar 3,5 bilhões de pessoas, que é a metade da população mundial, e multiplicar pela renda de US$ 5 ao dia, você vê o tamanho de um mercado que era ignorado. Várias marcas apostaram nisso. Por isso fomos chamados pela Unilever, pelo Itaú. Depois que lançamos essa pesquisa, 38 empresas nos chamaram para dar palestrar.

DINHEIRO – Trouxe reputação a vocês.

Loureiro – Lógico que não fiz de graça para o mundo. Vimos um nicho que era verdade. É muito burro vender um produto dizendo que ele tem uma qualidade e ele não ter. Essa é a maneira mais fácil de destruir um produto. Hoje, leva-se segundos para saber a verdade.

DINHEIRO – Voltamos à discussão do que é verdade, certo? Em um mundo chacoalhado por notícias falsas.

Loureiro – Isso é filosófico. O jornalista Eurípedes Alcantara, que tem trabalhado conosco, fala algo ótimo sobre buscar a verdade. ‘Você quer a verdade? Mas por 10 reais, me desculpe. Impossível. Tem que pagar mais’ A busca da verdade é uma discussão muito mais perene na humanidade. É epistemológica.

DINHEIRO – Mas como lidar com isso? Estamos às vésperas de uma eleição importante. As marcas estão cada vez mais expostas a sites fantasmas.

Loureiro – É preciso uma regulação. Hoje, eles fazem dinheiro com robôs. 30% dos cliques são feitos por robôs, e não por seres humanos. É dinheiro ganho por eles e perdido por nós. Temos tecnologia dentro de casa que nos permite ver o que é robô e o que não é. Estamos caminhando para o mundo do Blockchain, que deixará tudo muito mais transparente. Isso vai chegar a um nível tão grande que vai descaracterizar o humano. Imagine o Blockchain no governo. Imagine uma licitação pública com Blockchain. Isso vai ser muito rápido. É verdade que falta ainda entrar nos governos. Mas tudo o que falamos é sobre uma transformação, sobre uma nova história que começou quatro anos atrás. Claro que, quando um computador sabe exatamente o que se pensa, é ruim. Você mexe com a individualidade do ser humano, que perde o seu direito de ser esquecido. Não tem mais essa. A partir de agora, você terá que fazer o certo – o que vai criar uma geração interessante do ponto de vista ético. Mas muito tolida de suas opiniões. Qualquer opinião que você dá hoje, leva porrada. O Nizan Guanaes [N.R.: Co-fundador do Grupo ABC] está apanhando feito louco porque disse que o Bolsonaro vai ganhar a eleição, porque ele é o Dorflex do brasileiro. Para tirar essa frase dele agora…

DINHEIRO – Como regular?

Loureiro – Com leis. O cara vai ter que ser responsável pelos comentários. A empresa fatura US$ 30 bilhões e fala o que bem entender. Tem que regular. Eles têm que investir em tecnologia para coibir fakenews. Cara… O Facebook elegeu o [Donald] Trump. Seja eu a favor ou contra o Trump. Isso não pode acontecer.

DINHEIRO – Como estão se preparando para as campanhas políticas?

Loureiro – Trabalhamos com previsibilidade. Não faço uma campanha para veicular amanhã. Faço para veicular daqui seis meses, ou um ano. Se eu colocar o eleitor como um consumidor, sei será altamente imprevisível a eleição. E aí, qualquer um dá chute sobre quem vai ganhar. Ou se não é chute, fala porque tem algum interesse.