Não é novidade que a sociedade brasileira é conservadora, moralista e intolerante. O apreço nacional pelo atraso tornou-se mais visível no fim de 2017, quando três manifestações culturais geraram uma onda de protestos e incendiaram as redes sociais. Uma exposição em Porto Alegre foi encerrada antes do tempo. Uma peça de teatro que mostrava Jesus como uma mulher trans foi censurada pela Justiça em várias cidades. A interação de uma criança com um artista nu quase provocou depredações no Museu de Arte Moderna, em São Paulo. Tomados isoladamente, esses atos são ridículos. Porém, o problema vai além da minoria tosca que prefere protestar na porta do teatro, em vez de assistir à peça para poder criticá-la com propriedade. Institutos de pesquisas sérios mostram que a opinião de uma parcela vasta da população – e, por consequência, do eleitorado – está em linha com os pensadores menos avançados do Século XIX.

Uma pesquisa do instituto Datafolha, divulgada na virada do ano, mostrou que 36% dos entrevistados apoiavam a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em caso de crime grave. Esse número é dez pontos percentuais superior aos 26% registrados em um levantamento parecido, realizado em 2015. O total de brasileiros favoráveis à redução da maioridade em qualquer caso recuou um pouco, de 87% em 2015, para 84% em 2017, permanecendo, porém, em um patamar elevado. Uma pesquisa um pouco mais antiga, divulgada pelo Ibope em 2016, concluiu que 79% dos entrevistados defendem penas mais duras para reduzir o crime, 69% apóiam a prisão perpétua e 46% são favoráveis à pena de morte.

Achou pouco? Pois tem mais. Em outra pesquisa recente do Datafolha, 57% dos entrevistados disseram acreditar que uma mulher que realiza um aborto deve ser punida com o cárcere. Há uma correlação direta e drástica dessa convicção com o nível de escolaridade. O apoio à punição é de 34% entre os entrevistados com nível superior, e de 71% entre os consultados que possuem apenas o ensino fundamental.

Respire fundo, pois o quadro é grave. A questão dos transgêneros ainda é polêmica. A peça de teatro censurada foi escrita por uma mulher trans britânica, e também provocou protestos ao estrear em 2009, na Escócia. No entanto, assuntos como maioridade penal, pena de morte e descriminalização do aborto deixaram de ser debatidos a sério há décadas na maior parte do mundo desenvolvido. Claro, sempre há oportunistas para, demagogicamente, fazer tremular essas bandeiras retrógradas de quando em quando, geralmente em benefício próprio. Mas sua influência sobre a regra legal, e sobre a maioria da opinião pública, é pequena.

No Brasil, a situação é diferente. Por aqui, a maioria da população ainda acredita que a solução para as malfeitorias é punir, em vez de educar e fiscalizar. Isso torna consumidores e eleitores muito suscetíveis a discursos do tipo “bandido bom é bandido morto”. Isso não é um problema nas parcelas mais ricas da sociedade. Está combinado que, em famílias de renda média ou alta, a mulher que decide fazer um aborto procura uma clínica, preenche um cheque e resolve o assunto. Porém, no caso da população de baixa renda, que depende de serviços públicos que podem ser influenciados pela política, a pujante vanguarda do atraso é, em si própria, uma pena de morte declarada.