A foto de Roberto Setubal que ilustra esta reportagem é bem diferente das habituais. Em geral, o discreto e formal banqueiro não dispensa a gravata em nenhum dia da semana. No entanto, às sextas-feiras, o comitê executivo do Itaú Unibanco tem adotado um estilo um pouco mais despojado.

 

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Roberto Setubal: presidente do Itaú Unibanco

Ao receber a DINHEIRO na imponente sede do grupo, em São Paulo, Setubal demonstrava uma leveza típica de quem já está com a vida ganha. Mas não se engane: apesar do bom humor, ele sabe que tem uma tarefa gigantesca pela frente. A fusão entre o Itaú e o Unibanco ainda não está concluída – deverá prolongar-se até meados de 2011, quando as mil agências do Unibanco terão sido convertidas em agências Itaú. Enquanto um exército de funcionários cuida dessa transformação, Setubal e seus principais executivos já preparam os novos lances de uma estratégia agressiva de crescimento. Um dos pilares dessa ofensiva é algo inédito no sistema bancário nacional: uma aposta firme no varejo fora do Brasil. Discreta e cautelosamente, o Itaú Unibanco está analisando as possibilidades de ampliar sua presença internacional. “Já estamos em todos os países do Mercosul e no Chile e pretendemos expandir nossas atividades para o varejo nos países mais próximos do Brasil”, diz Setubal. Ele reconhece o tamanho do desafio. “Temos presença internacional, mas não somos um banco global; nossa aspiração é ser, no mínimo, um banco regional nos próximos anos”, diz. Crescimento internacional sempre foi um tema delicado para os banqueiros brasileiros. A atuação além-fronteiras concentrava-se em poucas atividades: financiar o comércio exterior, apoiar as empresas daqui que se internacionalizavam e buscar acesso às reservas de capital dos países desenvolvidos.
 

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Agência do banco em Tóquio (dir.) e edifício na avenida Nueve de Julio,
em Buenos Aires (à esq.), já ostentam a marca Itaú

 

Mais recentemente, os banqueiros miraram nichos de mercado, como as comunidades de brasileiros no Exterior, em especial os dekasseguis no Japão. Varejo, no entanto, sempre foi tabu. A principal dificuldade é conquistar a confiança do consumidor. A penetração em mercados desenvolvidos, como os dos Estados Unidos, Europa e Japão, esbarra tanto em restrições legais quanto na tradicional desconfiança dos clientes em relação a um banco oriundo de um país emergente. Outra dificuldade é a diferença de culturas, demonstrada por alguns estrangeiros que testaram o mercado brasileiro e se deram mal. Um bom exemplo é o do espanhol BBVA. Ao comprar o Excel Econômico em 1998, ele repetiu uma estratégia de marketing que havia sido muito bem-sucedida na matriz: brindar os clientes que abriam contas com panelas e toalhas. Fiasco total. O BBVA foi absorvido pelo Bradesco menos de três anos depois de desembarcar por aqui. O desafio para o Itaú Unibanco é cravar sua bandeira fora do Brasil sem cometer derrapadas como essas. Para mitigar os riscos, o banco tomou suas precauções. Uma delas foi montar um conselho consultivo internacional de peso.  Grandes nomes do capitalismo global, como Marcel Telles, da Anheuser-Busch InBev, e Carlos Ghosn, da Renault-Nissan, estão entre os notáveis que vão orientar essa expansão. Algumas diretrizes já foram estabelecidas. Uma delas é começar em países mais próximos geograficamente. “Não pretendemos atuar no varejo em todos os continentes. Vamos testar primeiro o mercado da América Latina”, diz Setubal. Ele descarta a hipótese de tentar operar no varejo europeu ou asiático. “As culturas são muito diferentes”, diz. A segunda decisão é não começar do zero, para não ter de percorrer toda a curva de aprendizagem. “Se formos para o varejo será por meio de aquisições ou associações.”
 

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Conselho de notáveis: da esquerda para a direita, em pé: Marcel Telles, Pedro Malan, Pedro Aspe, Raghuram Rajan, André Lara Resende.
Sentados: Jacob Frenkel, Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles, Woods Staton e Ricardo Villela Marino 

Alguns desses passos já foram dados. O Itaú Unibanco está em todos os países do Mercosul, mas sua única operação varejista de fato fica na Argentina. Sem pressa, mas sem perder tempo, o banco está aproximando as atividades nos demais países do Mercosul do modelo brasileiro. No Paraguai, por exemplo, fica o Interbanco, pertencente ao Unibanco. A decisão é converter as agências para a marca do Itaú, apesar de o nome Interbanco ser sólido no mercado paraguaio. No Uruguai e no Chile, as bandeiras do BankBoston já foram trocadas pela marca brasileira. Em 2006, quando o Itaú comprou as operações latino-americanas do BankBoston, a filial chilena foi incluída na transação. Não era um banco grande, ocupava a sétima posição no ranking local, mas foi essencial para o Itaú aprender a trabalhar em mercados com o chamado grau de investimento: maduros, estáveis e com juros baixos. “O Chile será um bom laboratório”, disse, na época da aquisição, o vice-presidente do Itaú, Alfredo Setubal. E hoje, quatro anos depois? “Aprendemos muito”, diz Roberto. A experiência chilena será proveitosa além das fronteiras da América Latina. Setubal não faz comentários, mas quem conhece os meandros do banco das famílias Setubal, Villela e Moreira Salles sabe que os brasileiros e hispânicos que trabalham nos Estados Unidos são um nicho de mercado apetitoso para qualquer banqueiro com ambições regionais.
 

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Emílio Botín: banqueiro espanhol aposta firme na América Latina, e Itaú pode seguir seus passos no México 
 

Guardadas as devidas proporções e passada a tormenta da crise bancária de 2008, o mercado americano tem características de estabilidade e maturidade com as quais o Itaú já se acostumou no Chile. Portanto, uma arremetida nos Estados Unidos não será descartada. O Itaú Unibanco já tem um atalho pronto para o mercado hispano-americano: uma operação de cartões de crédito que o Unibanco possuía no México, antes da fusão. O México não é relevante apenas por ser, ao lado do Brasil, uma das economias mais importantes da América Latina. É também o país latino com as ligações mais próximas com os Estados Unidos. O arquirrival Bradesco já está de olho nesse filão. Em janeiro deste ano, adquiriu as operações mexicanas do banco Ibi, que pertencia à cadeia de lojas C&A. O Itaú Unibanco pode estar comprando algo no México? “Não temos nada em vista”, diz Setubal.

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Ele voltou a desmentir os rumores que circularam insistentemente em 2008, de que poderia estar comprando o Banamex, segundo maior banco mexicano, que pertence ao Citigroup. Na época, o Citi atravessava a fase mais sinistra de seu processo de ajuste. Desesperado por capital, o banco americano poderia ter de vender ativos. Coincidentemente, no anúncio da fusão, em plena crise bancária global, Setubal e Pedro Moreira Salles disseram que tinham ambições internacionais. Não demorou para que dezenas de banqueiros de investimento visitassem o Itaú Unibanco para demonstrar a lógica de comprar o Banamex. “Havia lógica no negócio naquele momento, mas o Citi nunca abriu conversas sobre o Banamex”, diz Setubal. “Eu sempre perguntava a quem vinha me propor o negócio: ‘você tem mandato do Citi? Não? Então, no dia em que você tiver, volte que nós conversamos’ e as reuniões acabavam por aí.” Setubal garante que não havia, nem há, negociações em aberto. Se houvesse, certamente não falaria nada até o desfecho da transação, como é comum nos grandes negócios. Para os especialistas, a estratégia de mirar o varejo lá fora faz todo o sentido para o Itaú Unibanco. “Os bancos brasileiros não podem querer se limitar a operar apenas dentro das fronteiras nacionais”, diz Antonio Bento de Mendonça, diretor da consultoria europeia Solving Efeso International. “Eles têm de montar operações regionais para poder se manter à tona no cenário global.” Hoje, o Itaú Unibanco já está entre os maiores do mundo em valor de mercado, mas ainda está longe do topo em tamanho de ativos. Segundo a revista inglesa The Banker, o banco liderava na América Latina em fins de 2009, mas ocupava uma discreta 33ª posição no mercado global. O banco ainda tem um longo caminho a percorrer lá fora. O Itaú Unibanco pode se aproveitar da experiência de outro banco que optou por se defender da concorrência crescendo na América Latina: o espanhol Santander. Há 20 anos, Emílio Botín controlava uma instituição familiar, com atuação limitada a algumas cidades do norte da Espanha. Hoje, é o maior banco do país, um dos maiores da Europa e obtém quase dois terços de suas receitas no exterior. A América Latina é seu principal mercado fora de casa. Com quase 600 milhões de consumidores, o continente tem 21 países, dez territórios e gera 9% do PIB mundial.

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O Santander aposta em sete mercados: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai. Juntos, eles concentram 75% da população do continente. Em 2009, três deles – Brasil, México e Chile – detinham 85% dos negócios financeiros na região. Focar nesses mercados é uma questão de lógica econômica. Há poucas semanas, Botín comprou a parte que o Bank of America possuía no Santander México e assumiu o controle da instituição. Não será uma surpresa se, cedo ou tarde, o Itaú fortalecer suas operações por ali.

Uma expansão regional é a melhor estratégia que o banco brasileiro pode adotar para manter-se à tona no cenário global. Há alguns anos, um concorrente que se sentisse incomodado com o crescimento do Santander poderia sustar o problema comprando a matriz na Espanha. “Hoje, o banco espanhol cresceu tanto que isso deixou de ser uma possibilidade”, diz Mendonça. O valor de mercado do Santander no fim de 2009 era de US$ 136 bilhões. O do Itaú Unibanco, US$ 104 bilhões. Com a crise europeia, a diferença diminuiu. No final de julho, o Santander valia US$ 105 bilhões e o Itaú Unibanco, US$ 95 bilhões, segundo a Bloomberg. Continuar no ataque, portanto, é a melhor defesa para os brasileiros. “Os bancos que não quiserem ser alvos de uma proposta irrecusável de um gigante de fora têm de ganhar musculatura além do mercado brasileiro”, afirma o consultor. Essa estratégia tem riscos, é claro. O principal deles é que, ao migrar para fora do Brasil, a alternativa para o Itaú é testar países menos estáveis – basta pensar em uma improvável aposta na Venezuela, por exemplo. Sofrer com turbulências internacionais não é novidade na história do Itaú Unibanco. Em 2002, quando o governo argentino decidiu não pagar sua dívida, a subsidiária argentina do Itaú teve de amargar um prejuízo milionário. Solavancos desse tipo fazem parte do caminho de qualquer banco que se arrisca a carimbar passaporte. Ficar em casa, porém, não é uma opção. “É o varejo que permite uma expansão internacional de fato”, diz Setubal. “Sem ele, as atividades bancárias de atacado não são sustentáveis no longo prazo.”

 

Entrevista: Roberto Setubal
“O varejo na América Latina é nosso alvo”

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Roberto Setubal, presidente executivo do Itaú Unibanco, fala sobre as perspectivas da expansão internacional

Não há mais possibilidade de crescer por aquisições no Brasil. Qual será a estratégia de agora em diante?
Se a economia brasileira continuar a crescer, o banco cresce com ela. Teremos muita demanda por crédito e outras linhas de negócio. É um bom problema, pois o Brasil está crescendo muito e não somos obrigados a buscar negócios no Exterior, apesar de esse ser um mercado interessante.

O banco pensa em internacionalizar suas atividades?
Quando anunciamos a fusão, dissemos que tínhamos aspirações internacionais, mas a primeira prioridade era executar a fusão, algo que deverá estar concluído até 2011. Existem oportunidades lá fora e estamos começando a olhar um pouco isso, já que a fusão caminha bem. Temos essa aspiração de ser no mínimo um banco regional nos próximos anos.

Mas o banco já não tem uma atuação fora do Brasil?
Somos um banco grande e forte, muito respeitado no Exterior, sólido e dinâmico. Estamos em um país que atravessa um bom momento. No entanto, temos de ser realistas: temos negócios internacionais, mas não somos um banco global. Estamos presentes em todos os países do Mercosul. O Itaú já estava na Argentina, e com o BankBoston e com o Unibanco vieram Paraguai, Uruguai e Chile. Por enquanto, estamos caminhando bem. Conseguimos fazer os bancos que compramos crescer e se tornar mais rentáveis. Estamos sentindo que podemos jogar esse jogo, principalmente da América Latina de uma forma geral.

Isso significa atuar no varejo em outros países?
É o varejo que proporciona a base de desenvolvimento do negócio. Ele cria a presença física, constrói a marca e permite obter o funding, que são fundamentais para desenvolver a atividade bancária. Para trabalhar em um país é preciso ter funding local. Sem isso, a atuação fica muito limitada. Pode administrar ativos, ter banco de investimentos, banco de atacado, mas é uma atuação limitada.

Como será essa ida para o varejo?
Se formos para o varejo, será por meio de aquisições ou associações. Não pensamos em começar um banco do zero em algum país do mundo. Não é trivial administrar um banco fora do Brasil. É preciso dosar que decisões ficam centralizadas em São Paulo e quais são tomadas localmente. Isso é fundamental, pois por um lado há o risco de centralizar demais e deixar o banco lento, e por outro não é possível dar autonomia demais, pois há um conglomerado e uma marca por trás.